Quem viu futebol na década de noventa não lhe estranhará o apelido: Daei. Ali Daei. Era um ponta-de-lança matulão, duro de rins — mas com “faro” de golo –, iraniano, que chegou a jogar (entre outros clubes da Bundesliga: Bielefeld, Hertha…) no Bayern de Munique. Hoje, com 48 anos e ostentando na barriga umas gordurinhas a mais, é treinador no Irão, no Naft de Teerão. Ninguém como Ali Daei conseguiu fazer tantos golos pela respetiva seleção nacional. Ninguém. Ao todo, em 149 jogos fez 109 golos. Não, nem Pelé (provavelmente o melhor futebolista de todos os tempos; não é por acaso que o apelidaram de “Rei”) o conseguiu. O brasileiro ficou-se (é certo que tendo feito menos jogos: 92) pelos 77 golos.

Outros houve que “molharam a sopa” mais vezes do que Pelé: Puskas (84 golos), Kamamoto (80), Chitalu (79) e Saeed (78). Ronaldo também. Depois do hat-trick desta quinta-feira à noite às Ilhas Faroé, igualou-o primeiro e ulrapassou-o depois. E certamente (quem sabe ainda durante a qualificação para o Mundial; ainda faltam três jogos, entre eles a decisiva receção à Suíça na Luz) vai ultrapassar outro dos “maiores” da história do futebol: Puskas. Talvez nunca alcance Ali Daei. Não importa; é maior do que o maior [Pelé].

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E cedo Ronaldo começou a fazer o gosto ao pé no Bessa. Castigado em Espanha, via-se na postura do capitão que estava sedento de celebrar. E celebrou. Logo aos três minutos. Cédric Soares e Bernardo Silvam entenderam-se às mil maravilhas na direita, o canhoto isola-se e cruza para o poste contrário. Lá, Ronaldo, num remate à meia volta, de primeira e todo no ar, faz um golaço que Daei (sim, era realmente duro de rins o iraniano) não conseguiria fazer – o guarda-redes Nielsen nem a viu. Ronaldo passava a ser o maior goleador (entre seleções da Europa) da qualificação para o Mundial com 27 golos, ultrapassando o já retirado Shevchenko.

Esperar-se-ia uma “sacada” de golos no estádio do Bessa. Ela chegaria, sim. Mas tardou. Porquê? É contá-los: Naes, Baldvinsson, Gregersen, Faero, Davidsen, Sorensen, Joensen, Jakobsen e Vatnhamar. Nove. As Ilhas Faroé tinham nove (!) jogadores o tempo todo atrás da linha da bola – sempre bem encostadinhos à entrada da grande área. Só o ponta-de-lança Joan Edmundsson (passou mais tempo com José Fonte e Pepe do que com os que como ele vestiam de branco) avançava uns quantos passos mais no relvado. Portugal circulava a bola – a posse chegava quase aos 80% –, circulava, circulava, mas quase sempre a passo e sem pressa.

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Portugal-Ihas Faroé, 5-1

Estádio do Bessa, no Porto

Árbitro: Srdjan Jovanovic (Sérvia)

Portugal: Rui Patrício; Cédric, José Fonte, Pepe e Eliseu; William Carvalho, João Mário (Ricardo Quaresma, 59′), João Moutinho (André Gomes, 72′) e Bernardo Silva; André Silva (Nélson Oliveira, 81′) e Cristiano Ronaldo

Suplentes não utilizados: Bruno Varela, Beto, Ricardo Pereira, Fábio Coentrão, Danilo Pereira, Bruno Fernandes, Gelson Martins e Bruma

Treinador: Fernando Santos

Ilhas Faroé: Gunnar Nielsen; Jonas Naes, Rogvi Baldvinsson, Atli Gregersen, Odmar Faero e Viljormur Davidsen; Gilli Sorensen, René Joensen (Karl Lokin, 80′), Róaldur Jakobsen e Solvi Vatnhamar (Kaj Bartalsstovu, 65′); Joan Edmundsson (Patrik Johannesen, 73′)

Suplentes não utilizados: Simun Hansen, Teitur Gestsson, Hordur Askham, Ari Jonsson, Eli Nielsen e Klaemint Olsen

Treinador: Lars Olsen

Golos: Ronaldo (3’), Ronaldo (29’), Rógvi Baldvinsson (38’), William (58′), Ronaldo (64′), Nélson Oliveira (84′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Cédric (14’)

Com os jogadores das Ilhas Faroé tão recolhidos à defesa – e na impossibilidade de a furar –, o melhor seria cruzar. E cruzaram os portugueses, aos 22’. André Silva saltou sozinho — nenhum dos três centrais das Ilhas Faroé o seguiu — respondeu de cabeça no primeiro poste ao cruzamento vindo de Eliseu à esquerda, mas errou a baliza e o golo por um palmo. Aos 25’, “outra vez arroz”. João Moutinho cruza desde a esquerda, Ronaldo salta ao primeiro poste, salta mais alto que um central das Ilhas Faroé, tenta colocar a bola no canto superior esquerdo da baliza de Nielsen, mas tanto tentou colocar… que a colocaria fora.

