É um apoio de última hora e de peso à luta dos magistrados do Ministério Público contra as alterações que PS e PSD querem fazer no Estatuto do Ministério Público. Nas vésperas do início de uma greve de três dias convocada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMPP) para protestar contra as propostas de alteração do PS e do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de anunciar publicamente que transmitiu esta terça-feira à procuradora-geral da República, Lucília Gago, o seu apoio ao combate à corrupção como prioridade nacional e à autonomia do Ministério Público “em todas as circunstâncias”.

Em declarações à Agência Lusa, o Presidente da República afirmou que esta “terça-feira tive a oportunidade de manifestar à senhora procuradora-geral da República [Lucília Gago] um apoio incondicional e, mais do que isso, um incentivo, quanto ao combate à corrupção. E também lhe disse como via com apreço a crescente expressão desse combate visível nos últimos tempos por parte da atividade do Ministério Público, atividade essa visível ao longo dos últimos anos e que não tem parado de se manifestar”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República adiantou que, em conversa telefónica com Lucília Gago, reiterou o seu entendimento de que o combate à corrupção “é, de facto uma prioridade nacional” e defendeu que “é impossível separar essa prioridade institucional do respeito estrito da autonomia do Ministério Público”. “A Constituição consagra-o e importa em todas as circunstâncias ter presente o respeito da autonomia do Ministério Público, nomeadamente no seu estatuto legal. Incluindo o domínio do paralelismo que esse estatuto consagra já neste momento relativamente ao plano funcional, quer da magistratura, quer dos magistrados”, acrescentou.

Estas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa encaixam como ‘uma luva’ nas principais reivindicações do SMMP — que inicia amanhã uma greve de três dias contra as propostas que PS e do PSD apresentaram na Assembleia da República para alterarem o Estatuto do Ministério Público. E podem ser vistas como um pré-veto presidencial a uma eventual aprovação de alterações legislativas por parte de socialistas e de social-democratas.

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Os magistrados do MP alegam que as propostas dos socialistas e dos social-democratas colocam em causa em autonomia do MP. Em primeiro lugar, por terminarem com o paralelismo entre a magistratura judicial e do MP (proposta do PS) e por quererem alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), o órgão de gestão e disciplinar dos procuradores. Enquanto o PSD quer transformar a atual maioria de magistrados numa maioria de membros nomeados pelo poder político, o PS quer que os procuradores deixem de eleger diretamente a maioria dos seus membros.

Marcelo já tinha avisado em dezembro que podia vetar alterações ao Estatuto do MP

Não é a primeira vez que Marcelo Rebelo de Sousa toma uma posição pública sobre possíveis alterações ao Estatuto do MP. Em Dezembro de 2018, o Presidente da República já tinha feito questão de dizer que “a mera alteração da composição [do CSMP] não exige revisão constitucional, exige que eu promulgue. E ficou patente eu ter considerado inoportuna essa questão nesse momento“.

Jorge Lacão, deputado do PS responsável pelo acompanhamento da proposta de alteração socialista do Estatuto do MP, classificou as declarações do Presidente da República como “um veto por antecipação” a  “um diploma cujas alterações de todo desconhece.”

Presidente lança alerta a partidos sobre atraso na implementação de medidas anti-corrupção

Marcelo Rebelo de Sousa alertou ainda o poder político, em declarações à Agência Lusa, sobre a perceção do combate à corrupção em Portugal e disse esperar “empenho das várias forças político-partidárias” nesta matéria no período eleitoral.

Marcelo Rebelo de Sousa foi ouvido pela agência Lusa a propósito da intervenção que o antigo Presidente da República António Ramalho Eanes fez na segunda-feira, em que considerou que a corrupção é “uma epidemia que grassa pela sociedade”, e do relatório do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO), que coloca Portugal como um dos países com maior atraso na implementação de medidas anticorrupção.

“Não posso deixar de chamar a atenção para o relatório GRECO acabado de divulgar e que provém de uma organização independente relacionada com o Conselho da Europa, e que, de alguma maneira, ecoa a preocupação por muitas das recomendações formuladas tendo por destinatários órgãos do poder político português não terem sido, na visão dessa organização, devidamente seguidas ou adotadas na ordem jurídica interna”, declarou.

Segundo o chefe de Estado, esta “é uma matéria sensível e que deve merecer a preocupação dos destinatários, porque respeita ao domínio da prevenção e da resposta quanto à corrupção e, portanto, à perceção externa da corrupção na sociedade portuguesa”.

Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou, no entanto, que “em termos de indicadores de perceção internacional da corrupção, Portugal se encontra sensivelmente a meio da tabela dos países europeus, em 30.º lugar, num conjunto de mais de uma centena de países de todo o mundo, ficando vários importantes outros Estados europeus em posição mais desfavorável”.

Questionado se espera que este seja um tema em destaque na campanha para as eleições legislativas de 06 de outubro, o Presidente da República começou por referir que “ainda há iniciativas legais em apreciação neste domínio, várias”, na atual legislatura.

Depois, disse esperar que “também no período eleitoral que se irá seguir, este tema, que é um tema nacional prioritário, mereça o natural empenho das várias forças político-partidárias”.

Contudo, ressalvou que neste domínio o Presidente da República apenas “pode formular um apelo” e “respeita, naturalmente, aquele que é o livre espaço da atuação dos partidos e também, obviamente, do órgão que vai ser eleito, a Assembleia da República, que é um órgão decisivo em termos políticos e legislativos também no domínio em questão”.