No Banco de Portugal, tudo está preparado para vender – e vender já – o Novo Banco. Nas últimas semanas, com o aproximar do dia D, intensificaram-se os rumores de que seria possível (ou desejável, consoante as fontes de informação) adiar a venda do banco que resultou da resolução do BES. Mas não é esse o cenário que está em cima da mesa do governador. Desde logo, garantem duas fontes conhecedoras do processo, porque as propostas em cima da mesa não são tidas como proibitivas.
Mas há outros motivos a pressionar o banco central para vender – e vender rápido. O primeiro dos quais mostra-se… nas contas do próprio banco. A confirmação de que o Novo Banco (NB) vai precisar de um aumento de capital – a SIC falava esta semana de mil milhões de euros – é mais um argumento a pressionar o calendário do supervisor. Porque nem o estatuto de banco de resolução (ou seja, de transição) iliba o NB de fazer esse reforço assim que isso for determinado pelo Banco Central Europeu. Isso deve acontecer já no outono, tendo em conta que a Autoridade Bancária Europeia já está no terreno a recolher dados. No final do dia, esta questão terá de se juntar à avaliação sobre a qualidade das várias propostas.
Mas sobre este ponto, faz-se ainda uma pergunta no Banco de Portugal: quem paga esse reforço de capital se a venda for adiada – os contribuintes ou os bancos que são, hoje, acionistas do próprio Novo Banco, através do Fundo de Resolução? Seria mais uma parcela na fatura já pesada dos 4.900 milhões de euros que foram injetados no capital do banco que renasceu do Banco Espírito Santo.
Nenhuma das duas hipóteses é tida como possível nesta fase, segundo as fontes consultadas pelo Observador. O que nos leva ao segundo motivo a pressionar a venda rápida, o político: daqui a dois meses há eleições e nenhum partido, seja qual for que vai governar, quererá começar o seu mandato com este peso em cima. Mais até: do ponto de vista político, o Governo tem notório interesse em fazer já a venda, para mostrar em campanha que foi possível segurar o sistema financeiro e encontrar novo dono para o banco em apenas um ano. Marques Guedes, ministro da Presidência, foi até claro na conferência de imprensa do último Conselho de Ministros: admitindo que a decisão fosse adiada para meio deste mês, o ministro acrescentou que “será apesar de tudo uma boa notícia” – e que “o processo não se arrastará demasiado”.
A questão que se coloca agora é, mesmo assim, se a venda, apesar de necessária, não acabará por ser um mau negócio. O Observador sabe que os interessados receberam indicações para puxar pela oferta, maximizar o seu valor, ainda que isso implique propostas finais com várias condições. E os ‘ses’ tanto podem puxar o preço final para baixo, se as consequências negativas se materializarem, como para cima, se os fatores de valorização da oferta se concretizarem. Mas nos dias que se seguem à entrega de propostas finais – o prazo termina às 17h00 desta quinta-feira – é crucial poder anunciar um negócio que permita salvar a face. Do Governo e do Banco de Portugal. Tanto melhor se salvaguardar a fatura dos outros bancos – CGD incluída.
“Não há três hipóteses, há quatro”
Segundo apurou o Observador, o próprio presidente do Novo Banco deixou uma indicação de conforto a Carlos Costa, logo no início do processo de alienação. Sabendo que o valor de mercado do banco não é alto, Stock da Cunha terá mostrado disponibilidade para preparar um plano de reestruturação – e uma estratégia – mesmo no cenário de o Banco de Portugal decidir não vender a instituição a qualquer um dos três candidatos que se apresentaram. “Não há três hipóteses, há quatro”, disse uma fonte conhecedora do processo.
Nos restantes bancos, a questão é colocada ao contrário: temendo que o preço final seja baixo, há banqueiros que admitem a hipótese de se adiar o momento em que a conta lhes cai na caixa de correio: é que o desvio entre o preço e o valor da resolução terá de ser pago precisamente por eles, em condições que o Banco de Portugal ainda não clarificou, para inquietude dos banqueiros e até do Fundo Monetário Internacional, que alerta para o problema no segundo avaliação pós-programa, conhecida esta quinta-feira.
Qualquer preço que proporcione um encaixe inferior a 3.900 milhões de euros ao Fundo de Resolução será problemático, na medida em que este é o montante que terá de ser reembolsado ao Estado, no quadro do empréstimo concedido para a recapitalização do Novo Banco. Neste cenário, o fundo teria de recorrer aos seus subscritores, os bancos, que através de empréstimo ou contribuições extraordinárias, teriam de assegurar a diferença para o valor a pagar aos contribuintes. A banca seria ainda chamada a assumir uma perda de mil milhões de euros, uma vez que a injeção no capital do Novo Banco ascendeu a 4.900 milhões de euros.
