O vereador do Bloco de Esquerda (BE) na Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, está perante uma possível mais-valia superior a quatro milhões de euros, partilhada com a irmã, graças à venda de um prédio em Alfama que comprou à Segurança Social em meados de 2014. O bloquista defende que “não existe qualquer contradição” entre este possível negócio e as posições defendidas publicamente.

Robles tem na luta contra os despejos e a especulação imobiliária uma das suas principais mensagens políticas. Aliás, poucas horas antes de a notícia do Jornal Económico ser publicada, o dirigente bloquista dizia-se “do lado dos moradores” na luta contra o “bullying e a especulação imobiliária” — este era o seu comentário a um texto publicado no site Esquerda.net sobre um prédio em Lisboa, na zona de Marvila, que foi comprado por dois milhões de euros e três semanas depois foi posto à venda por sete milhões.

O vereador bloquista recusa, contudo, que o negócio que fez com a irmã (da compra à Segurança Social do prédio em Alfama) seja um caso de especulação imobiliária ou de desrespeito pelo direito à habitação. Em linha com os argumentos transmitidos ao Jornal Económico, o bloquista usou a mesma rede social, às primeiras horas desta sexta-feira, para se defender:

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A mais-valia que será feita quando o prédio for vendido, por “constrangimentos familiares”, é uma consequência da valorização exponencial dos preços do imobiliário em Lisboa. Uma valorização exponencial de que Robles irá tirar partido mas cujos fundamentos há muito critica — designadamente a procura no segmento do alojamento local, sobretudo por estrangeiros que procuram muito zonas como Alfama, onde Robles tem o prédio.

Numa entrevista à Rádio Renascença, publicada em julho de 2017, em plena campanha eleitoral, Ricardo Robles dizia: “Em Santa Maria Maior, a freguesia do centro histórico [onde se inclui Alfama], uma em cada cinco casas estão em regime de alojamento local e isto cria uma drenagem de disponibilidade de habitação absolutamente brutal para quem quer viver na cidade e faz subir o preço do arrendamento em flecha como temos assistido”.

[O que mudou? Veja no vídeo o antes e agora de Ricardo Robles]

Sobem os preços do arrendamento, lamentava o bloquista, e essa valorização anda de mãos dadas com o encarecimento dos preços na venda — porque muitos negócios de compra e venda são feitos na perspetiva de arrendar e daí retirar um rendimento. Na mesma entrevista à Renascença, Robles comentava: “Foram vendidos 100 imóveis [da Câmara] entre 2013 e 2015, no valor de 33 milhões de euros, e não há um que seja para renda acessível. A CML transformou-se numa agência imobiliária que contribui para a especulação na cidade mas que não dá nenhum contributo para resolver o problema da habitação.”

Durante a campanha para as autárquicas, entrevistado no Carpool do Observador, Ricardo Robles falava no “carrossel da especulação imobiliária” como um fator que estava a colocar em causa o direito das pessoas à habitação. Nessa mesma entrevista, o candidato do Bloco de Esquerda a Lisboa dizia: “Uma proposta que temos é refletir-se no Plano Diretor Municipal (PDM) a obrigatoriedade que, sempre que há construção nova ou uma grande intervenção de reabilitação, reservar 25% ou uma percentagem a definir de fogos a custos controlados. O promotor quando faz uma obra sabe que tem taxas municipais, sabe que tem cedências de espaço público e sabe que tem uma responsabilidade sobre a habitação em Lisboa”.

Já em março de 2018, altura em que já era vereador da câmara, o bloquista admitia que “o problema da habitação tem-se vindo a agravar em Lisboa”. Em entrevista ao Diário de Notícias, Robles afirmou: “Os preços continuam a aumentar brutalmente e isto está a criar uma crise social. Encontrar casa, seja para arrendar seja para compra, apesar de o crédito para a habitação estar mais acessível, continua a ser proibitivo”.

Esta é uma cidade cada vez mais para ricos e menos para lisboetas e para quem quer viver na cidade, para trabalhar, morar, estudar”, dizia Robles, em março de 2018.

Ao mesmo jornal, mas em 2017 (antes das autárquicas), Ricardo Robles dizia que a política de Fernando Medina na área da habitação era uma política que, “no essencial, tem falhado”. “Há uma visão especulativa: os terrenos, os prédios de Lisboa são para negócio, não são para habitação, não são para quem quer viver na cidade. E isso não é uma política de esquerda“.