Para-ministro, Para-Costa, António Costa II. Pouco mais de 48 horas depois de ter o seu nome a circular na comunicação social como o escolhido para preparar o Plano de Recuperação da Economia, António Costa e Silva já tinha uma série de alcunhas para a dose de funções que lhe pareciam ser atribuídas a início. Mas, por agora, o que se sabe é que a sua ação será de representante da sociedade civil — uma carta jogada de forma recorrente no meio político para planos de longo prazo, como este que se segue — na elaboração das bases do Plano que o Governo terá de entregar em Bruxelas para poder usar o envelope financeiro para a recuperação económica pós-Covid.

É uma espécie de lebre nesta corrida, já que o Programa em si, com as medidas, a negociação política necessária para as aprovar num Parlamento onde o partido do Governo tem uma maioria relativa, bem como o calendário de aplicação das mesmas, ficará nas mãos de Pedro Siza Vieira. Será o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital o responsável pela coordenação do plano que o Governo conta poder começar a executar entre o final deste ano e o início do próximo.

O próprio ministro confirmou ao Observador que a coordenação estará a seu cargo, à saída da audição esta terça-feira no Parlamento. E explicou ainda que se trata do plano de recuperação que os Estados-membros terão de entregar à Comissão Europeia (não se sabe até quando), no quadro do pacote de apoios à retoma da economia na UE.

Ou seja, será essencial a injeção aguardada de Bruxelas, que depende da unanimidade do Conselho Europeu que se reúne a 18 deste mês, mas que pode ainda não dar luz verde ao plano da Comissão. O que ficou definido é que o Fundo de Recuperação terá um valor global de 750 mil milhões de euros, para a Europa superar a crise provocada pela pandemia da Covid-19. Dois terços do montante do fundo, ou seja 500 mil milhões de euros, serão canalizados para os Estados-membros através de subsídios a fundo perdido, e os restantes 250 mil milhões na forma de empréstimos. No caso de Portugal, este plano deverá significar uma ajuda de cerca de 26 mil milhões de euros que só começarão a chegar no início do próximo ano, segundo a previsões do próprio primeiro-ministro.

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Portugal pode obter 15,5 mil milhões de euros a fundo perdido do Fundo de Recuperação da UE

É esta a “bazuca” que vai permitir pôr em marcha o tal Plano que começará agora em António Costa e Silva, mas acabará por ser conduzido pelo Governo e pelo ministro da maior confiança de António Costa que tem sob a sua tutela uma pasta fundamental para as prioridades políticas da União Europeia nessa fase de relançamento das economias: a digitalização da economia.

A aprovação da injeção europeia poderá acabar por cair já no período em que a Alemanha vai estar à frente da Presidência do Conselho da União Europeia, um semestre que começa em julho. A rotação seguinte trará esse posto a Portugal (a partir de janeiro de 2021), o que significa que será o país a dar a cara na altura em que choverem estas centenas de milhares de milhões sobre as economias europeias.

Se tudo correr como o previsto e sem sobressaltos pandémicos ou de outra natureza, o primeiro-ministro António Costa já terá em vigor em Portugal o Orçamento do Estado para 2021 que terá medidas do plano de recuperação para a economia e também já contará com esta decisiva linha de financiamento europeia.

No Parlamento, Siza Vieira explicou que o tempo deste plano avançar no terreno será o final do ano e o início do próximo e que até lá estará em execução o plano de estabilização económica e social que o Governo aprova esta quinta-feira em Conselho de Ministros. Já sobre o conteúdo do plano, o ministro referiu que será feita uma nova reflexão de matérias e planos que Portugal já tem apresentado, nomeadamente na área da energia, do clima, da economia verde, economia circular, reindustrialização e roteiro para a descarbonização e a transição digital.

A ideia é que a nova reflexão sobre estes instrumentos permita adaptá-los a uma aceleração de projetos e metas que a Europa pretende. O objetivo, acrescentou, é aproveitar os recursos da UE para acelerar um processo que exige grandes investimentos nas empresas, nas infraestruturas e nas cidades, estabelecendo um plano para os próximos dez anos. Será aqui que entra o trabalho de Costa Silva, mas “a decisão é sempre do Governo e de acordo com as orientações do Governo”, sublinhou no Parlamento já depois de, durante o fim de semana em que o semanário Expresso noticiou que Costa e Silva ia colaborar neste plano, os partidos terem contestado que a decisão pudesse sair da alçada política. Não será assim. E entretanto, as responsabilidades e competências do presidente da Partex serão formalizadas num despacho que será publicado nos próximos dias.

