Filhos (ou filhas) obrigados a casar devem ser retirados aos pais, recomenda o parecer emitido pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) sobre os projetos de lei do PS, PSD e BE para os casos de perseguição, casamento forçado e assédio. No documento, há vários avisos e recomendações relativos a possíveis leituras dúbias.
A possibilidade de separar filhos dos pais não aparece em nenhum dos projetos de lei, nota o Ministério Público – uma medida que faz parte da Convenção de Istambul e que inspirou os projetos de lei.
“Uma omissão comum a todos os projetos é a ausência da possibilidade de aplicação da pena acessória de inibição do exercício do poder paternal ou de tutela ao crime de casamento forçado. Uma vez que a generalidade destes casos ocorre no interior da família e atinge jovens de tenra idade deverá, em nosso entender, estar prevista esta possibilidade suplementar”, lê-se no parecer.
A proposta de lei do PSD/CDS-PP para os casos de casamentos forçados sugere uma pena de prisão até cinco anos e a do PS propõe uma pena de três a dez anos. Porém, a medida proposta pelo PS é considerada excessiva pelo Ministério Público. “Sem esquecer ou branquear a gravidade destas condutas, a verdade é que uma pena de três a dez anos parece ser excessiva, maxime quando comparada com outros ilícitos que também afrontam a liberdade pessoal”, lê-se no documento. O Bloco de Esquerda não se pronunciou sobre este ponto.
Ainda assim, o CSMP deixa o aviso que é preciso tutelar casos com circunstâncias agravantes. “O facto de a criança ter sido constrangida pelo pai, a idade da vítima, a comparticipação de várias pessoas (…), são exemplos paradigmáticos da necessidade de prever molduras penais agravadas, suscetíveis de refletir a gravidade da conduta submetida a juízo”, lê-se no parecer. O Ministério Público argumenta que não se compreende a “inexistência ou omissão destas agravantes do crime de casamento forçado”, quando o “legislador teve o salutar cuidado de agravar as condutas relativas” ao crime de perseguição.
E a formulação da proposta de lei carece de clarificação e pode levar a confusões, lê-se no documento, a propósito “constranger”, em vez da expressão mais utilizada pela lei internacional que é “forçar”: “Exigir uma constrição absoluta parece ser demasiado restritivo, esquecendo muitas situações que também merecem tutela penal, mas proibir qualquer influência externa também poderá ser ir longe de mais, abarcando situações em que o consentimento da vítima, embora não completamente livre e esclarecido, acaba por ter relevo decisivo:a vítima foi influenciada, mas acabou por decidir livremente”.
De acordo com o relatório mundial de 2014 do Fundo para a População das Nações Unidas – documento que foi apresentado na passada terça-feira na Assembleia da República -, por dia casam 39,000 raparigas com menos de 18 anos.
Os projetos de lei do BE, PSD e PS têm em comum a necessidade de adequar o direito penal interno às normas da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de Maio de 2011 – que entrou em vigor em Portugal no passado dia 1 de agosto.