Perdas avultadas acumuladas, impossibilidade de recuperar o investimento realizado e efeito de bola de neve de financiamento de prejuízos, situação económica financeira insustentável a caminho da falência técnica, excesso de pessoal e cultura despesista, gestão pouco profissional e com excessivo peso de membros da família Espírito Santo.

Este diagnóstico sobre a área não financeira do GES, que seria atual na véspera do colapso do grupo, já tinha sido feito anos antes da queda num plano de reestruturação da Espírito Santo Resources, antecessora da Rioforte, elaborado por Fernando Martorell e Henrique Granadeiro, à data administradores da holding do GES e aprovado no conselho superior em 2006.

Em declarações ao Observador, Henrique Granadeiro confirma que participou no plano e que estava prevista a sua indicação para presidente executivo da Espírito Santo Resources (ES Resources) com a missão de reestruturar a área não financeira do grupo. Mas, entretanto, foi nomeado para a presidência executiva da Portugal Telecom, substituindo nestas funções Miguel Horta e Costa, na mesma altura em que foi lançada a oferta pública de aquisição (OPA) da Sonae.

O gestor deixou de acompanhar a execução do plano da ES Resources, mas sublinha que algumas das medidas previstas foram feitas, como a venda da Portugália, embora reconheça que outras não terão sido. Granadeiro assinala que a sua passagem pela administração de uma empresa do GES durou poucos meses. A administração executiva ficou nas mãos de Fernando Martorell que tinha sido contratado em 2005 fora da família para profissionalizar a gestão, tendo substituído Manuel Fernando Espírito Santo que continuou como não executivo.

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O plano foi apresentado aos membros da família numa reunião do conselho superior de 21 de abril de 2006, que deu luz verde para a sua concretização, revelam as atas deste órgão enviadas à comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo. Nessa reunião estiveram Ricardo Salgado, António Ricciardi, José Castella, Mário Mosqueira do Amaral, José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo. Estes dois membros da família, que foram administradores do grupo e do BES, são ouvidos esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito.

O documento mostra que os problemas financeiros, económicos e de gestão do negócio financeiro eram anteriores à crise financeira de 2008, o que difere do argumento essencial da tese defendida pelo ex-presidente executivo do BES, Ricardo Salgado, na comissão de inquérito que liga em particular o BES às dificuldades vividas nesse período. “A partir do início do novo século, e sobretudo a partir de 2007-2008, reconheço, como já o fiz publicamente, problemas de organização, de financiamento, de perfis de gestão e de controlo de um Grupo essencialmente concentrado na área financeira”, disse na sua intervenção inicial.

Salgado: plano deveria ser atacado com determinação

Em 2006, o então presidente do BES mostrou-se de acordo na generalidade com o plano de reestruturação, defendendo que devia “ser atacado com determinação”. Salgado sublinhou que se deveria ter cuidado para não prejudicar o previsto aumento de capital do banco e foi contra a venda de uma fazenda no Brasil por considerar que teria “um enorme potencial imobiliário”.

O comandante António Ricciardi, presidente do conselho superior, foi mais sensível ao dramatismo dos números, defendendo ser importante travar a “hemorragia” da ES Resources. Alertou, contudo, para os riscos de vendas apressadas e sugeriu que as medidas de redução de recursos humanos deviam ser implementadas com o “maior cuidado no sentido de não manchar a imagem do GES e de se procurar evitar o eventual aparecimento público de juízos negativos sobre a situação financeira do GES.”

O plano para a ES Resources identificava um passivo de 2,3 mil milhões de euros e prejuízos acumulados superiores mil milhões de euros até 2005. Entre os negócios considerados nestas contas, estão a Espírito Santo Viagens, Hotéis Tivoli, a Espart, fundos imobiliários, as herdades da Comporta e Reguengo, a Espírito Santo Agropecuária (em que se incluíam projetos na América Latina), as termas de Monfortinho, Águas do Vimeiro, a Portugália, Espírito Santo Saúde, Escom, entre outros.