O trabalho preparatório de António Costa e Silva deverá ser entregue ao Governo na altura da apresentação do Orçamento Suplementar, ou seja, ainda no mês de junho, e vai reunir contributos vários da sociedade civil, já que presidente executivo da Partex também já participou em algumas das reuniões com economistas de vários quadrantes que António Costa tem ouvido em São Bento nas últimas semanas.

O plano em que vai colaborar será a base da fase 3 da pandemia. A primeira foi a da contenção do vírus, que contou com quatro períodos de 15 dias de estado de emergência, substituídos pela situação de calamidade a 3 de maio, e a segunda aquela que vai começar depois de aprovado o Orçamento Suplementar — o que o Governo pretende que aconteça num curto espaço de tempo — e cujo guião será o Programa de Estabilização Económica e Social que contará com medidas de emergência para apoiar pessoas e empresas.

O que se sabe sobre o plano do Governo para recuperar a economia?

O que Costa e Silva quer para o país nos próximos dez anos?

“Não é uma revolução na economia, é uma transformação”. A frase foi dita aos microfones da TSF na manhã desta terça-feira, onde o homem escolhido por António Costa para desenhar as bases do tal plano, deu mais pormenores daquilo que poderá constar do documento que entregará em breve ao Primeiro-Ministro.

Trata-se de estabelecer os “sete a oito vetores estratégicos” em que o país deve apostar para relançar a economia, reforçar aquilo que tem funcionado, repensar velhas práticas e adotar novos métodos. O plano “ambicioso” é delineado para os “próximos 10 anos”, como Costa e Silva explicou na RTP, e foi pensado para funcionar a dois tempos: “No curto prazo salvar a economia e proteger o emprego; a médio longo prazo, transformar a economia, torná-la mais sustentável do ponto de vista social, económico e ambiental, mais inclusiva, mais eficiente na gestão dos recursos, mais interconectada, mais digitalizada”, explicou na TSF.

Implica a modernização das infraestruturas, a qualificação da rede viária, uma intervenção profunda nas estruturas portuárias e de energia com o objetivo de “alavancar as exportações do país”. E não só. Mas, apesar de ambicioso, vai estar “limitado aos recursos financeiros” disponíveis e por isso é preciso “fazer o trabalho de casa” para “acolher bem os fundos que serão disponibilizados” por Bruxelas.

Depois de toda a polémica sobre o papel que terá no Governo e na relação com os partidos, Costa e Silva sublinha – em linha com aquilo que também diz o ministro Siza Vieira – que o que está a preparar é apenas uma recomendação. A escolha sobre o que avança e que fica por fazer será política. Até lá, tem estado a falar com os membros do Governo e com personalidades da sociedade civil, para consolidar aquilo que chama de “plano articulado” e “o mais transversal possível”. Ideias feitas ou propostas inovadoras? Eis o que já se sabe sobre o que está em cima da mesa:

Mais Estado?

Foi uma das declarações que marcaram os dias seguintes à primeira entrevista, na RTP. O gestor que veio das empresas e de uma petrolífera defendeu, para o futuro, “uma intervenção forte do Estado” e, ainda mais claramente, “mais Estado na economia”. Aquilo que parecia um claro posicionamento ideológico acabou por ser atenuado (ou mais bem explicado) na entrevista à TSF.

Costa e Silva não defende “uma visão estatista e coletivista da economia” porque “isso não funciona” e até é “um defensor dos mercados, pela forma como introduzem inovação, competição e criação de novas ideias”. Mas os “mercados auto-regulados não funcionam necessariamente para o bem publico”. Por isso, diz, o Estado que “é a última proteção contra as ameaças externas” tem de assumir um papel regulador e, “nesta fase em que as empresas estão descapitalizadas, tem de ser um interventor”, para evitar que a economia entre em “estado de coma” e as empresas que são competitivas desapareçam.

Empresas

A forma de fazer a capitalização das empresas é aliás um dos pontos onde o gestor se tem dedicado, até porque vê nesta crise uma oportunidade para se “criar um mercado de capitais significativo no país”. Para já, do seu ponto de vista, esse mercado não existe, o que faz com que “as empresas quando precisam de se financiar recorram sempre à dívida e estão sempre estranguladas”. Costa e Silva defende esse mercado de capitais, prevê que nessas condições cada vez mais empresas seriam cotadas, e teríamos “um sistema financeiro e económico muito mais saudável, porque baseado no sistema empresarial, na economia produtiva”.

