O professor universitário Miguel Poiares Maduro defende o pagamento aos consumidores de assinaturas de jornais para apoiar os media e que em Portugal se poderia começar com uma dedução nos impostos.

Em entrevista à agência Lusa, o antigo ministro do governo de Pedro Passos Coelho, com a tutela de comunicação social, não exclui apoios do Estado, mas diz que não devem “depender de qualquer discricionariedade” do Governo, e considerou que a opção pela compra antecipada de publicidade institucional era dos instrumentos “mais neutrais” que estavam à disposição para ajudar o setor perante o impacto da pandemia.

“Tenho sido defensor de uma lógica um bocadinho diferente, que acho que também é a da própria União Europeia, que seria uma lógica de pagar aos consumidores no sentido de criar um incentivo para a transição por parte dos consumidores para o consumo de notícias e para o pagamento de notícias no digital”, afirmou Miguel Poiares Maduro.

No fundo, trata-se de “pagar aos consumidores assinaturas de jornais”, precisou. “Eu acho que esse é um modelo interessante que devíamos ponderar. Poderíamos começar, por exemplo, ao nível nacional com uma lógica de permitir a dedução nos impostos também das assinaturas de jornais, era um primeiro passo”, disse.

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No entanto, trata-se de “um passo insuficiente” e que, do seu ponto de vista, “é sempre discriminatório”, já que isso só é aplicável “aos cidadãos que pagam impostos, […] enquanto os mais pobres, a quem nós devemos estimular também a leitura de jornais e de comunicação social, não iriam beneficiar disso”, destacou.

Por isso, “um sistema de crédito dado aos cidadãos é um sistema mais positivo”, considerou.

“Eu compreendo que em Portugal os constrangimentos financeiros não permitam ao Governo fazer isso e a nossa sociedade civil ainda não é suficientemente desenvolvida para conseguir desenvolver mecanismos alternativos de financiamento, mas acho que a União Europeia, por exemplo, até no quadro” da atual discussão sobre a ação para a proteção do Estado de Direito e da democracia que a vice-presidente da Comissão Europeia Vera Jourová está a promover e que está em discussão pública, poderia promover, prosseguiu.

Questionado sobre a intervenção do Estado no setor Miguel Poiares Maduro afirmou: “Não excluo, nem sou contrário a apoios do Estado, o que acho é que eles não devem depender de qualquer discricionariedade por parte do Governo na sua atribuição, que é o risco”.

Ou seja, “quanto mais forem apoios que o Estado dê, não a empresas de comunicação social, mas sim aos cidadãos para estes livremente escolherem em que projetos de comunicação social, em que empresas de comunicação social, em que jornais o vão gastar, melhor. Acho que é essa a forma ideal desses apoios funcionarem”, argumentou.

Já sobre a compra antecipada de publicidade institucional pelo Estado, medida anunciada pelo Governo em abril, Miguel Poiares Maduro disse compreender porque é que o executivo “escolheu esse mecanismo”, não vendo “teorias de conspiração” nesse âmbito.

“Era um mecanismo que já existia e, portanto, não introduzia discricionariedade nova da parte do Governo”, pelo que “visava evitar as tais acusações de preferir um ou outros meios de comunicação social. E dentro dos instrumentos que o Governo tinha à sua disposição era dos mais neutrais que poderia realmente adotar”, considerou.

No entanto, “acho que houve um problema, que foi o Governo não ter condicionado essa atribuição às empresas aceitarem tornar públicas as suas receitas”.

Contratações na TVI – que recebe apoiada pelo Estado – preocupa

Poiares Maduro manifestou “preocupação” relativamente às contratações na TVI, da Media Capital, grupo que beneficia do apoio do Estado, através precisamente da compra antecipada de publicidade institucional.

Questionado sobre as contratações da Media Capital, Poiares Maduro disse que o tema suscita “preocupação” relativamente a “empresas [que] estiveram a solicitar ao Estado apoios financeiros, dizendo que não tinham condições de sustentabilidade mínima e depois, subitamente, conseguem encontrar capacidade financeira para fazer contratações milionárias”.

A Media Capital, dona da TVI, teve a produtora Plural em ‘lay-off’ e vai receber 3,3 milhões de euros no âmbito da compra antecipada de publicidade institucional.

“Se nos escandalizamos que os bancos estejam a receber apoios públicos ou que empresas que sejam detidas pelo Estado, como aconteceu na TAP, depois deem bónus aos seus administradores mesmo quando apresentam prejuízos, não podemos deixar de nos preocupar quando empresas, que ainda que forma indireta — compreendo que o mecanismo escolhido pelo Governo tornava difícil esse controlo porque não é um subsídio, é uma compra antecipada de publicidade”, recebem apoios, disse.

“Naturalmente que podemos dizer que as empresas devem ser livres de fazer as suas decisões de gestão, com o risco que isto comporta, e que são ou não premiadas pelo mercado, de acordo com isso”, mas “o que não podem é querer solicitar apoios públicos precisamente porque dizem que não têm a sustentabilidade, numa lógica de mercado, mas depois invocar o seu estatuto totalmente privado e a lógica de mercado para tomar decisões que, quer queiramos ou não, são decisões arriscadas”, argumentou.

O antigo ministro da tutela da comunicação social do governo de Passos Coelho realçou que “quando estão, ainda por via indireta, envolvidos meios financeiros públicos”, devia haver “uma preocupação grande de escrutínio e deveria ser exigida a essas empresas que tivessem uma prudência, que fossem consequentes com aquilo que elas próprias estiveram a dizer: que é o mercado não nos assegura sustentabilidade para a nossa atividade”.