Em matéria de futebol e de desporto automóvel, este foi um fim-de-semana para esquecer. A Selecção Nacional não conseguiu bater a Áustria, repetindo a exibição pouco consistente que já tinha revelado no primeiro jogo do Europeu, defronte da Islândia, adversários que estão longe de poderem ser considerados grandes potências da bola. Se no sábado o futebol abalou o orgulho nacional, os pilotos portugueses presentes na mítica corrida das 24 Horas de Le Mans acabaram-nos com o ânimo que nos restava.

A prova francesa, que este ano cumpriu a sua 84.ª edição, assumindo-se como a competição automobilística mais reputada do mundo, com mais história e a maior legião de adeptos, dividiu os 60 concorrentes à partida – com três ou quatro pilotos por carro – em quatro categorias distintas, respectivamente LMP1, LMP2, GTE Pro e GTE Am. Na realidade houve uma quinta, reservada a veículos inovadores, que este ano contou apenas com uma equipa, um trio de pilotos que correu num LMP2 muito especial, adaptado para ser conduzido por Frédéric Sausset, um quadri-amputado com paixão pela competição.

Quem participa para ganhar inscreve-se em LMP1 (Le Mans Prototype classe 1), e aqui não houve pilotos nacionais. Dos nove modelos presentes, apenas seis podiam aspirar à vitória, respectivamente os dois Audi e outros tantos Porsche e Toyota. Todos são híbridos e com uma potência que deverá rondar os 1000 cv, mas havia dois a gasolina (Porsche e Toyota) e um a gasóleo (Audi).

Os LMP2 são menos potentes e muito mais acessíveis – para reduzir os custos, todos montam o mesmo motor. É aqui que militam dois dos melhores valores nacionais, nomeadamente Filipe Albuquerque – piloto Audi que já representou a marca em LMP1 – e João Barbosa, cuja carreira o leva a competir nos protótipos nos EUA, onde é considerado dos mais respeitados. Com aspecto similar aos LMP1, mas apenas com motores de combustão e 600 cv, os LMP2 este ano andaram muito mais rápidos, fruto dos 150 cv a mais face às épocas anteriores. Ainda assim, as diferenças para os LMP1 foram gritantes, pois se estes fixaram a melhor volta em 3 minutos, 21 segundos e 445 milésimos (3.21.445 para os melhores da Audi, Toyota e Porsche), o carro mais veloz de LMP2 não conseguiu baixar de 3.36.563

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Depois dos protótipos, vêm os carros de Grande Turismo, vulgarmente denominados superdesportivos, modelos como os Ferrari 458 – ou o 488 que se estreou este ano –, Audi R8, Porsche 911 e o novo Ford GT40. Denominados GTE, estão subdivididos em duas classes, o GTE Pro, reservado aos pilotos mais rápidos e profissionais, e os GTE Am, em que tem de existir uma mistura de pilotos com mais experiência e outros com menos, apelidados de amadores ou “gentleman drivers”. Foi nesta categoria que participaram Pedro Lamy e Rui Águas, o primeiro em Aston Marin e o segundo num Ferrari 458.

A selecção nacional nas 24 Horas de Le Mans, dividida pelo LMP2 e pelos GTE Am, tinha claras ambições à vitória nas respectivas categorias, um pouco à semelhança do que se esperava de Portugal contra a Áustria. Mas entre a teoria e a prática vai um mundo e, tal como na bola, as expectativas dos torcedores portugueses saíram defraudadas. Nuns treinos complicados pela chuva, a grelha de partida ficou algo baralhada e o azar para os ases nacionais do volante começou logo aí. Não em relação a Lamy e Águas, que até se classificaram bem para a largada, chamando a si o 2.º e 5.º lugares da classe, a que corresponde o 48.º e o 51.º da geral. O problema foi que o carro de Albuquerque, piloto rapidíssimo e já com grande experiência nas provas de resistência, não foi além de 13.º entre os LMP2 (22.º da geral), enquanto a equipa de Barbosa, sendo ele um mestre em provas deste tipo, conquistou apenas a 23.ª posição da categoria na grelha (33.º da geral).