Sobre as empresas, Costa Silva tem um discurso semelhante ao do Governo: reduzir a dependência do exterior nomeadamente de países como a China, favorecer a inovação e as mudanças no esquema de produção para tornar mais rentável a produção nacional. Na entrevista à RTP, defendeu a necessidade de se “reorganizarem as cadeias logísticas” para que se abram “novas fileiras para o futuro”. E na TSF tocou noutro ponto que considera fundamental, o combate à burocracia. Falando da criação de produtos inovadores, Costa e Silva desejou que “o país não ficasse parado, refém da burocracia” e que, por causa disso “os novos produtos não ficassem tolhidos à nascença”.

A aposta “emblemática” no SNS, mas não só

É uma aposta que diz ser “emblemática” e que, na verdade, está também alinhada com aquilo que é o discurso do Governo pré e pós-Covid. Costa e Silva já disse que um dos pilares do programa que está a desenhar é o investimento no Serviço Nacional de Saúde, que passa pela aquisição de equipamentos, mas também de recursos humanos, passa pela qualificação dos trabalhadores, e envolve ainda a preparação do SNS para uma resposta a futuras epidemias, para que o sistema não seja apanhado de surpresa.

Esta terça-feira, Costa e Silva foi mais longe neste capítulo e explicou que o plano que está a desenhar olha para além do SNS, e não se restringe apenas a ele. Inclui também toda a área das ciências da saúde, os centros de investigação e as empresas na área. A ideia é explorar o potencial de inovação e desenvolvimento, a partilha de conhecimento e aproveitar a experiência de trabalho conjunto que a pandemia acelerou, com empresas de outras áreas como os têxteis, a usarem a tecnologia para responder a necessidades da área de saúde, seja nos equipamentos de proteção individual, seja na produção de ventiladores.

A aposta na ferrovia e o fim da bitola ibérica

No mesmo alinhamento de pensamento com António Costa, Costa e Silva cita até uma ideia em que Costa tem insistido enquanto primeiro-ministro, da necessidade das populações do interior fronteiriço de Portugal e Espanha dialogarem mais. A aposta na ligação ao ‘interland’ ibérico é tida como fundamental pelo Governo e também pelo gestor que foi convidado a pensar o futuro económico do país.

Para isso é essencial a aposta na ferrovia, nomeadamente a ligação da rede ferroviária nacional às redes ibérica e europeia. Mas para isso é importante acabar com a “bitola ibérica”, que tem vindo a condicionar o desenvolvimento da ferrovia portuguesa. Desta forma consegue-se explorar a dimensão continental do país.

Mas o caminho não pode fazer-se apenas por aqui. Aliás, Costa e Silva explica que parte da “falha em termos de autonomia estratégica” que tem caracterizado o país se deve ao facto de ter havido sempre uma aposta alternada ora na perspetiva continental, ora na perspetiva marítima. Não é que seja uma grande novidade, mas Costa e Silva defende que a aposta correta deve ser nos dois em simultâneo, já que “sempre que o país se virou para o mar, prosperou”,

O hub portuário

Para isso é importante a “aposta fortíssima nas infraestruturas portuárias”, para criar um hub portuário que envolva os portos de Sines, de Leixões e das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. O objetivo é “alavancar as exportações do país”. Trata-se de uma “visão integrada com a especialização dos vários portos, que envolve o alargamento dos cais de embarque e desembarque, investimento nos equipamentos de carga, no armazenamento e, sobretudo, nas plataformas logísticas.

A partir daqui é importante assegurar a ligação eficaz aos sistemas de transportes, com destaque para a ferrovia, para garantir as ligações ao interior do continente europeu.

O inevitável “cluster” do mar e a Universidade do Atlântico

Não é o primeiro ideólogo do futuro da economia portuguesa a dizer isto (provavelmente não será o último), mas Costa e Silva também defende o desenvolvimento de um “cluster” do mar. Portugal, defende, tem de olhar para os quatro milhões de quilómetros quadrados que vão ficar sob a jurisdição do Estado português com a extensão da plataforma continental.

Mas se esta ideia não é propriamente nova, o gestor tem apontado caminhos sobre como lhe dar forma: defende “um grande projeto ambiental para conhecermos bem o que é o mar”, e isso significa “transformar a Universidade do Açores na universidade do mundo que mais conhece o oceano atlântico”, para ganhar ainda mais prestígio em termos internacionais para além daquele que já foi conquistado em vulcanologia e oceanografia. Isto, claro, “se tivermos os recursos financeiros”.

