Cada um dos quatro dias que passaram parecia não terminar. Inundados de informações sobre meninas que escolhem trocar a família por Alá e juntar-se à Jihad, os pais de Assia, uma adolescente de 15 anos encontrada na noite de sábado em Marselha, no sul de França, pensaram que a desgraça lhes tinha batido à porta. Esqueceram tudo quando a encontraram a trabalhar clandestinamente num café. Abraçaram-na, levaram-na para casa. Respiraram de alívio. Mas as autoridades não. O procurador decidiu interrogar a jovem que desaparecera e deixara um perfil de Facebook suspeito. Assia pode ser uma entre as dezenas de meninas que, este ano, foram aliciadas via redes sociais para se juntarem à luta do Estado Islâmico (EI). E há mesmo quem o tenha feito.

“Decidimos ir a Marselha, procurámo-la o dia inteiro. Quando a encontrámos ela atirou-se aos nossos braços. Estamos tão felizes. Abraçámo-nos, rimos, chorámos. Estamos muito felizes por ela não ter partido para o estrangeiro”, disse a mãe de Assia a uma televisão francesa.

O ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, avançou recentemente com números. Há 930 pessoas, entre franceses e estrangeiros residentes em França, envolvidos com a Jihad no Iraque e na Síria. “350 encontram-se em França, dos quais 60 são mulheres. Do total, 230 já expressaram vontade de partir, 180 partiram de facto para a Síria ou para o Iraque. E 170 estão em trânsito e preparam-se para se juntar à luta do EI. Há ainda registo de 36 que já perderam a vida.

O governante disse, também, que já foram evitadas 70 partidas nos últimos meses. Isto graças a uma plataforma de sinalização que foi criada em abril pelo governo francês para evitar que os franceses integrem as fileiras dos terroristas do EI. Cazaneuve sublinhou que, desde que está operacional, a plataforma sinalizou 350 casos, dos quais 150 mulheres e 80 menores.

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O número de histórias de adolescentes que fogem de casa para se juntar à Jihad tem levado as autoridades francesas a tomar precauções extremas. Foi o que aconteceu com Assia, encontrada em Marselha depois de ter usado o cartão de crédito que furtou aos pais. Estava a trabalhar clandestinamente num café, mas os pais tinham descoberto – depois de desaparecer de casa – um falso perfil no Facebook onde apareciam mensagens suspeitas. Ainda temeram o pior. As autoridades emitiram uma ordem de proibição de saída do país, para as autoridades estarem atentas e lhe barrarem a saída. A Interpol foi informada. E, mesmo depois de ter sido encontrada, o magistrado do Ministério Público fez questão de a colocar numa casa de acolhimento temporário. Quer fazer-lhe perguntas e certificar-se que não tem ligações ao grupo terrorista.

assia

As fotos de Assia, 15 anos, distribuidas pelas autoridades na altura do desaparecimento

Foi uma ordem idêntica à que foi dada a Léa – a jovem que, tal como o Observador noticiou esta semana, acabou por contar como foi aliciada pela Jihad. A história foi publicada no Nouvel Observateur, que transcreveu as suas declarações meses depois de andar em contactos com a Jihad.

Léa já tinha tentado fugir duas vezes de França. Na primeira vez foi apanhada já na Bélgica, na segunda no aeroporto de Lyon, onde se preparava para apanhar um voo para a Turquia – a porta de entrada para a Síria. Agora está a ser acompanhada num centro e monitorizada pelas autoridades, que temem pela sua vida.

A mãe de uma outra jovem, de 17 anos, contou à France TV como passa os seus dias numa verdadeira angústia. No último ano conseguiu travar a filha de partir, mas no próximo ano ela será maior de idade e poderá tomar escolher outro caminho. Segundo o testemunho desta mãe, a filha deixou de maquilhar-se e de falar com os amigos. Isolou-se. Pela internet conheceu o namorado, um egípcio, e recebeu vários vídeos de propaganda.