Como numa corrida longa como as 24 Horas de Le Mans, a posição à largada é tudo menos determinante, ainda havia esperança de obter uma vitória em França. Mas de uma forma ou outra, a realidade foi madrasta. Primeiro foi o LMP2 da equipa onde militou Albuquerque que teve problemas mecânicos, o que obrigou a reparações que o retiveram nas boxes durante várias voltas, mal que afectou igualmente a equipa de Barbosa. E, de repente, os nossos representantes na segunda categoria mais rápida da prova gaulesa passavam a ocupar lugares bem no fundo da tabela classificativa. Muito a custo, o carro com o número 43 partilhado por Filipe Albuquerque ascendeu à 19.ª posição da categoria (46.º da geral), decorridas seis horas de prova, para depois ser 16.º ao fim de 12 horas e, finalmente, 10.º no final (16.º da geral). Pelo seu lado, João Barbosa, no LMP2 com o número 40, seria 16.º após um quarto de corrida (28.º da geral), subindo a pulso até à 13.ª posição final e 23.º entre todos os concorrentes.

Na classificação reservada aos GTE Am, com o Aston Martin número 98, Lamy era o melhor piloto português ao fim de seis horas (2.º da classe e 37.º da geral), mas uma sucessão de despistes, entre outros problemas, fizeram-no perder tempo e, por fim, abandonar a corrida a cerca de três horas do fim. Melhor sorte teve Rui Águas no Ferrari 458 da AF Corse, que começou por ser 8.º da categoria, decorridas seis horas, subindo para 4.º a metade da prova e, por fim, à 3.ª posição, onde terminaria, com um lugar no pódio e como salvador da honra nacional. Para o ano há mais, numa prova que em a velocidade por volta, a resistência da mecânica e ausência de erros andam de mãos dadas.

4 fotos

Na frente tudo ao rubro

Enquanto os portugueses enfrentavam, nas respectivas categorias as dificuldades que tornam as 24 Horas de Le Mans únicas, lá na frente a guerra entre Audi, Porsche e Toyota esteve ao rubro. Rapidamente se percebeu que este não seria o ano da Audi, pois com a nova regulamentação o híbrido a diesel não estava à altura dos seus adversários que associavam um motor térmico a gasolina à unidade eléctrica. Depois de ser mais rápida nos treinos, a Porsche partiu na frente, mas a Toyota lentamente provou ser mais veloz nas séries de voltas consecutivas. Ao fim de seis horas os japoneses, que há anos tentam vencer a corrida – só a Mazda, em 1995, conseguiu uma vitória para a indústria do país do Sol Nascente –, já estavam na frente, com carro n.º 6 (Sarrazin, Conway e Kobayashi), seguido do Porsche n.º 1 (Bernhard/Webber e Hartley), Toyota n.º 5 (Davidson/ Buemi e Nakajima) e o Porsche n.º 2 (Dumas/ Jani e Lieb). Para trás ficavam os Audi n.º 8 (Di Grassi/ Duval e Jarvis) e, sobretudo, o n.º 7 (Fässler/Lotterer e Tréluyer), este último mais atrasado por um problema no turbocompressor.

A metade da corrida um dos Porsche já tinha desaparecido da luta pela vitória, o nº 1, que passava a ser um feudo do dois Toyota, que detinham a 1ª e a 3ª posições, e do Porsche nº 2, que seguia em 2.º da geral. O melhor Audi já tinha perdido duas voltas (ou seja, quase sete minutos). A cinco horas do final e já na manhã de domingo, a Toyota tinha dois carros na liderança, à frente do Porsche, mas com os três separados por apenas 26 segundos, que fazia prever um final impróprio para cardíacos. Com 22 horas de corrida, o carro nipónico com o n.º 5 comandava, com 28 segundos sobre o Porsche, numa fase em que o segundo carro japonês perdia cerca de três voltas devido a problemas mecânicos. E até ao fim da prova a situação manteve-se, com o Toyota à frente do Porsche. Bem, até ao fim não. Até à 382.ª volta das 384 percorridas durante a corrida, uma vez que na penúltima volta, aos 13,6 km do circuito de La Sarthe, o Toyota n.º 5 começou a perder rendimento e chegou mesmo a parar na recta da meta, enquanto o Porsche, com um incrédulo Neel Jani ao volante, caminhava para a vitória. Como para se classificar na corrida e manter a 2.ª posição o Toyota teria de estar a andar e cortar a linha de chegada na última volta, na altura com Nakajima aos comandos, o piloto japonês arrastou-se pelo circuito, com o objectivo de cumprir, em menos de seis minutos, uma volta que em condições normais tardaria três minutos e 21 segundos. Não conseguiu e, como mandam os regulamentos, foi desclassificado. Isto permitiu à Audi ascender ao 3.º lugar do pódio, ela que venceu 13 das 17 edições da prova disputadas desde o ano 2000. A vitória foi pois para o Porsche 919 com o nº 2, com o 2.º lugar do Toyota n.º 5 a saber a derrota para a marca japonesa.

Recorde a última volta:

https://www.youtube.com/watch?v=dy1BtPEEjEQ