Um dos passos que considera fundamentais, é assegurar que Portugal comece a participar no projeto internacional Argo, um sistema de observação dos oceanos, que está, de acordo com Costa e Silva, a revolucionar a climatologia e a oceanografia. Entre as prioridades que define está o mapeamento dos ecossistemas, que devem ser protegidos ao mesmo tempo que se explora a riqueza de minerais estratégicos do mar. Em suma, o país deve “deixar de ter uma relação predatória com o mar e passar a ter uma relação baseada no tratamento de informação, no conhecimento e na tecnologia”.

Energias renováveis, a aposta no hidrogénio e os resíduos florestais

Reforçar o “cluster” das energias renováveis em que o país tem apostado é uma das vertentes do plano que será apresentado ao Primeiro-Ministro. Aliás, nas entrevistas que deu, tem multiplicado os elogios à ação do Governo pelo “respeito integral” pelos objetivos do pacto ecológico europeu, pelos roteiros de neutralidade carbónica, pelo plano nacional de energia e clima, pelas políticas de ordenamento do território e pelo plano nacional de eficiência energética. Mas Costa e Silva quer mais e pretende a criação no país de uma indústria de fabrico de equipamento que construa as componentes das renováveis.

Depois defende a ligação com o “cluster” do hidrogénio que, de acordo com o gestor, “tem uma densidade energética muito apreciável e muito atrativa”. Pode ser um dos combustíveis do futuro, acredita, sobretudo se for produzido de fontes renováveis. E como é versátil, não só pode servir de matéria prima para as indústrias petroquímicas-químicas, como pode ser uma opção competitiva nos setores da mobilidade onde não há soluções elétricas, como os transportes de longa duração ou a aviação.

De acordo com Costa e Silva, tudo isto se insere num dos pilares do plano que está a trabalhar onde o enfoque na transição energética é substancial, com propostas para a eletrificação da economia e das cidades. Mas há também a defesa de um projeto de transformação dos resíduos florestais em recursos. Como explicou na TSF, num país onde mais de 35% do território é floresta, são produzidos anualmente entre 7 a 8 milhões de resíduos florestais.

Se esses resíduos forem valorizados do ponto de vista económico, diz, “isso mobilizará os proprietários para a limpeza dos terrenos porque sabem que têm ali um valor económico” e contribui para, no futuro, criar uma cadeia de centrais de biomassa que transformem os resíduos em produtos energéticos. Em condições ideias, esta aposta pode criar “uma série de âncoras de desenvolvimento do interior do país”.

A transição digital na Função Pública, nas escolas, nas pequenas empresas

Uma “galáxia de pequenos projetos” nesta área para colmatar as falhas num “país que é muito desigual”. A pandemia também aqui pode servir de oportunidade para acelerar a transição digital, que exige o alargamento da fibra ótica a todo o país e que deve ser focada em várias áreas. No caso das escolas, é importante reforçar as competências digitais, adquirir equipamentos e garantir que todas estão ligadas à rede.

Esta transição deve ser pensada também na requalificação dos recursos humanos, especialmente na Administração Pública que, para Costa e Silva, “no próximo ciclo vai desempenhar um papel chave em termos de licenciamento, em termos da autorização de funcionamento das empresas, em termos de contratação”. Diz o conselheiro do primeiro-ministro que “se esses processos forem simplificados, digitalizados e através disso, escrutinados, teremos um avanço impressionante”.

Finalmente, a transição digital servirá também como forma de “inserir as pequenas e médias empresas na economia europeia”.

E como se vai pagar tudo isto?

Ainda não se sabe quanto dinheiro vai Portugal receber nos próximos anos, nem a questão estará fechada quando o plano for entregue em São Bento. Aquilo que Costa e Silva garante é que na parte final do documento vai fazer “alguns apontamentos sobre o plano financeiro que terá de estar associado”. Mas esse, garante novamente o conselheiro do Governo, será trabalho que passa pelas mãos do ministério das Finanças, que articulará os orçamentos em função das escolhas que o Governo fizer e em função da dimensão dos apoios que forem atribuídos.

Nesta parte final, o documento terá também uma atenção especial aos fundos de Bruxelas: quem os vai atribuir, como as empresas podem ser capitalizadas, como os projetos serão desenvolvidos, e também como deve ser feito o escrutínio público, nomeadamente como pode o cidadão ter acesso a informação sobre o destino do dinheiro e como está a ser aplicado.