O PS votou a favor da moção de censura do PCP e apresentou uma declaração de voto para justificar a posição. Mas não é uma declaração de voto qualquer: no texto, a que o Observador teve acesso, o grupo parlamentar do PS defende, entre outras coisas, a “renegociação da dívida”. A expressão lata é diferente da até aqui assumida pela direção do partido, que apenas tem defendido a renegociação de juros e das maturidades do empréstimo dado a Portugal pelos credores externos e não a renegociação da própria dívida. Embora os termos usados suscitem dúvidas, um dirigente da bancada parlamentar contactado pelo Observador disse que a expressão deve ser entendida como “a linha justa” do partido e não como “reestruturação” da dívida.

No texto, os socialistas começam por defender a “renegociação das metas inscritas na trajetória orçamental” e depois acrescentam que querem uma “renegociação da dívida pública aos credores oficiais”. Ora, o máximo que o PS em termos oficiais tem defendido é numa renegociação dos juros e das maturidades do empréstimo, nunca da dívida em si.

No ano passado, quando deu por terminadas as negociações com o PSD e o CDS sobre o compromisso de longo prazo pedido pelo Presidente da República, o secretário-geral do partido, António José Seguro disse que o PS se tinha batido pela

“sustentabilidade na gestão da dívida pública, através da renegociação das maturidades dos empréstimos concedidos por credores oficiais”.

Sem defender Sócrates

A declaração de voto do PS foi anunciada depois de duas reuniões da bancada parlamentar para decidir o sentido de voto do partido à moção de censura do PCP, no dia 30 de maio. Nas reuniões, vários deputados (alguns apoiantes de António Costa) defenderam que o partido se devia abster, uma vez que o texto dos comunistas era também um ataque ao PS. A oposição mais forte acabou por ser a de Francisco Assis, que foi cabeça de lista às eleições europeias e que se manteve ao lado de Seguro na disputa pela liderança com António Costa, que considerou o voto a favor como um “erro” do partido, pedindo uma reavaliação da decisão da direção. Mesmo assim, a bancada votou a favor e escreveu um texto a demarcar-se das posições assumidas pelo PCP, que foi entretanto entregue.

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Começa o texto por dizer que o PS votou a favor porque as eleições europeias mostraram que a política da direita perdeu : “Depois de três anos de governação ‘além da troika’ e no fim de um Programa de Ajustamento, esta derrota dos partidos que o suportam corresponde a uma claríssima censura por parte dos portugueses.” Os socialistas falam na “propaganda” do Governo que não passou e que o “milagre” económico afinal não se concretizou.

Mas depois, começam por dissecar os pontos em que discordam do PCP. E o primeiro prende-se logo com a história recente. Na declaração de voto, o PS nunca defende o Governo anterior – aliás, na linha sempre seguida por Seguro – e fala sempre de um tempo mais longo. “Para o PCP, o país estava bem melhor em 1977 do que está hoje”, dizem. Mas mais, na altura de lembrar a entrada em funções deste Governo, os deputados do PS (a declaração de voto é conjunta da bancada) não lembram diretamente o chumbo do PECIV de José Sócrates. Dizem que o PCP “nunca integrou nenhum Governo ou cooperou, neste período, para a governação mas ajudou a derrubar governos do PS contribuindo para a chegada ao poder da atual maioria”.

Além deste ponto, o PCP defendia no texto da moção de censura a saída de Portugal do euro. E os socialistas quiseram também notar essa diferença, dizendo que “o PCP pensa que pode continuar a defender o repúdio unilateral do pagamento da dívida pública ou a defender que um país se prepare para a saída do euro sem medir ou avaliar as consequências de tal ato e sem dar conta disso aos portugueses”.

Ainda no mês de abril, o PS votou contra uma resolução do PCP que defendia a renegociação da dívida. Para os socialistas, a posição do PCP levava a que o país pudesse sair do euro. A intenção dos comunistas foi votada no dia em que deu entrada do Parlamento o Manifesto dos 70, de personalidades que também defendem a reestruturação da dívida.

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