Mesmo na véspera do 25 de Abril, Marcelo vai promover uma verdadeira maratona de audições no Palácio de Belém, para ouvir o que têm a dizer os principais responsáveis pela comunicação social em Portugal. O tema não é novo na agenda do Presidente da República, que já muitos antes da pandemia tinha colocado a crise da comunicação social como um dos problemas que era preciso resolver. Mas o impacto que o surto de Covid-19 está a ter no setor, com quedas drásticas nas receitas de publicidade e alguns títulos a recorrer já ao lay-off, fez com que o assunto ganhasse contornos de urgência e Marcelo chamou todos a Belém: representantes dos trabalhadores, associações representativas do setor, reguladores e conselhos de administração dos orgãos de comunicação social portugueses, nacionais e regionais.

O calendário não é, obviamente, inocente para os objetivos do Presidente da República. Um dia antes de se comemorar a revolução dos cravos, Marcelo – que pelo menos desde 2017 alerta para o cenário “de cores escuras” que se vive no jornalismo português –  quer sublinhar o papel fundamental para a democracia de uma imprensa livre e financeiramente saudável, e dar visibilidade e palco a quem tem vindo a reivindicar medidas urgentes para um setor que já estava em crise antes da pandemia.

Marcelo pinta cenário do jornalismo com “cores escuras”, mas garante que “o jornalismo não vai morrer”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na semana em que começou a ouvir algumas das empresas do PSI-20 e promoveu outras audiências focadas no renascimento da economia, o Presidente da República quis também dar prioridade à recuperação dos media e tentar pressionar o Governo a ir mais além daquilo que, para já, está anunciado: a compra antecipada de publicidade institucional no valor de 15 milhões de euros.

Fonte oficial do Palácio de Belém confirma ao Observador que esta sexta-feira, entre as 14h e as 19h, e ao ritmo de uma por hora, Marcelo começa por receber a delegação da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, a entidade responsável pela acreditação dos jornalistas, e depois segue-se a delegação do Sindicato dos Jornalistas, liderada pela Presidente, Sofia Branco. Para as 16h está marcada a reunião com a Associação Portuguesa de Imprensa e a Associação de Imprensa de Inspiração Cristã, duas organizações que pediram já medidas urgentes para o setor. Às 17h, o Presidente recebe a Plataforma de Meios Privados, depois a Associação Portuguesa de Radiodifusão em conjunto com a Associação de Rádios de Inspiração Cristã e fecha o dia a ouvir a ERC, a Entidade Reguladora da Comunicação Social.

Nesta primeira fase não estão presentes representantes dos orgãos de comunicação social do Estado, que seguem na segunda leva, marcada para o início de maio onde começam a ser ouvidos os líderes dos grupos de media. Essa ronda de audiências começa com Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa (dona da SIC e do Expresso), depois Luís Cabral, da Media Capital (TVI, Rádio Comercial, entre outros títulos), Gonçalo Reis, presidente do Conselho de Administração da RTP, Américo Aguiar, presidente do Grupo Renascença e finalmente Nicolau Santos, Presidente do Conselho de Administração da Lusa.

Para além destes, nos planos da Presidência da República está ainda convocar os restantes CEOs de todos os principais orgãos de comunicação social, incluindo jornais digitais (como o Observador), jornais desportivos, e revistas.

Praticamente todas as organizações que o Presidente da República quer ouvir apresentaram já, em separado ou coletivamente, propostas ao Governo para fazer face à crise da comunicação social, fortemente agravada com a pandemia. Essas propostas, sabe o Observador, têm sido também analisadas ao detalhe no Palácio de Belém. Para já, a única garantia com que o Governo se compromete são os 15 milhões de euros em compra antecipada de publicidade que será distribuída em 75% pelos orgãos de comunicação social nacionais e 25% pelos orgãos regionais. Uma solução que na Presidência é vista como uma ajuda pontual, que acelera aquilo que já estava previsto pelo Governo, mas que não é suficiente para resolver um problema que já vinha de trás e que se agravou substancialmente nas últimas semanas.

Marcelo apela a “programa de emergência” para solucionar a crise na comunicação social

De resto, este é um tema em que Marcelo Rebelo de Sousa tem insistido nos últimos anos. Em 2017, nos prémios Gazetta, falou dos “jornalistas que foram despedidos, as tiragens que mirraram até valores inimagináveis, as rádios que conheceram limitações enormes na sua viabilidade quotidiana, e até as televisões que enfrentam desafios complexos”. Voltaria a pedir que se “levasse a sério” a crise na comunicação social e o efeito que podia ter na “qualidade da democracia”. Desde então, lançou alertas, chegando mesmo a pedir aos decisores políticos “um programa de emergência” porque “comunicação social em crise é democracia em crise”. E mais tarde, queixou-se de andar “há três anos quase a pregar no deserto” sobre a crise nos jornais.

Não é, por isso, de estranhar, que as críticas de Rui Rio à iniciativa do Governo de comprar antecipadamente publicidade institucional nos meios de comunicação social, tenham sido vistas em Belém como um erro. Através de uma publicação no Twitter, o presidente do PSD considerou injusto que o Governo dê 15 milhões às empresas de comunicação social “quando não o faz às outras”. Para a Presidência, sabe o Observador, a comparação não faz sentido, o setor da comunicação social é tido como “um pilar da democracia”, e se a situação ultrapassou os piores prognósticos que se faziam no início do ano, é mesmo urgente que se tomem medidas.

Rui Rio considera injusto que Governo dê 15 milhões de euros à comunicação social