O Papa Francisco está a reduzir radicalmente a dimensão do banco do Vaticano, oficialmente chamado de Instituto para as Obras Religiosas (IOR). O objetivo é voltar a direcionar a Igreja Católica no sentido do apoio aos mais pobres e necessitados, noticia o Financial Times citando fontes do interior do Vaticano. Esta terça-feira o banco tornou público o relatório anual das contas de 2013 (o segundo alguma vez publicado), onde dá conta de um lucro líquido de 2,9 milhões de euros e da redução de milhares de contas individuais e institucionais. A intenção, diz o banco, é servir apenas a Igreja, e não outros interesses.

O banco, cujas últimas décadas de corrupção e má gestão contribuíram para manchar a imagem do Vaticano, quer assim voltar aos seus propósitos originais de enviar fundos para os missionários e grupos católicos de todo o mundo.

A intenção é retirar ao banco a função de gerir os ativos. Só assim o Vaticano pensa conseguir cortar a fonte da maior parte dos escândalos que atormentam o banco desde a década de 80, quando Roberto Calvi – que ficou conhecido como o “banqueiro de Deus” – foi encontrado morto em Londres, após suicídio. “Não podemos aguentar mais nenhum escândalo”, disse uma fonte próxima do Papa ao Financial Times.

Bloqueio de milhares de contas

Em maio do ano passado, o banco começou a analisar as contas dos clientes da entidade, o que levou ao cancelamento de alguns milhares. A 30 de junho desse ano, o IOR tinha 15.495 clientes com um total de ativos de seis mil milhões de euros.

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Mas entre maio de 2013 e junho de 2014, a instituição realizou uma “análise sistemática de todos os registos de clientes para identificar a informação perdida ou insuficiente”, o que levou ao bloqueio de 1.329 contas individuais e 762 institucionais, de acordo com a entidade do Vaticano. Além disso, na sequência do processo iniciado em 2013, o banco pôs termo a cerca de três mil relações com clientes, das quais 2.600 eram classificadas como “contas adormecidas”, com um saldo pequeno ou sem atividade há algum tempo.

“Graças a esta decisão, o IOR está agora concentrado apenas nas instituições católicas, clero, funcionários ou antigos trabalhadores do Vaticano, com contas em que recebem salários ou pensões, embaixadas e diplomatas acreditados junto da Santa Sé”, de acordo com o mesmo comunicado.

O encerramento destas contas implicou para a instituição uma perda de ativos no valor de 44 milhões de euros. Destes, 37,1 milhões foram transferidos para instituições italianas, 5,7 milhões foram transferidos internamente como doações e os restantes 1,2 milhões de euros foram pagos aos titulares.

Na apresentação das contas do banco, o responsável do IOR, Ernst von Freyberg, reforçou a ideia de que o conselho de vigilância da entidade se dedicou, nos últimos meses, a tornar a instituição mais “segura e transparente”. “Através deste trabalho, construímos as bases para que uma nova equipa faça do IOR um destacado prestador de serviços para as finanças católicas”, garantiu Freyberg, em comunicado emitido pelo banco.

Na quarta-feira, o Vaticano vai anunciar a composição da nova direção do IOR e alguns pormenores da segunda fase de reformas da instituição. Alguns ‘media’ indicaram que o substituto de Ernst von Freyberg poderá ser o empresário francês Jean-Baptise de Franssu. O Financial Times diz que é o nome mais provável e, de acordo com fontes próximas ao Papa, o que melhor vai ao encontro da intenção de melhorar a reputação do Vaticano no que diz respeito à disciplina financeira

Prevenção do branqueamento e financiamento do terrorismo

Os resultados do IOR são divulgados desde que, em maio último, a Autoridade de Informação Financeira (AIF) do Vaticano comunicou que a instituição foi submetida a uma “primeira inspeção”, nos primeiros meses do corrente ano. A AIF sublinhou que o objetivo desta inspeção era “verificar a aplicação das medidas tomadas para prevenir e combater o branqueamento de dinheiro e o financiamento do terrorismo”, de acordo com informação difundida na altura pelo Vaticano.

A inspeção decorreu após terem sido aprovados pelo Vaticano, em outubro, dispositivos legais para tornar transparente a atividade do IOR e impedir atividades financeiras ilegais.

Em agosto, o Papa Francisco deu início ao processo através de um “motu próprio” (lei papal), no qual criou uma comissão de supervisão financeira para a Santa Sé e Estado do Vaticano, no âmbito da reforma da economia e finanças vaticanas, muito questionadas, sobretudo devido ao papel do IOR.