A farmacêutica Gilead reagiu ao relatório publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o efeito do medicamento remdesivir na mortalidade. A farmacêutica que criou o medicamento critica que o relatório tenha sido publicado antes de ser revisto por pares (cientistas independentes).

Para a empresa, “a conceção deste ensaio deu prioridade a um amplo acesso, resultando numa heterogeneidade significativa na adoção, implementação, controlo e amostragem (populações de doentes) e, consequentemente, não é claro que seja possível retirar quaisquer conclusões definitivas dos resultados“, conforme explica em comunicado de imprensa, divulgado esta quinta-feira. Mas é precisamente o amplo acesso que é elogiado pelos cientistas.

Nem hidroxicloroquina nem remdesivir. Estudo da OMS revela pouco impacto na mortalidade depois de tratamento

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Esta quarta-feira, a OMS divulgou os resultados preliminares do projeto Solidarity Therapeutics Trial, que pretendia acelerar os ensaios clínicos com medicamentos potencialmente eficazes no tratamento de doentes com Covid-19. Neste caso, foram analisados medicamentos já existentes, como o remdesivir (desenvolvido para combater o ébola), a hidroxicloroquina (contra a malária), lopinavir/ritonavir (contra o VIH) e interferões (que afetam a capacidade de replicação do vírus).

O relatório, publicado na plataforma medRxiv, conclui que “nenhum dos medicamentos em estudo reduziu definitivamente a mortalidade (em doentes não ventilados ou outros subgrupos), a iniciação da ventilação ou a duração do internamento”. Os ensaios foram conduzidos em 405 hospitais, de 30 países, e envolveram um total de 11.266 doentes adultos, dos quais 2.750 fizeram parte do ensaio com remdesivir.

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A Gilead defende-se com um artigo publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, onde o ensaio clínico conduzido pelo Instituto Nacional para as Alergias e Doenças Infecciosas, dos Estados Unidos, mostra os benefícios do remdesivir. Neste ensaio de fase III participaram mais de mil doentes Covid-19, com doença ligeira, moderada ou severa.

As conclusões indicam que os doentes que realizaram este tratamento recuperaram mais rapidamente da doença, especialmente os que tinham doença mais grave; e que, entre os doentes ventilados, houve uma diminuição da mortalidade.

O relatório da OMS, ainda que sem revisão formal por pares, reúne, no entanto, apoio entre cientistas, a começar pelo facto de ser um ensaio com muitos doentes e em localizações muito diferentes.

“O ensaio Solidarity da OMS é um estudo bem desenhado”, diz Paul Griffin, diretor de Doenças Infecciosas nos Serviços de Saúde Mater (Austrália).

E está de acordo com resultados de ensaios anteriores, segundo os cientistas. “Os resultados do estudo foram demonstrados em estudos anteriores, mas o importante é o grande número de doentes de etnias diferentes incluídos neste ensaio clínico, o que torna as conclusões impactantes”, diz Brian Oliver, líder do grupo de Patogénese Molecular Respiratória na Universidade de Tecnologia de Sydney.

Os investigadores concordam que, depois de toda a esperança depositada no remdesivir, os resultados desapontam, mas Phillip Reece, consultor na indústria farmacêutica, diz que o problema pode estar na forma como foram dados os medicamentos.

“As experiências com os antivirais contra a gripe mostraram que têm de ser tomados 48 horas depois dos primeiros sintomas para se ver um benefício”, diz. “Os participantes no ensaio Solidarity podem ter tido sintomas durante vários dias antes de terem sido hospitalizados e isso pode reduzir a hipótese de se ver algum benefício“.

Phillip Reece também não tem dados para apoiar a hipótese que apresentou, mas deixa uma porta aberta para novos estudos. “Apesar dos resultados, suspeito que os ensaios vão continuar, pelo menos para alguns destes medicamentos”, conclui Paul Griffin.