O Governo previa que a redução do défice este ano assentasse em medidas permanentes de redução de despesa, mas afinal foi o crescimento da economia que corrigiu o défice nos primeiros sete meses do ano, dando mais receitas com impostos ao Estado, diz a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que considera mesmo que até o mínimo do ajustamento estrutural que Portugal tem de cumprir pode estar em risco.
Numa análise à execução orçamental dos primeiros seis meses do ano, a que o Observador teve acesso, os técnicos independentes relembram que ainda no final de abril – no Documento de Estratégia Orçamental – o Governo previa aplicar medidas permanentes de 2,1% do PIB para conseguir atingir o défice de 4%.
Destes 3.558 milhões de euros de medidas, 2.778 milhões de euros diziam respeito a medidas de redução de despesa. Ou seja, das medidas permanentes, 81% deviam ser medidas de corte na despesa.
A estratégia orçamental estava aparentemente desenhada para assentar sobretudo na redução de despesa, mas segundo a UTAO, não foi isso que aconteceu nos primeiros sete meses do ano, e na maioria desse tempo o Governo ainda tinha em aplicação os cortes salariais agravados dos funcionários públicos – entre 2,5% e 12% a partir dos 675 euros – que o Tribunal Constitucional viria a chumbar em maio.
“Todavia, a execução orçamental até julho de 2014 revela que para a melhoria do saldo orçamental tem contribuído sobretudo o desempenho favorável das receitas fiscais e contributivas e das prestações de desemprego, i.e., efeitos decorrentes de um cenário macroeconómico mais favorável”, escrevem os técnicos.
A UTAO sublinha que a melhoria face ao período homólogo aconteceu principalmente da receita fiscal e contributiva, que cresceu acima do previsto, mas no lado da despesa encontrou alguns desvios e não são só nas despesas com pessoal devido à decisão do Tribunal Constitucional.
“Uma parte ainda substancial do desvio verificado decorre das dificuldades de controlo da execução orçamental ao nível das rubricas da despesa acima referidas”, como é o caso das despesas com a aquisição de bens e serviços.
O resultado final, dizem os técnicos independentes que trabalham junto dos deputados da comissão parlamentar de orçamento e finanças, será uma consolidação com menor qualidade e o esforço de consolidação estrutural será mais baixo.
Por isso mesmo, a ministra das Finanças disse esta quinta-feira durante a apresentação do retificativo que a redução do défice estrutural seria mais baixo, e no orçamento retificativo diz-se que será de apenas 0,5% do PIB – o mínimo exigido pelas regras europeias.
No entanto, a UTAO tem dúvidas que até este resultado seja alcançado e diz que a meta pode estar em causa, o que levaria Portugal a falhar a meta de redução do défice estrutural imposta pelo Tratado Orçamental logo no primeiro ano de aplicação (durante o programa da troika, que terminou este ano, a aplicação a Portugal estava suspensa).
“Dado que a consolidação orçamental atingida nos primeiros sete assenta sobretudo no melhor desempenho da receita fiscal e contributiva, a qual compensa a menor consolidação da despesa, o objetivo para o ajustamento orçamental estrutural (de 0,5 p.p.) poderá estar em risco”, escrevem os técnicos na análise enviada esta noite aos deputados, a que o Observador teve acesso.