O Papa Francisco já habituou a surpresas. Na quarta-feira passada, afirmou que a visita a Israel, Jordânia e Palestina ia ser “uma viagem estritamente religiosa”. Afinal, talvez não seja bem assim.

Depois das negociações de paz entre israelitas e palestinianos terem chegado a um impasse nas últimas semanas, o Papa Francisco decidiu dar um empurrão: no final da missa que celebrou na praça da Manjedoura, em Belém, neste domingo, convidou Shimon Peres, presidente de Israel, e Mahmoud Abbas, presidente do Estado da Palestina, para se juntarem numa reunião simbólica no Vaticano.

“Ofereço-vos a minha casa no Vaticano para ser o lugar deste encontro de preces”, afirmou. Ambos deram resposta positiva ao convite endereçado por Bergolio. “O Presidente Peres sempre apoiou, e continua a apoiar, qualquer tentativa para o progresso da paz” foi a resposta do gabinete do Presidente, enquanto Abbas, ao lado do Papa, disse “acolher qualquer iniciativa para promover a paz na Terra Santa”. A reunião deve ocorrer em breve, sendo que o mandato de Shimon Peres, 90 anos, termina em Julho deste ano.

“Está na hora de pôr fim a uma situação que se tornou cada vez mais inaceitável – para o bem de todos”, disse o Papa, que reconheceu o “direito dos dois estados a existirem e a desfrutar da paz e segurança dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas”, segundo o jornal Le Monde. As negociações de paz, mediadas pelos Estados Unidos, foram suspensas por Israel depois de o Hamas e a Fatah (de Abbas), as duas facções palestinianas, terem chegado a um entendimento, há algumas semanas.

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Na manhã deste domingo, Francisco celebrou uma missa em Belém na Praça da Manjedoura para cerca de 10 mil pessoas, onde foi recebido como a figura globalmente popular que é: jovens seguravam cartazes onde se lia “We Love Papa Francisco”. “Todos desejamos a paz; tantas pessoas a constroem dia a dia com pequenos gestos; muitos sofrem e suportam pacientemente a fadiga de tantas tentativas para a construir”, disse durante a oração Regina Coeli, na celebração eucarística que estava a presidiu em Belém, que já revelava algumas das intenções do Papa viria a anunciar no final da cerimónia.

Pouco rigoroso com o protocolo religioso, como já é costume, no caminho para a praça, junto ao muro que separa Israel da Palestina, o Papa pediu para descer do Papamobile. Francisco parou em silêncio junto ao muro grafitado e rezou durante alguns minutos. Chegou mesmo a encostar a levemente a testa no muro, um acto entendido como extremamente simbólico pela comunidade religiosa mundial. Os Palestinianos são extremamente críticos daquela barreia, enquanto Israel argumenta que é essencial para a segurança do Estado. Era impossível escapar às dimensões políticas desta visita, escreve o New York Times.

Depois da missa celebrada na praça da Manjedoura, o Papa tinha agendado um almoço com cinco famílias para expressarem as dificuldades que as políticas israelitas causam aos palestinianos. Uma das famílias veio de Gaza, o enclave costeiro isolado que pertence ao Hamas. Outra família estava dividida entre Belém e Jerusalém devido às restrições de viagem.

Após a visita à Gruta da Natividade, Francisco foi visitar 100 crianças que vivem em campos de refugiados no centro comunitário Deheisheh, que é o lar de cerca de 12.000 palestinianos exilados das suas casas e famílias desde 1948 e a guerra árabe-israel.

Amanhã, deslocar-se-á à Esplanada das Mesquitas, Cúpula do Rochedo (Grande Mesquita de Jerusalém) e ao Grande Conselho dos Muçulmanos, ao Muro das Lamentações, onde deixará uma mensagem e no cemitério do monte Herzl (do nome do fundador do sionismo Theodor Herzl) uma coroa de flores – uma estreia para um papa. Uma missa no Cenáculo, local da Última Ceia de Cristo, vai concluir a viagem, num local onde se encontra também o túmulo do rei David.

Segundo o jornal israelita Haaretz, na manhã de domingo a polícia de Jerusalém prendeu 26 judeus sionistas que estavam a organizar um protesto no cenáculo, o sítio a onde está atribuído o local da última ceia de Jesus Cristo, e onde o Papa vai celebrar uma missa na segunda-feira.

Uma “solução pacífica” para a crise síria

Desde que a visita papal começou, Francisco tem feito muito mais que rezar. No primeiro dia da visita, em Amã, Jordânia, apelou para que seja encontrada “com urgência” uma “solução pacífica” para a crise síria e uma “solução justa” no conflito israelo-palestiniano, indispensáveis para uma “paz duradoura na região.”

“Encorajo as autoridades do reino jordano a perseverar os seus esforços para encontrar uma paz duradoura em toda a região. Este grande objetivo necessita de urgência para que seja encontrada uma solução pacífica na crise síria, bem como uma solução justa no conflito israelo-palestiniano”, afirmou o papa argentino no início da sua primeira visita ao Médio Oriente.

Enquanto os palestinianos precisam de reconhecer o direito de Israel a viver pacificamente “dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas”, Israel também tem de reconhecer os direitos dos palestinianos ao seu próprio estado soberano, lembrou. Não foi por acaso que Bergolio referiu-se à Palestina como um Estado. Em Amã, a primeira paragem da visita, Francisco presidiu a uma missa no estádio da capital e encontrou-se com 600 deficientes e refugiados, muitos oriundos da Síria, depois de ter sido recebido pelo rei Abdullah II. Foi a primeira visita papal a territórios palestinianos desde a assembleia geral das Nações Unidas em Novembro de 2012, onde se promoveu a Palestina a um estado observador não-membro das Nações Unidas, concedendo o mesmo estatuto que é atribuído ao Vaticano.

O Papa Paulo VI foi o primeiro a visitar Belém, em 1964, quando a Cisjordânia estava sobre controlo da Jordânia. Uma década depois, apelou a Israel para reconhecer os “direitos e legitimar as ambições” das população palestiniana, marcando um etapa importante entre nas relações entre o Vaticano e Palestina, relembra o New York Times. Em 2000, o Papa João Paulo II foi recebido por Yasser Arafat. Durante a visita ao campo de refugiados de Deheisheh, João Paulo II descreveu a situação como “quase intolerável”. Bento XVI visitou o campo de refugiados de Aida em 2009, onde, para desgosto dos israelitas, falou apenas a alguns passos da parede de separação.