O Prémio Princesa das Astúrias das Artes vai ser atribuído este ano a dois compositores, o italiano Ennio Morricone e o norte-americano John Williams, “por terem enriquecido centenas de filmes com o seu talento”, anunciou o júri nesta sexta-feira a partir de Oviedo, Espanha, assinalando tratar-se de “dois dos compositores vivos mais venerados do mundo” cujas obras “fazem parte do imaginário coletivo”. A decisão foi tomada numa reunião por videochamada devido à pandemia da covid-19, referiu o El País. A data da cerimónia de atribuição não foi divulgada.

Com uma extensa carreira ligada à Sétima Arte, Morricone, de 91 anos, e Williams, de 88, são responsáveis pela banda sonora de filmes icónicos como O Bom, o Mau e o Vilão e Guerra das Estrelas, respetivamente. “Morricone construiu reputação ao divulgar música desde a Europa até ao faroeste americano e Williams levou o espírito da tradição sinfónica vienense até aos grandes êxitos de Hollywood”, justificou o júri em comunicado. “Se alguma coisa há de comum na extensa e variadíssima obras de ambos é a deslumbrante capacidade de cruzarem géneros e fronteiras”, acrescentou.

“Williams e Morricone revelam um domínio absoluto tanto da composição como da narrativa e juntam emoção, tensão e lirismo ao serviço das imagens cinematográficas. As suas criações chegam mesmo a transformar e a transcender as imagens, sustendo-se a si mesmas como magníficas obras sinfónicas que se encontram no reportório habitual das grandes orquestras”, consideraram os jurados.

Despedida passou por Lisboa

Nascido em Roma em 1928, Morricone é compositor, orquestrador e maestro com trabalho em teatro, rádio e cinema. Começou por estudar trompete, em 1956 formou-se em composição no Conservatorio di Santa Cecilia, na capital italiana, sob orientação do conhecido maestro Goffredo Petrassi (1904-2003). A estação de televisão RAI e a editora RCA Itália foram os primeiros locais de trabalho de Morricone. Ao longo das décadas, tornaram-no famoso bandas sonoras de longas-metragens como A Missão, de Roland Joffé; Queimada!, que Gillo Pontecorvo; Os Oito Odiados, de Quentin Tarantino; Ata-me!, de Pedro Almodóvar; Cinema Paraíso, de Giuseppe Tornatore; ou ainda Os Intocáveis, de Brian De Palma.

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Tem no currículo três Grammys, três Globos de Ouro e seis prémios BAFTA. Apesar de nomeado várias vezes para os Óscares, só por uma vez obteve a estatueta de Melhor Banda Sonora, em 2016, precisamente pelo já referido filme de Tarantino — depois de um Óscar honorário em 2007.

[Momento em que Morricone recebeu o Óscar de Melhor Banda Sonora]

Morricone continua a compor mas retirou-se dos palcos há poucos meses e em maio do ano passado passou por Lisboa com um concerto integrado na digressão mundial de despedida. Frágil a andar, mas com olhar de falcão sobre a partitura, recebeu ovações consecutivas dos milhares de pessoas que se deslocaram à Altice Arena, em Lisboa. O concerto contou com a participação da cantora lírica Susanna Rigacci e de Dulce Pontes. Ainda em 2019, o papa Francisco decidiu atribuir a Morricone a medalha de ouro do pontificado “pelo seu extraordinário empenho artístico, que teve também aspetos de natureza religiosa”.

John Williams de braço dado com Spielberg

John Williams nasceu em 1932 no estado de Nova Iorque e durante anos trabalhou de perto com o realizador Steven Spielberg — em Tubarão, Encontros Imediatos do Terceiro Grau, ET: O Extraterrestre ou ainda em vários Indiana Jones — e também escreveu hinos para diversas edições dos Jogos Olímpicos. Esteve nomeado para os Óscares por 52 vezes, o que o torna o segundo criador com mais nomeações na história da Academia, logo atrás de Walt Disney, com 59. Recebeu cinco estatuetas: Guerra das Estrelas (1977) e A Lista de Schindler (1993) são apenas dois exemplos (1993). Nos Grammys foi distinguido duas dezenas de vezes.

Filho de um percussionista da orquestra da rádio CBS, começou em tenra idade a aprender piano, trompete, trombone e clarinete. Cresceu em Los Angeles, teve aulas na Juilliard School of Music e por algum tempo foi pianista de jazz em bares e sessões de gravação em Nova Iorque, regista a Enciclopédia Britannica. De regresso à Califórnia, encontrou trabalho nos estúdios de Hollywood e deixou marca, a partir do fim da década de 50, em filmes como Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder, ou West Side Story, de Robert Wise.

[John Williams conduz a Filarmónica de Viena num trecho da Guerra das Estrelas]

Terá sido a participação de Williams na Guerra das Estrelas a granjear-lhe reconhecimento mundial. Por nove vezes (1977, 1980, 1983, 1999, 2002, 2005, 2015, 2017 e 2019) assinou a banda sonora da saga George Lucas. Os três primeiros filmes de Harry Potter também tiveram partitura de Williams. Em 2009, compôs e fez os arranjos da canção para a tomada de posse do presidente americano Barack Obama.

Escultura de Miró e 50 mil euros

O Prémio Princesa das Astúrias das Artes reconheceu em anos recentes nomes como os do dramaturgo britânico Peter Brook (2019), do realizador norte-americano Martin Scorsese (2018), do arquiteto canadiano Frank Gehry (2014) e do realizador espanhol Pedro Almodóvar (2006). A iniciativa, que chega este ano à 40ª edição, é da fundação espanhola com o mesmo nome (denominada Fundação Príncipe das Astúrias entre 1981 e 2014). Anualmente, distingue em várias categorias pessoas, entidades ou organizações que tenham alcançado feitos considerados notáveis.

Na quarta-feira foi divulgada a categoria Concórdia, que este ano distinguiu profissionais de saúde espanhóis que estiveram em contacto direto com doentes da covid-19. O prémio para comunicação e humanidades será divulgado a 9 de junho, seguindo-se os de ciências sociais (dia 11), desporto (dia 16), literatura (dia 18), investigação científica e técnica (dia 23) e o de cooperação internacional (dia 25).

Ao galardão na área das Artes concorreram este ano 42 entidades de 21 países diferentes. Os vencedores recebem uma escultura assinada por Joan Miró e um prémio em dinheiro no valor de 50 mil euros. Do júri fizeram parte 13 personalidades: José María Cano de Andrés, María del Corral López-Dóriga, Oliver Díaz Suárez, Dionisio González Romero, Sergio Gutiérrez Sánchez, Ricardo Martí Fluxá, Fernando Masaveu Herrero, Joan Matabosch Grifoll, José María Pou Serra, Emilio Sagi Álvarez-Rayón, Benedetta Tagliabue, Patricia Urquiola Hidalgo e Aarón Zapico Braña. O presidente e a secretária foram respetivamente Miguel Zugaza Miranda e Catalina Luca de Tena y García-Conde.