Os pormenores sobre o tiroteio que vitimou 14 pessoas em San Bernardino, na Califórnia, começam a surgir a cada dia que passa. E com eles cria-se a percepção de que este não foi um tiroteio igual a todos os outros que têm assolado os Estados Unidos.
Num país onde se registaram, este ano, em média, mais do que um tiroteio por dia (ocorreram 354 tiroteios que resultaram em 4 ou mais feridos ou mortos num ano que vai com 337 dias) todos acabam por ter, na generalidade, padrões comuns e semelhanças que permitem identificar com maior facilidade as suas causas e as motivações dos autores. Mas o de San Bernardino apresenta características que fogem àquilo que já é habitual no país.
O casal Syed Farook, de 28 anos, e Tashfeen Malik, de 27, deixaram o filho de seis meses em casa e entraram num festa de Natal da administração local, armados, e dispararam até matar 14 pessoas e ferir 17, tendo sido ambos abatidos pela polícia depois de horas de perseguição. Só este pequeno resumo do ataque perpetuado pelo casal traz ao de cima várias características que o diferenciam dos outros.
O que salta logo à vista nesta situação é o número de atacantes. Isto porque um relatório do FBI demonstrou que, dos 160 tiroteios (as autoridades classificam como tiroteios situações onde a polícia tem que intervir num “tiroteio em processo”) registados entre 2000 e 2013, apenas dois tinham mais do que um atacante. E no caso desta quarta-feira o ataque foi protagonizado por duas pessoas, fugindo claramente a esta estatística.
Se é raro mais do que uma pessoa pegar em armas para matar, uma mulher estar envolvida ainda é mais raro. O mesmo relatório especifica que dos 160 casos apenas 6 envolveram mulheres. E a organização sem fins lucrativos, que se centra na legislação sobre compra e venda de armas nos EUA, utilizou o trabalho do FBI e relatos da comunicação social para dizer que em 133 tiroteios em massa (neste caso o critério é o dos que deixaram 4 ou mais feridos ou mortos) apenas 7 envolveram uma atacante do sexo feminino. E ao examinar estes sete casos, chegou-se à conclusão que apenas um ocorreu num espaço público, enquanto os outros seis estavam relacionados com violência doméstica.
Há mais neste incidente de San Bernardino que foge ao comum: os criminosos tinham uma relação amorosa. Esta situação pode não surpreender pela raridade de múltiplos autores que protagonizam este tipo de crimes. Por isso, um casal protagonizar um massacre é ainda mais incomum.
O FBI também lançou alguns números sobre os autores que conseguiram, tal como Farook e Malik, fugir do local do crime antes de a polícia chegar: dos 160 atentados expostos no documento, em 29 os atacantes escaparam. Ou seja, em 18% dos casos. E em 76 o atirador foi detido, controlado por civis ou morto. Mas em 45 destas ocorrências, onde a polícia e os atacantes trocaram fogo, 4 acabaram com o autor morto numa localização diferente da do crime – no caso de San Bernardino, as autoridades e o casal protagonizaram uma violenta troca tiros onde, e como diz a CNN, o par disparou, calcula-se, um total de 76 tiros enquanto a polícia disparou 380 vezes.
Para além disto, os restantes 64 incidentes terminaram com o autor a acabar com a sua própria vida (10 fora do local e 54 ainda na zona do ataque).
Qualquer ataque tem que ter o seu nível de preparação. Mas uns são mais espontâneos que outros. E neste caso em concreto, e à medida que os pormenores são tornados públicos, é possível perceber que este massacre teve uma preparação muito mais rigorosa do que a maioria. Para além de os suspeitos carregarem várias armas, entre as quais duas pistolas semiautomáticas, vestiam também roupa militar incluindo coletes à prova de bala.
Mas, mais do que isso, e algo que é completamente fora do comum, foi a polícia ter encontrado um autêntico arsenal na residência do casal que englobava bombas. Apesar de as autoridades desconhecerem o destino que estas bombas iriam ter, uma porta-voz do gabinete de Tabaco, Armas e Explosivos americano, Meredith Davis, recorda que, citada pela BBC, “no atentado na maratona de Boston, foram lançados explosivos quando [os suspeitos] começaram a ser perseguidos pela polícia”.
Por tudo isto, as autoridades norte americanas começam a olhar para esta investigação de maneira diferente das outras. O FBI começa até a encarar este tiroteio como um ataque terrorista. Um professor de direito da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Adam Winkler, explica também, em declarações à revista Time, que “o tiroteio de San Bernardino é muito incomum. Este casal, com um trabalho bem pago e com um bebé de seis meses de idade, tinha aparentemente muito por viver, o que não é habitual vermos em tiroteios em massa”.