O documento aponta para “elevados prejuízos acumulados e endividamento crescente, atingindo níveis que tornam os encargos financeiros incomportáveis”, Apesar do valor dos ativos, nas contas do BESI ser superior ao passivo, com a exceção da transportadora aérea Portugália, esta diferença iria desaparecer rapidamente “pela necessidade de financiar sistematicamente os prejuízos”.

Conclusão: “Impossibilidade de recuperar o investimento realizado e efeito ‘bola de neve’ de financiamento de prejuízos em estado avançado – entrada em falência técnica se a situação não se alterar radicalmente”.

O plano alertava ainda para um nível de custos desproporcionado, “excesso de pessoal e cultura despesista” na holding e nas empresas e para uma “gestão pouco profissionalizada com peso excessivo de elementos ligados à família dos acionistas.

É, aliás, nas áreas da gestão e do controlo que o diagnóstico interno é mais devastador: governação de topo sem regras claras e formais quanto ao papel de cada órgão e sem definição de poderes, falta de coordenação das empresas por parte da holding, grande complexidade societária – 193 empresas – o que dificulta o controlo dos negócios, problema de controlo de gestão, com orçamentos por vezes pouco fiáveis, atrasados e não debatidos nem aprovados na holding, e métodos de gestão ultrapassados.

Conclusão: “Autonomia excessiva dos negócios conduziu a uma gestão mal orientada, desresponsabilizada, sem sentido de grupo, nem sempre competente e claramente ineficaz na criação de valor para os acionistas”. Há por isso uma “necessidade urgente de reestruturar a Espírito Santo Resources para travar o efeito ‘bola de neve’.

O plano, a implementar até meados de 2007, previa a concentração nos negócios centrais do turismo, imobiliário e Escom e a venda dos restantes, onde se inclui a Portugália, as Águas do Vimeiro e as termas de Monfortinho, negócios que foram alienados. A prevista abertura de 49% do capital Espírito Santo Saúde só se concretizou este ano, o edifício em Miami e negócios agropecuários no Brasil, que estavam na lista de vendas, ainda apareciam no balanço da Rioforte em 2013.

Portugália era um “mau negócio” para o GES antes da venda à TAP

A Portugália, que foi vendida à TAP em 2006, estava à venda desde, pelo menos, 2003, de acordo com informação das atas do conselho superior. Na apresentação do plano da ES Resources logo no final de 2005, a companhia aérea do GES, os projetos agrícolas da América do Sul e Monfortinho/Vimeiro, são descritos “como maus negócios” para o grupo, tendo Fernando Martorell proposto a retoma das negociações para a venda da PGA (Portugália) à TAP, o que veio a concretizar-se.

No menu de medidas de reestruturação, estavam também a redução drástica dos custos com pessoal, recurso a outsourcing, renegociação e centralização de fornecimentos e diminuição rápida do número de empresas. A escolha de gestores “exclusivamente com base nas suas qualificações”, um limite apertado ao mais alto nível da admissão de mais colaboradores, a introdução de incentivos por resultados e um maior controlo dos resultados da gestão, eram iniciativas preconizadas.

Para além dos problemas da área não financeira do GES serem anteriores à crise de 2008, também uma auditoria da PricewaterhouseCoopers (PwC) alertou já em 2001 para o elevado risco da exposição do BES ao grupo. “Há um risco enorme na concessão e extensão de créditos inapropriados” celebrados entre o Banco Espírito Santo (BES) e o Grupo Espírito Santo (GES), refere o relatório divulgado pela RTP na sexta-feira.

Há 13 anos, a PwC já alertava para problemas graves que afetavam o banco e a holding Espírito Santo Resources, que representava “o maior risco de exposição efetiva do grupo BES”. Na época, afirmava que a exposição do banco atingia “800 milhões de euros, a 31 de dezembro de 2000″.