“Queremos que os contribuintes dos outros países continuem a financiar o nosso modo e nível de vida?” – Esta é a pergunta a que os gregos gostavam de responder. Só que em política a mesma pergunta não se faz duas vezes. E já foi a esta pergunta que os gregos responderam quando elegeram o Syriza. Eles deram a maioria a um partido que lhes garantiu que ia mandar no dinheiro dos outros. E isso não é possível.

Após cinco meses o impasse era mais que inevitável. Tsipras não podia negociar. A cada regresso a Atenas isso tornava-se-lhe mais óbvio. A notícia mais ou menos anedótica de que a sua mulher o deixaria caso assinasse um acordo com os credores é simbólica do cerco que se foi fechando em torno deste homem que para os seus apoiantes saía da Grécia não para negociar mas sim para derrotar os seus parceiros internacionais.

O desconcerto a que se assistiu ao longo destes meses entre Atenas e a troika (ó fabulosa vitória terem-lhe passsado a chamar instituições!) foi só este: os credores esperavam que Tsipras negociasse condições. Atenas exigia que Tsipras arrasasse os credores e, milagre da fé, que, arrasados, os credores continuassem a cumprir o seu papel de credores financiando a tempo e horas a Grécia. Não sei se Tsipras alguma vez quis negociar mas mesmo que quisesse muito francamente não podia. Uma negociação é um processo de cedências mútuas em que a vitória está no resultado (que para cúmulo só se vê daí a algum tempo) e não no fogacho de umas declarações tão imediatas quanto espampanantes.

Durante cinco meses a Europa exigiu aquilo que nem Tsipras nem o Syriza podiam dar. E esse aquilo chama-se governo. A geração de líderes radicais (de que Tsipras é um exemplo) passou (ao colo das instituições e dos jornalistas) das universidades para os estúdios de televisão. Daí chegaram à política. Ou melhor dizendo aos movimentos. Não distinguem os votos das audiências. E confundem palmas com resultados.

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A fragmentação dos Syriza, Podemos, BE.. não acontece por acaso. São o resultado do excesso de egos e da falta de pensamento político desses agrupamentos que naturalmente ao primeiro choque com a realidade voltam ao seu estado natural: divididos e acusando-se de torpezas e traições. O Syriza, o Podemos ou o BE apregoam todos os dias a sua superioridade por enquanto movimentos serem uma alternativa aos velhos partidos. Nada mais falso. Eles são movimentos porque não conseguem ser partidos. Não têm líderes, não têm pensamento e não têm estratégia para tal.

Na verdade estes movimentos não passam de grupos, cada um deles a achar-se mais puro e mais revolucionário que os outros e o que nesta crise grega é crucial sempre prontos a acusarem os outros de terem traído, de se terem vendido… Era este calvário que Tsipras sabia que o aguardava em Atenas caso negociasse. E para esse exercício de solidão ele, Tsipras, o rapaz de quem as televisões gostavam, não tem nem personalidade nem um partido.

É portanto um tremendo erro esperar que movimentos como o Syriza, o Podemos ou o BE se comportem como partidos. Por exemplo, que actuem como o PCP em Novembro de 1975: a 25 de Novembro de 1975, Álvaro Cunhal deu ordem ao PCP para recuar. Porque já estava consumada a transferência de Angola para a área de influência da URSS; porque o líder do PCP sabia que não tinha condições para avançar ou sequer para se manter em boa parte do país e porque o PCP ao recuar garantia a sua sobrevivência. Naturalmente o PCP obedeceu. Muitos militantes não gostaram mas obedeceram. O PCP perdeu a dinâmica revolucionária mas ganhou a Constituição e manteve o controlo de inúmeras instituições. A isto chama-se negociar. E creio não ser necessário explicar como essa aparente derrota se tornou a médio prazo na melhor aposta política do PCP.

Nesta crise grega houve de facto falta de experiência, de inteligência e de um partido que tivesse à frente um líder capaz de negociar logo ceder em muita coisa para ganhar outras. Não houve e daí o falhanço.

Tsipras nunca teve condições políticas para negociar um acordo. E também não as conseguiu criar. Procura agora condições para romper as negociações. Afinal o seu programa não é governar a Grécia. É ficar bem na fotografia. Ou pelo menos não estragar a imagem que ganhou nos estúdios de televisão onde politicamente nasceu e onde as teses dos radicais fazem sempre mais sentido que todas as outras.

E agora? Agora a vida tem de continuar seja qual for o caminho seguido pela Grécia. Mas que nos fique de emenda: não é possível, não é honesto e não é justo que o governo de um país da UE capture as atenções, o tempo e as energias das instituições europeias desta forma durante meses.

E eu mesma acabo este texto irritada comigo por ter perdido o meu tempo e o espaço desta crónica a escrever sobre uns gaiatos que não sabem o quanto custa ganhar a vida e não sobre aquele polícia espancado e esfaqueado numa “festa multicultural”. Azar o dele ser polícia. Se fosse gato ou doutor-activista de festas multiculturais o país estaria hoje verdadeiramente indignado. Assim não fosse o Correio da Manhã e quase nem se dava pelo assunto.