Há no ar uma batalha entre os defensores dos veículos eléctricos e os outros, que contestam os efeitos nefastos dos motores a combustão, sejam eles a gasolina ou a gasóleo. É uma “guerra” sem tréguas e sem grande rigor ou base científica, onde o que conta não tem necessariamente de ser a defesa da verdade, mas sim encontrar argumentos que sustentem as preferências de cada um dos intervenientes.

Há poucos meses, os fãs dos combustíveis fósseis esgrimiram o argumento que os eléctricos emitiam mais CO2 do que os diesel na Alemanha. O que também pode ser verdade na Polónia e em mais um ou outro país europeu. Mas é uma redonda mentira em todos os restantes países da União Europeia (UE) e mesmo em relação à média da própria UE. A razão prende-se com o simples facto de esses dois países terem ainda grande parte da sua energia eléctrica produzida a partir da queima de carvão, situação que já está a ser reduzida (é por isso que se citam estudos com mais de três anos e não os mais recentes) e que será anulada à medida que os combustíveis fósseis são substituídos por fontes alternativas, o que a UE obriga a que aconteça nos próximos anos.

Desta vez, a celeuma gira em torno das emissões dos motores diesel, que alegadamente são 1000 vezes mais poluentes do que o limite previsto pelo legislador, de acordo com estudo realizado pela Federação Europeia dos Transportes e Ambiente, conhecida como Transport & Environment (T&E), de que a Zero em Portugal fez eco. Trata-se de outra “confusão”, mas desta vez a favorecer os que são contra os motores a combustão e, mais especificamente, a gasóleo. E a confusão começa logo pelo método utilizado pois, como afirma Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP, não se sabe sob que parâmetros e em que condições foi feito o estudo. Vamos, pois, analisar o que está correcto, menos correcto e errado neste trabalho da T&E.

Faz sentido o estudo e os resultados?

Esta indústria, como qualquer outra, rege-se por regras. Todos os veículos hoje homologados para circular na via pública têm de respeitar os limites em vigor, o que ninguém coloca em causa – nem mesmo a T&E – em relação aos modelos ensaiados, respectivamente o Nissan Qashqai e o Opel Astra. O que, aparentemente, o organismo ambiental fez foi solicitar uma medição durante o período de regeneração do filtro. Trata-se do momento em que este dispositivo, por estar demasiado cheio partículas (que na ausência de filtro, seriam lançadas para a atmosfera), procede à sua incineração, consumindo no processo uma parte significativa da massa. O que não impede que algumas partículas de dimensão inferior sejam depois libertadas.

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Estudo: “Poluição dos novos veículos a gasóleo atinge níveis mil vezes acima dos normais”

Ninguém contesta que os motores de combustão, sejam eles a gasolina ou a gasóleo, emitem muitos poluentes resultantes da queima dos combustíveis fósseis, sejam eles hidrocarbonetos, óxidos de azoto, enxofre e partículas. E até dióxido de carbono que, não sendo um poluente, tem efeitos nefastos nas condições climáticas, contribuindo para o efeito estufa. Da mesma forma que todos estão de acordo com a notável redução que têm registado todas estas emissões nos últimos anos. O que não implica que o teor de poluentes enviados para a atmosfera continue a ser muito superior ao desejável, o que é mais evidente nos centros das grandes cidades, onde a qualidade do ar que se respira deixa muito a desejar. Mas concentrar as medições exclusivamente no período da regeneração do filtro, que pode durar cerca de 5 minutos numa viagem de cinco horas, não será a abordagem mais correcta. Tal como não o seria se a análise se concentrasse somente na fase de arranque a frio, outro momento em que os motores de combustão são mais poluentes, apesar de tardar segundos.

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As partículas são só um problema dos diesel?

O estudo divulgado pela T&E parece ter-se concentrado exclusivamente nos motores a gasóleo, o que é tanto mais estranho quanto estes começam a estar em franca minoria, perdendo protagonismo para os seus concorrentes a gasolina, hoje bem mais populares. Porém, contanto que sejam sobrealimentados (agora, pois com o contínuo apertar das “malhas” antipoluição, em breve nem os atmosféricos escaparão), os motores a gasolina produzem igualmente partículas. Mais pequenas, menos visíveis a olho nu, mas não menos perigosas para a saúde.

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E, à semelhança do que acontece com os motores a gasóleo, também os gasolina têm necessidade de, volta e meia, regenerar os seus filtros de partículas, ainda que de forma ligeiramente distinta, dado a temperatura dos gases de escape deste tipo de motores atingir valores muito superiores (cerca de 200ºC).