Não foi lá de cabeça, foi lá de penálti. Róaldur Jakobsen derruba (28’) João Mário na grande área. Chegou-se à frente Ronaldo para o bater, bola colocada para a esquerda, Nielsen escolheu a direita da baliza, e segundo golo de Ronaldo no jogo. Foi a 12.ª grande penalidade de Cristiano Ronaldo na Seleção: acertou sete, falhou cinco. Mais: foi o seu 14.º bis por Portugal. Atrás dele, Eusébio e Pauleta… com seis. À frente, ninguém.

A população das Ilhas Faroé é próxima da de… Sesimbra: 49 mil habitantes e muito mar em volta. Ainda assim, o selecionador Lars Olsen conseguiu descobrir 20 locais que joguem futebol e levou-os de avião até ao Porto. Mais: bastaram 11 deles para fazer um golinho ao campeão europeu. Foi aos 38’. À direita, num lançamento, o lateral Jónas Naes coloca a bola no primeiro poste – é meia-leca mas tem força para dar e vender –, Odmar Faero salta mais alto do que José Fonte, desvia de cabeça para trás e Rógvi Baldvinsson, à vontade e sem a marcação de Cédric, rematou de primeira para o golo das Ilhas Faroé. O intervalo chegaria sem mais o que contar quanto a golos.

E foi preciso esperar até aos 58’ para voltar a festejar um. Até então, William estava a fazer um jogo que certamente faria os interessados (Mónaco, West Ham…) na sua contratação guardar o cheque bem guardadinho. Só passes tinha errado duas mão-cheias deles. O melhor era ser assistido a ter que assistir. Canto curto de Moutinho à esquerda, a bola chega a Ronaldo dentro da área, o capitão cruza e William, entre os centrais mas sem marcação de qualquer dos três, cabeceou para o terceiro golo de Portugal no Bessa. Foi o 2.º golo de William Carvalho pela Seleção, ambos marcados nesta fase de qualificação (o outro foi à Letónia) e ambos de cabeça.

William lá atinaria com os passes. E devolveria a gentileza da assistência a Ronaldo. À entrada da área, aos 64’, entrega a bola ao capitão lá dentro – isto é o que há para contar da “assistência” de William –, Ronaldo estava de costas voltadas para a baliza, rodou, driblou (só com um golpe de anca) Jónas Naes, rematanto em seguida (com a serenidade de um monge tibetano) para o seu hat-trick e o quarto golo de Portugal. Era aquele o 78.º golo de Cristiano Ronaldo pela Seleção. O golo que o tornaria no 5.º maior goleador de seleções no Mundo, ultrapassando o maior dos futebolistas: Pelé.

André Silva não estaca a ter uma noite particularmente feliz – nem golos nem em coisa nenhuma. E saiu. Entraria o regressado (quase dois anos depois voltava a jogar pela Seleção) Nélson Oliveira. André havia tocado 41 (!) vezes na bola sem conseguir um golo que fosse. Nélson só precisou de a tocar uma vez. E “molhou a sopa”. Foi aos 84’. Cédric desmarcou Ronaldo dentro da área, mesmo a queimar a linha de fundo, Ronaldo cruza (ou remata?, lá com força bateria na bola…) para o poste contrário, ninguém de Portugal consegue desviar, a bola chega ao central Odmar Faero, ou melhor, chega à canela de Faero, ressalta na direção de Nélson Oliveira que, à boca da baliza, só tem que desviar para o quinto golo de Portugal. Quase dois anos depois, Nélson voltava a jogar pela Seleção. Foi o seu 2.º golo por Portugal: antes, marcara ao Panamá, em 2012.

Contas finais, 5-1. A qualificação não está garantida porque a Suíça também venceu (3-0) Andorra e continua a liderar o grupo de Portugal. Faltam três jogos, o próximo é já domingo na Hungria.