Ao penalizar o crime de difamação a lei portuguesa restringe a liberdade de expressão e de imprensa na medida em que tende a gerar aquilo a que se chama de “efeito de arrefecimento”, uma espécie de autocensura sobre os meios de comunicação. É pelo menos esta a opinião do Instituto Internacional de Imprensa, que esteve na Assembleia da República para alertar os deputados para os “problemas” da criminalização da difamação. Uma matéria que, de resto, está no centro da discussão europeia desde o atentado à sede do jornal satírico francês Charlie Hebdo.

“A Constituição portuguesa prevê a liberdade de expressão, mas achamos que as leis criminais e civis que são postas em prática em Portugal, nomeadamente as leis da difamação, são problemáticas no sentido em que limitam essa mesma liberdade de circulação de informação”, defendeu a diretora executiva do IPI, Bárbara Trionfi, durante a audição parlamentar organizada por iniciativa do próprio instituto que decorreu na quarta-feira no Parlamento. É que para o IPI, a lei portuguesa relativa a esta matéria não está em conformidade com as normas europeias e internacionais, nem com os princípios veiculados pela Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas.

Há uma discrepância na lei portuguesa em relação à jurisprudência que prevê o Tribunal dos Direitos Humanos, e é precisamente para essa discrepância que queríamos chamar a vossa atenção”, disse.

Segundo o Intituto, que antes de estar no Parlamento tinha organizado um colóquio sobre liberdade de imprensa em Portugal, em causa está o facto de os jornalistas verem a sua liberdade limitada por poderem sofrer uma pena até 16 meses de prisão pelo crime de difamação. É o que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos chama de “chilling effect” (ou efeito de arrefecimento), por promover uma certa autocensura nos meios de comunicação social, “impedindo-os de exercerem o seu dever de escrutínio”, como defendeu Bárbara Trionfi perante os deputados.

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Sublinhando várias vezes que Portugal “não está sozinho na Europa” no que diz respeito às leis sobre difamação, Bárbara Trionfi deixou claro aos deputados da Comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais que “as Nações Unidas têm sido muito claras na defesa de que a prisão nunca é uma sentença adequada para o crime de difamação”.

Para o IPI, há sobretudo dois aspetos previstos na lei portuguesa que são “razão de maior preocupação”:

  • o facto de a sentença ser maior nos casos em que o difamador é uma entidade, personalidade ou organismo público (seja figura pública ou órgão de comunicação), e menor quando é um cidadão comum;
  • o facto de não haver limite para as multas por difamação, o que representa um peso maior sobre os meios de comunicação, promovendo o tal chilling effect.

E, nessa lógica, deixou um apelo ao Parlamento português para “abolir as leis da difamação do Código Penal e rever as cláusulas do Código Civil sobre o mesmo assunto”.

Uma visão que, apesar de bem recebida, não foi aceite pelos deputados. Do CDS ao PS, todos foram unânimes em afirmar que, apesar de a lei portuguesa prever o crime de difamação e de este ter um agravamento no caso de ser aplicado pela comunicação social, a lei atual já inclui cláusulas “suficientes” para assegurar os direitos e garantias da liberdade de expressão, como defenderam os deputado Pedro Delgado Alves (PS), Teresa Anjinho (CDS) e Carlos Abreu Amorim (PSD). O que é preciso, dizem, é a lei permitir uma margem de ponderação para que o juiz possa decidir tendo também em conta outros direitos fundamentais como o “direito ao bom nome e à honra”.

Segundo o deputado socialista, se o alegado difamador demonstrar que está a prosseguir interesses legítimos, se tiver provas dos factos a que se refere ou se provar que tinha fundamento para acreditar neles, nesses casos não é punido pelo crime de difamação. “Com isto já temos uma zona de garantia e proteção suficientemente ampla para não prejudicar a liberdade de imprensa”, afirmou.

“O direito à honra e ao bom nome também têm de ter proteção na lei, via penal e cívica, pelo que estas cláusulas parecem ser a melhor forma de concretizar este equilíbrio, dando margem de manobra ao decisor”, afirmou Delgado Alves, sublinhando que a eliminação do crime de difamação pode “desacautelar” outros interesses fundamentais.

O mesmo sublinhou a deputada centrista Teresa Anjinho, para quem a liberdade de imprensa “não pode ser um direito absoluto” no quadro legal. Perante os contributos e apelos do Instituto Internacional de Imprensa, no entanto, todos os deputados foram unânimes em considerar que o legislador tem de estar “sempre alerta” para os eventuais casos de abusos do uso da lei.