A cerimónia é já esta quarta-feira de manhã, mas o programa esteve a ser fechado até ao último minuto. Trata-se do momento em que, simbolicamente, Portugal e Espanha vão reabrir as fronteiras entre os dois países depois de as terem decidido fechar às 23h do dia 16 de março (meia-noite de dia 17 em Espanha), mantendo apenas nove pontos de passagem terrestre exclusivamente destinados ao transporte de mercadorias. A ideia era fazer uma cerimónia simbólica que incluísse uma ida a Badajoz e um regresso a Elvas para um almoço ao mais alto nível. Mantém-se o alto nível — o encontro vai contar com os chefes de Estado e do Governo dos dois países — mas caiu o almoço. Afinal, o programa contém apenas dois momentos, um em cada lado da fronteira, para tirar uma “foto de família” e ouvir o respetivo hino dos dois países.

A informação tinha sido divulgada no passado dia 13 de junho, quando o Expresso noticiou que António Costa, Pedro Sánchez, Marcelo Rebelo de Sousa e o rei estariam juntos no momento da reabertura de fronteiras no dia 1 de julho. A ideia era mostrar uma reabertura coordenada depois de tempos de tensão, e sobretudo depois de alguma tensão em torno da própria data da reabertura (chegou a ser anunciado em Espanha que era a 22 de junho), daí a cerimónia ser feita ao mais alto nível com honras de Estado.

No mesmo dia, a agência Lusa dava conta, citando fonte da Presidência da República, de que a cerimónia teria lugar entre Caia e Badajoz, estando previsto que as comitivas portuguesa e espanhola se encontrassem na fronteira e a cruzassem para o lado de Espanha, para uma receção, e em seguida passem para o lado de Portugal, para um almoço.

Marcelo e Felipe VI na reabertura de fronteiras entre Portugal e Espanha a 1 de julho

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao Observador, fonte do gabinete do primeiro-ministro confirma que o almoço esteve previsto, sendo que seria à porta fechada (num hotel do lado português da fronteira), mas que foi cancelado devido à agenda apertada do chefe de Governo espanhol. Pedro Sánchez vai aterrar em Badajoz vindo da Mauritânia, e pelas 14h de quarta-feira já terá de estar em Madrid. Daí que o evento, que estava inicialmente previsto para o final da manhã (para culminar no almoço), tenha sido antecipado para mais cedo e reduzido a mínimos.

Segundo o programa divulgado pela Presidência da República aos jornalistas, a cerimónia vai-se resumir a um encontro no Museu Arqueológico de la Alcazaba de Badajoz, pelas 10h30 (9h30 na hora portuguesa), com direito a “hinos” e “fotografia de família”. Pelas 19h45 (hora de Portugal continental), repete-se o momento do “hino” e “fotografia de família” numa cerimónia semelhante no Castelo de Elvas.

Em nenhum momento é referido que haverá discursos dos chefes de Estado, dando a entender que a cerimónia será simétrica — em Badajoz e em Elvas — e curta. Há uma imposição do protocolo que a organização do evento ainda está a tentar contornar que diz respeito ao facto de, em Espanha, o chefe do Governo não poder discursar na presença do Rei, se o Rei não discursar também. Assim sendo, se o Rei Felipe VI não discursa, Marcelo também não discursa, e se Sánchez não discursa, Costa também não o deverá fazer. Ao que o Observador apurou, este ponto, contudo, ainda não estava ultimado durante a tarde desta terça-feira.

Ao Observador, fonte da Presidência confirma que a mudança em relação ao almoço se deve à agenda de Pedro Sánchez, numa cerimónia que vai merecer forte atenção mediática tanto em Portugal como em Espanha, estando prevista a comparência de “cerca de 60” jornalistas portugueses e outros 60 espanhóis. Do lado do gabinete do primeiro-ministro, a tese é a de que a cerimónia é “simbólica” e é nessa “simbologia” que se deve centrar o acontecimento, na medida em que se fosse para fazer algo mais discreto não estariam presentes tanto os chefes de Estado de ambos os países como os chefes de Governo.

Mas a verdade é que, apesar dos esforços dos dois países para mostrar que os governos de Portugal e Espanha estão unidos na frente europeia em defesa de uma resposta económica às consequências da Covid-19, registaram-se alguns desacertos bilaterais, não só calendário de reabertura da fronteira, como também na chamada “guerra pelo turismo” e na perceção pública que está a ser criada do controlo, ou não, da epidemia nos respetivos países.

O caso mais recente foi o da referência feita na manchete do jornal espanhol El País de que Portugal tinha ordenado o confinamento de 3 milhões de lisboetas, que o Governo português se apressou a desmentir e a exigir uma clarificação pública por parte do jornal. O desmentido foi feito pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, mas foi ecoado pelo próprio Presidente da República, durante uma visita a uma escola no Porto no encerramento do ano letivo. Na altura, Marcelo chamou a atenção para o erro do El País, congratulando-se por o Governo se ter apressado a desmentir a chamada de capa.

El País disse que Lisboa tinha 3 milhões em confinamento. Governo contesta: “É totalmente falso”

É que uma coisa é dizer que Lisboa voltou ao confinamento, outra coisa é dizer que 19 freguesias de Lisboa estão a causar maior preocupação, daí que tenham sido tomadas medidas mais restritivas para travar o surto. Além de que, se Espanha foi um dos países mais atingidos a nível mundial pela pandemia, sendo atualmente o sexto país com maior número de mortes, tem vindo a registar nas últimas semanas uma diminuição do número de casos, enquanto com Portugal aconteceu o contrário. Portugal foi inicialmente elogiado no plano externo pelo controlo eficaz da pandemia, e regista agora um surgimento de novos casos de infetados sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa.

O Governo, acompanhado do Presidente da República, tem insistido na ideia de que se trata de uma questão de transparência do discurso face à pandemia, de um lado, e, do outro, de ocultação de dados em alguns países por motivos estratégicos, nomeadamente devido à “guerra do turismo”, fundamental para a recuperação económica.

“Nós escolhemos uma orientação que é a verdade. O que se diz todos os dias é aquilo que se sabe que acontece. Portanto, eu acho que é preferível a estar a dizer: olhe, isto é muito melhor e está a evoluir de uma determinada forma, e depois ter de corrigir oito dias, dez dias, quinze dias, vinte dias depois”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 20 de junho. Na véspera, em Espanha, o Ministério da Saúde tinha atualizado o número de mortes causadas pela Covid-19, que permanecia inalterado há 12 dias, registando mais 1.177 óbitos, o que elevou na altura o total para 28.313. Ou seja, Espanha tem optado por não divulgar os números diariamente, fazendo balanços mais abrangentes e espaçados no tempo. Ao contrário de Portugal, que mantém os boletins diários.

Foi isso mesmo que, no passado domingo, em entrevista ao jornal catalão La Vanguardia, António Costa quis demonstrar, quando foi instado a comparar a evolução da Covid-19 em Portugal e em Espanha: aconselhou “prudência” nas comparações internacionais e rejeitou que exista uma segunda onda da doença em Lisboa. “Não se trata de Lisboa, mas de alguns bairros de municípios vizinhos. Não há um agravamento, mas nessas zonas não se assistiu à redução generalizada registada em todo o território. São 19 freguesias de um total de 3091”, disse àquele jornal espanhol. Depois disso, sabe o Observador, dará mais duas entrevistas a rádios espanholas a propósito da reabertura das fronteiras. Objetivo: clarificar a mensagem ao máximo.