Há escolhas que são feitas por nós. Não escolhemos a nossa família, não escolhemos onde nascemos e dificilmente escolhemos onde crescemos. Mas estas escolhas, que não fomos nós a fazer, acabam por moldar a nossa identidade e transformar o nosso ser.

Eu também não escolhi ser portista. Pouco tempo depois de nascer, já o meu pai e o meu padrinho me tinham feito sócio do Futebol Clube do Porto. Foi com dois anos, ao colo do meu pai, que pela primeira vez atravessei os torniquetes do Estádio das Antas, com oito, de mão dada, que conheci o novo Dragão, e com dezassete, quase em lágrimas, que vivi o ‘92.

Eu não escolhi ser portista, mas portista é também o que sou. Sou-o, indiscutivelmente, com orgulho e convicção, mas creio nunca o ter escolhido. Tendo em conta o contexto em que nasci e cresci, fez sempre parte de mim, tal como ser portuense ou até filho dos meus pais.

Pois agora, no dia 27 de abril, dão-me a mim, enquanto portista, uma escolha. Tenho a prodigiosa liberdade de poder escolher quem quero que lidere o meu clube. No entanto, sinto-me paralisado com o peso dessa escolha.

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Não conheci o Futebol Clube do Porto antes da liderança de Jorge Nuno Pinto da Costa, mas basta olhar para qualquer métrica estatística para perceber que a sua direção revolucionou por completo o clube. Só em futebol, conquistou 68 dos 84 títulos do clube, onde se incluem 21 campeonatos nacionais e 7 taças internacionais. Contribuiu, indubitavelmente, para a afirmação da cidade e da região, no país e fora dele, transformando o clube numa marca e referência mundial.

Jorge Nuno Pinto da Costa conquistou, por mérito próprio, um espaço na história da cidade e da sua principal associação desportiva. Será difícil a um portista negar que parte dessa sua identidade é moldada à imagem do Porto de Pinto da Costa. Só se consegue compreender a verdadeira dimensão da obra de Jorge Nuno se se conhecer o âmago da alma portista pois é lá, nessas profundezas do ser, que guardamos as memórias do que de melhor ele nos proporcionou.

Cresci, por isso, a achar que Pinto da Costa seria eterno, que o ciclo vitorioso que a sua liderança inaugurara não iria acabar – foi esse o sonho que fui ingenuamente alimentando naquelas (tantas) noites de alegria nos Aliados.

Mas a verdade é que essa era acabou. O Presidente, acredito que por influência de pessoas mais ou menos conhecidas (e seguramente muito pouco apreciadas) pelos portistas, foi deixando que o FC Porto se desleixasse. Vimos jogadores importantes a sair ao desbarato ou até a custo zero enquanto que as vendas que ainda conseguíamos encaixar pareciam diluir-se em remunerações a intermediários cujo papel e utilidade permanecem uma incógnita. Confrontámo-nos com notícias preocupantes em relação à solvabilidade financeira do clube que foram sendo implicitamente confirmadas à medida que, no meio da neblina opaca que rodeia todo este pântano, iam sendo discretamente divulgadas operações que comprometiam o nosso futuro: desde antecipações de receitas a empréstimos pagos a peso de ouro.

E se dúvidas restassem quanto à podridão do regime que se instalava à volta de Pinto da Costa, esta campanha eleitoral (e o processo que a antecedeu) dissiparam-nas de vez. Desde o clima de impunidade que contribuiu para que alguns achassem que podiam, à força, abafar a legítima revolta de adeptos inconformados, até ao apressamento atrapalhado da obra de uma academia há tanto prometida, os sinais de desnorte são tantos que mais parecem desespero. Torna-se quase impossível acreditar que alguns que supostamente servem (ou se propõem a servir) o clube, não procuram antes servir-se dele. Tudo isto, claro, com impactos no nosso sucesso desportivo – é que o mérito do treinador não chega para compensar tanta incompetência.

Face a todo este cenário, o que se impunha a um dirigente da dimensão de Pinto de Costa é que compreendesse que esta era a altura certa para passar a pasta e o momento para se desembaraçar, duma vez por todas, da turma que nele se ampara. Podia fazê-lo no conforto de saber que o Futebol Clube do Porto ficaria bem entregue, a um homem credível que poucas razões tem para se servir do clube e que, quando o serviu, fê-lo com especial brilhantismo. André Villas-Boas nunca quis, sequer, afirmar-se como oposição a Pinto da Costa, nunca escondeu a sua admiração pelo Presidente e, imagino, faria (e fará) os possíveis para proteger o seu legado se assumir a liderança do clube.

Mas Pinto da Costa escolheu não sair por esta via e, assim, cometeu o que possivelmente será o maior erro da sua carreira. Se vencer, arrisca-se ao desprestígio da vertiginosa decadência do clube, sujeitando-se a degradar definitivamente o seu legado. Se perder, terá uma saída brutalmente inglória. Qualquer hipótese é uma má hipótese.

Talvez por isso, a escolha de Jorge Nuno Pinto da Costa de se recandidatar ao cargo de Presidente do Futebol Clube do Porto foi o ato que mais me angustiou de entre todos os erros que foram cometidos sob a sua alçada nos últimos anos. É que esta sua escolha dá-me a mim, no dia 27, uma escolha que eu não queria ter. Sou incapaz de votar numa candidatura que não só não reconhece como parece insistir nos erros que empurram o clube à ruína. Estou absolutamente convicto que o projeto de André Villas-Boas é o que melhor corporiza aquilo que o clube precisa. A conclusão sobre o meu voto deveria, portanto, ser óbvia. O problema é que há uma parte de mim, uma última fibra do meu núcleo, que resiste e que não se conforma com a consciência de que poderei contribuir para afastar Jorge Nuno Pinto da Costa, grande obreiro do Porto que tanto me orgulha e líder que sempre achei eterno.

O dilema paralisa-me. Estou há meses com uma cruz desenhada em frente à Lista B, de André Villas-Boas, mas há meses que não paro de pensar nela. É que há uma parte de quem sou que parece não me querer deixar entregar este voto. Há uma parte de quem sou, talvez a tal parte que não escolhi ser, que num grito de irracionalidade e incoerência me manda rabiscar aquele boletim e depositá-lo na urna. Um golpe libertador que me livra – cobardemente, dirão alguns – da consciência que contribuí para a eleição de um presidente diferente de Jorge Nuno Pinto da Costa.

Não sei o que fazer este sábado. Sei o que a razão me manda fazer mas também sei que há em mim um reduto de gratidão e reconhecimento que, em igual medida, me manda não fazê-lo.

Será a paralisia da escolha? É que há pelo menos um portista, habituado a não ter que escolher, que posto perante uma escolha, parece não o saber fazer.