A janela da resolução dá mais um ano ao Novo Banco e o prazo poderá ainda ser prorrogado no limite até cinco anos, embora esta seja uma situação excecional que terá de ser autorizada pelas autoridades europeias, e que poderá ser difícil de compatibilizar caso se materializem novas necessidades de capital. Por outro lado, coloca-se outra questão. Quem garante que adiar vai permitir um negócio melhor?
Mais tempo equivale a negócio melhor?
O processo de venda tem sido conduzido sem qualquer informação oficial sobre os valores que estão em cima da mesa. Chegou, contudo, a informação a alguns jornais de que a seguradora chinesa Anbang estaria disposta a oferecer 3,2 mil milhões de euros “à cabeça” mais o compromisso a injetar mil milhões de euros em “capital fresco” no banco, quando for quantificada a necessidade de reforçar a solvência do banco.
No mercado, porém, este valor parece demasiado otimista. “3,2+1? A esse preço seria vendido já”, diz ao Observador um analista do setor que prefere não ser identificado. Apesar de ser um valor inferior aos 4,9 mil milhões injetados pelo Fundo de Resolução e, também, inferior aos 3,9 mil milhões emprestados pelo Estado, seria um “bom negócio” para quem vende, tendo em conta as incertezas que existem sobre a qualidade dos ativos do Novo Banco, dos riscos em alguns créditos de grande dimensão e os riscos de litigância.
“É claro que é sempre preferível adiar a venda do que fazer uma má venda, mas o problema é que ninguém pode garantir que daqui a seis meses ou um ano as condições seriam melhores”, diz o especialista, assinalando que ninguém pode garantir que no futuro seja maior ou pior a perceção de estabilidade no setor financeiro português.
O especialista sublinha: apesar de “ser natural que se ache, sempre, que se consegue vender mais caro se se vender mais tarde, não acredito que isso aconteça”. Porquê? Porque seria uma admissão de fraqueza por parte de quem organizou a operação, podendo até embaratecer o ativo (o Novo Banco), e porque “esta questão tornar-se-ia o prato principal da campanha eleitoral” até outubro, diz ainda o analista.
Valor “à cabeça” e cláusulas futuras
O que parece garantido é que as propostas procurarão cumprir um mínimo “à cabeça”, com os candidatos a pejarem o contrato final de cláusulas que possam prever, para momentos futuros, pagamentos complementares em função de vários fatores. O encaixe com uma futura dispersão em bolsa do Novo Banco, permitiria aos concorrentes prometer um “prémio” ao vendedor, como fez aliás o consórcio que venceu a privatização da TAP, a qual prevê uma partilha dos ganhos futuros com o vendedor se a operação de dispersão de capital acontecer.
Segundo o Dinheiro Vivo, a Apollo, o fundo norte-americano que é um dos concorrentes ao Novo Banco, quer reestruturar a instituição e, a médio prazo, dispersar parte do capital na bolsa. Aí, a proposta irá prever uma cláusula sob a qual o Fundo de Resolução poderá receber uma parte do encaixe com essa venda de ações a investidores na bolsa. Cláusulas deste tipo deverão constar das propostas finais a entregar esta sexta-feira.
Estas ofertas melhoradas, são no entanto, condicionais, e serão um dos fatores que estão a tornar as três propostas dificilmente comparáveis, aos olhos do Banco de Portugal e do BNP Paribas, o assessor financeiro que está a gerir a operação. Os interessados estarão, também, a tentar melhorar as ofertas através do reforço dos montantes que dizem estar dispostos a investir na instituição nos próximos anos.
Mas se é possível prometer ganhos futuros, os concorrentes estarão especialmente alertas em relação a prejuízos ou custos futuros. O risco da instituição que resultar do Novo Banco vir a ser responsabilizada, através da via judicial, por encargos do BES, é o mais óbvio e já suscitou avisos do auditor. Mas há outros. Por exemplo, ninguém parece ainda saber dizer se o renovado e privado Novo Banco terá de assumir uma parte da fatura que a resolução do BES irá custar à banca e que poderá demorar anos a digerir.
O Banco de Portugal parece, de todo o modo, pronto a decidir: a Administração estará de volta de férias na próxima semana, precisamente para analisar as propostas e escolher o melhor entre os candidatos.