Como funciona o filtro de partículas?

O filtro de partículas, como o seu nome indica, armazena as partículas que são emitidas pelo motor, tipo fuligem, tal como acontece com o filtro de um aspirador. Quando está cheio, o filtro começa a representar um obstáculo à passagem dos gases de escape, o que leva a gestão do motor a ordenar a regeneração do filtro. Se estivermos perante um veículo que faça uma utilização mista em cidade e estrada, assim que se apanhar a circular a uma velocidade razoável (bastam 80 km/h), a temperatura do escape sobe, o que é suficiente para queimar as impurezas, através do que se denomina a regeneração passiva.

O problema reside nos modelos que circulam sobretudo em cidade e com deslocações muito curtas. Nesse caso, é necessária a regeneração activa, que nem sempre é completada devido à reduzida extensão das viagens, o que obriga o motor a injectar mais combustível para elevar a temperatura do escape. Por vezes, isso acontece mais do que uma vez, por o processo estar continuamente a ser interrompido pelos períodos de paragem. Quando finalmente o motor consegue completar o processo, é fácil detectar um fumo diferente e com cheiro desagradável, visivelmente com partículas. Contudo, essa limpeza ocorre uma vez em cada 400 ou 600 km, dependendo do veículo e do tipo de condução.

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Há mais partículas, além das produzidas pelos motores?

Aqui reside um dos problemas de qualquer automóvel, inclusivamente os eléctricos, embora nestes últimos com menor expressão por, em média, se deslocarem a velocidades inferiores e terem travagem regenerativa. Referimo-nos às partículas emitidas pelos travões e pelos pneus, ambas muito finas, mas não menos perigosas para a saúde.

Os pneus desgastam-se enquanto rolam, deixando para trás uma poeira pouco visível, mas altamente poluente. Um estudo da Universidade de Pensilvânia provou que 89% das partículas presentes no ar próximo das auto-estradas mais movimentadas eram compostas por restos de pneus e pastilhas de travão. Os investigadores descobriram igualmente que esta poeira é depois arrastada pelo vento, depositando-se nos rios e lagos, acabando por ir parar ao mar. Estima a pesquisa que 30% dos microplásticos existentes nos oceanos tenham como origem os pneus dos veículos.

Os motores de combustão são mesmo mais poluentes?

Disso não há a mínima dúvida. Compara-se, muitas vezes, o ciclo de emissões de CO2 dos carros eléctricos e dos seus concorrentes com motor de combustão do “poço à roda”, ou seja, o ciclo total da produção à utilização. Em alguns casos, quando a energia eléctrica é produzida grandemente à custa do carvão, prática que está a ser abandonada em toda a Europa e que em breve fará parte do passado, um eléctrico não emite muito menos CO2 no ciclo completo.

Mas este aparente equilíbrio só é válido em relação ao CO2 e especificamente em alguns (muito poucos) países europeus, pois em relação aos verdadeiros poluentes, das partículas aos NOx, os motores que queimam combustíveis fósseis são piores e os responsáveis pela má qualidade do ar que se respira nas grandes cidades.

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O que deveria (e é necessário) ser feito?

Em Portugal, cujo parque circulante tem uma média de 13 anos e onde há mais de 3 milhões de veículos com mais de 10 anos (ou seja Euro IV ou pior) e sem filtro de partículas (passou a ser obrigatório apenas em 2009), há definitivamente uma série de automóveis demasiado poluentes para circular na via pública. E os diferentes governos nunca acharam importante exigir (e pagar por isso) que os centros de inspecção estivessem apetrechados com equipamento para não só confirmar a presença do filtro de partículas (nos veículos que o possuam), como para comprovar o seu bom funcionamento. É raro vermos associações ambientais bater-se pela resolução deste problema, que é tão simples quanto relativamente barato de sanar.

Se o cenário é dramático entre os veículos ligeiros, é-o ainda mais entre os comerciais e pesados. E isto inclui até os veículos de transportes públicos, aqueles que circulam muitas vezes 24 horas por dia pelos centros das grandes cidades, sejam eles autocarros ou táxis, continuamente a poluir acima dos limites das emissões. Se não por uma questão de idade, pelo menos devido ao mau estado de conservação. Uma campanha eficaz de abate, como a que existe noutros países, e uma forma mais eficiente de medir as emissões de partículas nos centros de inspecção resolveriam a maior parte do problema.