A incerteza em torno do futuro da Grécia, seja internamente ou na comunidade que partilha a moeda única, a possibilidade de o Banco Central Europeu avançar para um programa abrangente de compra de ativos, injetando ainda mais dinheiro na economia, e de o banco central dos Estados Unidos fazer o contrário, aumentando as taxas de juro: todos estes fatores podem estar a arrastar o euro para o que já chegou a ser, durante esta segunda-feira, como o mais baixo nível em quase nove anos.
No verão de 2008, dois meses antes da falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, era possível trocar dez euros por quase 16 dólares. Desde que começou a ser utilizada, em janeiro de 1999, a moeda única nunca valeu tanto face ao dólar.
Os velhos tempos do euro forte
A 22 de abril de 2008, 10 euros compravam 15,99 dólares. Fonte: Bloomberg.
Desde 2008 que a situação tem vindo a mudar e é agora bem diferente. Com o arrastar da crise na zona euro assiste-se também a uma forte desvalorização da moeda única, que durante a noite de domingo caiu a pique para mínimos de 2006.
A fugaz recuperação que se fez sentir entretanto já desapareceu quase por completo e com 10 euros, hoje, não se conseguem comprar 12 dólares.
Moeda única europeia tem vindo a afundar-se
Às 22:00 de domingo, o euro atingiu o seu valor mínimo dos últimos quase nove anos. Cada 10 euros, já compravam apenas 11,86 dólares. Fonte: Bloomberg.
No entanto, se a desvalorização do euro traz problemas a uns, também traz vantagens a outros. Os efeitos negativos são contrapostos, não exatamente na mesma medida, por algumas vantagens, dependendo da estrutura das economias e do modelo de negócio de algumas empresas.
Quem ganha
As empresas que tenham os preços de venda dos seus produtos e serviços em dólares mas que estejam na zona euro, onde os seus custos são pagos em euros. As receitas em dólares de preços que estão fixados são convertidas em mais euros, o que dá uma receita acrescida à empresa. Algumas empresas usam a desvalorização para baixarem os preços e tentarem vender mais produtos para fora, tornando-se mais competitivas.
As empresas que exportam produtos domésticos em euros também podem vir a ganhar com esta desvalorização, uma vez que aos olhos dos investidores internacionais passam a ter um brilhozinho especial: com os mesmos dólares estes investidores conseguem comprar mais produtos ou serviços, ou mais baratos que em outras empresas que tenham os seus preços fixados em dólares.
Neste lote de empresas, das que podem ganhar mais com a desvalorização, estão, por exemplo, empresas portuguesas como a Altri, a Portucel e a Semapa, como identificava uma nota de análise do BESI. Estas empresas exportam boa parte da sua produção em dólares. As construtoras com mais atividades fora, como é o caso da Teixeira Duarte, Mota-Engil e da Soares da Costa.
As empresas da zona euro que tiverem operações fora do espaço comunitário também podem ganhar, se tiverem as receitas em moedas mais valiosas, neste caso o dólar.
Os países da zona euro também se tornam destinos mais apetecíveis para os turistas extra-comunitários, que tendo o dólar como a sua principal moeda, podem ver nestes países destinos mais atrativos ou aproveitar as suas férias de forma mais folgada.
Segundo o Eurostat, os EUA até são para onde a União Europeia mais exporta. A balança comercial com os Estados Unidos até é positiva para a Europa (exporta mais do que importa).
O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, tem alertado inclusivamente para os obstáculos que um euro forte colocam à inflação, que muitas medidas o BCE tem tomado para tentar ressuscitar. Um euro mais fraco pode, neste sentido, dar um incentivo à retoma na zona euro, tal como a queda nos preços do petróleo.
Quem perde
O reverso da medalha também é verdade. O ganho de uns é mesmo a perda de outros. Grande parte das importações da zona euro também vêm dos Estados Unidos ou são de produtos em dólares.
As estatísticas do Comissão Europeia e do Eurostat mostram que os Estados Unidos são o terceiro país de onde a União Europeia mais importa bens e serviços. E não são apenas os Estados Unidos a usar o dólar.
Outro dos pontos contra é a utilização do dólar como referencial nos mercados. Muitos dos produtos comprados nos mercados de matérias-primas, por exemplo, são vendidos em dólares. Este é o caso do petróleo. Os contratos para compra e venda de petróleo são feitos em dólares, o que faz com que neste caso fiquem mais caros para os países e empresas que usam o euro.
O caso do petróleo até acaba por não ser o mais preocupante, uma vez que os preços têm caído significativamente nos mercados internacionais.
Para além do dólar
Mas há outras empresas portuguesas que podem estar com sentimentos contraditórios. Casos da Jerónimo Martins e da Portugal Telecom. Uma boa parte das receitas da Jerónimo Martins são provenientes das suas unidades na Polónia, mas a moeda polaca até tem vindo a cair face ao euro, em especial no último mês, o que pode ser resultado das dificuldades da Rússia, que continua a ter uma grande influência nos destinos económicos da região e cujos problemas se tendem a arrastar para as antigas repúblicas soviéticas, que rodeiam a Polónia.
Jerónimo Martins sofre com a queda do euro
Um euro já compra quase 4,30 zlotys, o que não beneficia a Jerónimo Martins. Fonte: Bloomberg.
No caso da Portugal Telecom, são as operações no Brasil que muito afetam a empresa e a moeda brasileira tem seguido um caminho muito próximo do que se verifica com a moeda polaca, mas com um crescimento mais sustentado nos últimos meses.