O governo norte-americano do Presidente Jimmy Carter terá encoberto um teste nuclear feito por Israel em 1979, nas ilhas Príncipe Eduardo, no Oceano Índico. É essa a conclusão da investigação de fôlego da revista norte-americana de política internacional Foreign Policy, publicada esta segunda-feira, dia em que se assinalam os 40 anos do chamado “incidente Vela”.

Há muitos anos que os rumores apontavam para Israel como podendo estar por trás do caso, mas, com documentação ainda classificada como secreta, não havia provas concretas. O Politico chamou-lhe mesmo, em 2016, “o maior mistério ainda por resolver da era nuclear”. Agora, há novos dados: a Foreign Policy teve acesso a vários documentos públicos e fez diferentes entrevistas que apontam na direção de um encobrimento por parte da Casa Branca de Carter. Porque, caso contrário, Israel teria de ser sancionado por ter violado os tratados nucleares dos quais era signatário.

Tudo aconteceu a 22 de setembro de 1979, quando o satélite norte-americano Vela registou um sinal de luz conhecido como “flash duplo”, característico das explosões registadas em testes nucleares. O governo norte-americano foi de imediato informado e, tendo em conta a localização do flash, as suspeitas recaíram de imediato na África do Sul, pela proximidade geográfica, ou em Israel, aliada da África do Sul em termos militares. A entrada do Presidente Carter no seu diário diz isso mesmo: “Houve uma indicação de uma explosão nuclear na região da África do Sul — ou a África do Sul, ou Israel a usar um barco, ou nada”, escreveu.

O governo dos EUA acabaria por criar uma comissão para analisar o caso, composta por cientistas de renome. O chamado painel Ruina, que se reuniu três vezes, acabou por concluir que a luz tinha “muitas das características de sinais anteriormente observados como sendo explosões nucleares”, mas apontou também um “desvio significativo” que “lança dúvidas sobre a interpretação do evento como sendo nuclear”. Ou seja, o seu resultado foi inconclusivo.

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Aquilo que a Foreign Policy argumenta agora é que os dados disponíveis mostram que a Casa Branca tinha um grau de certeza bastante maior mas, para evitar um incidente diplomático, tentou desvalorizá-lo. “Se fosse possível argumentar que não havia um sinal [de luz] característico de uma bomba nuclear, então não teria havido nenhuma explosão nuclear e portanto não era preciso fazer nada”, escreve a revista. “Essa tornou-se a linha da administração.”

Para sustentar esta ideia, a revista norte-americana aponta uma série de documentos e entrevistas, entre eles um relatório da CIA de dezembro de 1979 em que o incidente é tratado como sendo uma explosão nuclear. Ali pode ler-se que “de todos os países que podem ter sido responsáveis pelo evento de 1979, Israel é provavelmente o único para quem uma atitude clandestina seria a única opção” — já que o país nega, até hoje, que tenha armas nucleares. O diretor da CIA à altura, Stansfield Turner, afirmou à Foreign Policy nunca ter acreditado no relatório da comissão Ruina e reforçou que dentro da agência de espionagem sempre foi entendido que Israel estaria por detrás do incidente.

Outra das provas apontadas foi uma notícia publicada pela CBS em fevereiro de 1980, em que o correspondente Dan Raviv afirmava ter tido conhecimento de que o incidente Vela foi mesmo um teste nuclear israelita. Na sequência dessa notícia, Raviv perdeu a sua acreditação no país, por ordem do ministério da Defesa israelita. Agora, 40 anos depois, o jornalista revelou a um dos autores do texto da Foreign Policy que confirmou a informação junto de uma segunda fonte, bastante credível: Eliyahu Speiser, deputado israelita entre 1977 e 1988 e próximo de Shimon Peres.

Na origem da decisão de Carter, argumenta o texto, estava o facto de Israel ser signatário do Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares de 1963. A comprovar-se que os israelitas tinham de facto levado a cabo aquele teste nuclear, o país teria de ser sancionado e os EUA teriam de cancelar a sua ajuda militar e financeira ao país. O facto de Carter ter sido um dos pais dos acordos de Camp Davis que permitiram a Israel e ao Egito que assinassem a paz, apenas oito meses antes, terá pesado na sua decisão.