“Parece esquizofrénico. Por um lado é a minha filha, a que eu conheço e que criei. Por outro, é a filha que quer partir para a Jihad”, testemunhou a mãe, que entrega ao Ministério Público francês todos os documentos e informações que recolhe da filha. Quer denunciar os terroristas.

Além destes casos, as autoridades francesas já conseguiram evitar a partida de jovens adolescentes de várias cidades: como de Argenteuil, Quimper, Toulouse, Tarbes ou Vénissieux. No caso de Argenteuil, a rapariga de 15 anos deixou mesmo um recado a dizer que não voltaria. Queria viver a religião sem limitações, justificou.

Mas nem todos os casos são travados pelas autoridades e têm um final feliz. Pelo menos para a família que fica em França. A France TV acompanhou um homem que viajou para a Síria para procurar a irmã de 15 anos. “Não posso deixá-la. Não posso imaginar que ela seja ferida”. Freud, o nome do homem, mostra imagens da irmã no Facebook, com o rosto coberto por um niqab. “Como ela foi manipulada”, desabafa. Mais uma adolescente cujos amigos e família estavam longe de pensar que quisesse abraçar a causa jihadista.

“Não te esqueças do sítio onde estou. É impossível regressar”, respondeu-lhe a irmã numa das mensagens.

Na última vez que a contactou, ela disse-lhe que estava prometida para casar. Freud viajou de avião. Depois de carro. Queria entrar na Síria e encontrá-la. Freud foi impedido de entrar, mas acabou a ser contactado por um homem. Este disse-lhe que a irmã estava naquele país de “livre vontade”. “Lembras-te dos jovens de Toulouse? Eles quiseram regressar e eu deixei. Se a tua irmã quiser também pode”. Mais tarde foi a irmã quem lhe ligou.

“Eu estou feliz aqui. Não se preocupem, estou numa zona de segurança”.

O que leva estas jovens a partir?

Um artigo de opinião publicado, sexta-feira, no The Guardian diz que quando as jovens querem integrar a Jihad é porque existe um “problema sério” na sociedade.

“A angústia da adolescência pode causar muitos comportamentos infelizes, mas quando estudantes adolescentes dizem aos pais que querem juntar-se à guerra no Iraque e na Síria, a sociedade tem um problema sério”, diz a jornalista Nabila Ramdani.

Têm sido vários os jornais franceses a contactar especialistas para tentar entender o fenómeno que está a alertar a França. Amor, ingenuidade, falta de auto-estima são algumas das explicações encontradas.

Para o sociólogo Tarik Yildiz, “o primeiro fator é a procura de uma autoridade, qualquer coisa transcendente”. “Algumas jovens têm a ideia quase romântica da guerra e dos combatentes. Existe mesmo um fascínio com a decapitação. É uma aventura”, diz, por seu turno, Karim Pakzad, do Instituto Francês de Relações Internacionais e Estratégicas. Esta tese não reúne, no entanto, consenso.

Shaista Gohir, da Rede de Mulheres Muçulmanas, prefere a tese da ingenuidade. “Algumas raparigas são muito jovens e ingénuas, elas não compreendem o conflito nem a religião. Elas são facilmente manipuláveis. Algumas levam os filhos, outras vão porque pensam que vão participar em ajudas humanitárias”.

Ao The Guardian, a professora especialista em Segurança, Mia Bloom, vai mais longe. A autora do livro “Mulheres e Terrorismo” (tradução livre) refere que a campanha de recrutamento quase pinta uma imagem da “Disney”. As jovens são aliciadas com contrapartidas financeiras e até lhes pagam as viagens. As mulheres já a viver na Síria, por seu turno, usam as redes sociais para atrair mais mulheres para a sua “irmandade no califado”.

Mas depois a realidade é muito diferente. O diretor do instituto alemão que faz investigação sobre terrorismo, Rolf Tophoven, diz que, depois de lá estarem, estas mulheres são “violadas, abusadas, vendidas para trabalhos escravos ou obrigadas a casar”. “O EI é um movimento islamita brutal. O poder, a estrutura de liderança, é claramente do domínio masculino”.