“Um sinal de humanidade e civilização”. É este o apelo de uma carta aberta com mais de cem signatários, vindos das mais diversas áreas, e que se dirige ao poder político — já foi enviada ao primeiro-ministro e ao presidente da República, mas também à DGS — exigindo que as pessoas com deficiência passem a estar incluídas nas fases prioritárias do plano de vacinação contra a Covid-19.

A missiva, a que o Observador teve acesso, junta um leque muito alargado de nomes: na política, por exemplo, inclui desde o ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes ao presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares, e ao presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, passando pelo ex-ministro José Pedro Aguiar Branco e pelos deputados do PSD Duarte Marques e Mónica Quintela, entre nomes como Filipe Lobo d’Ávila, Luís Nobre Guedes ou Paulo Sande. A estes juntam-se figuras de outras áreas, como o embaixador António Martins da Cruz, a juíza do Supremo Tribunal (ex-Tribunal Constitucional) Clara Sottomayor, o chairman da NOS, Ângelo Paupério, por entre muitos profissionais de Saúde, académicos e artistas, como Carolina Deslandes e Pedro Abrunhosa.

A carta, assinada em primeiro lugar por três mães e cuidadoras de pessoas com deficiência, recorda que “as pessoas com deficiência são categorizadas pela Organização Mundial de Saúde como populações vulneráveis em situações de emergência de saúde Pública”, embora estejam “incompreensivelmente ausentes” das fases prioritárias do plano de vacinação.

No texto, argumenta-se que quase todas as pessoas com deficiência intelectual, transtornos de desenvolvimento, paralisia cerebral e outras deficiências graves ficam de fora das primeiras prioridades, o que poderá trazer “consequências graves ao nível da mortalidade”.

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Verificando o plano de vacinação apresentado pelo Governo, constata-se que a primeira fase começou em dezembro passado e incluía profissionais considerados essenciais, pessoas com mais de 80 anos ou mais de 50 anos e insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal ou doença respiratória crónica. A segunda fase, com início em abril e fim indeterminado, prevê vacinar pessoas com mais de 65 anos ou com 50 a 64 e diabetes, doença renal crónica, insuficiência hepática, neoplasia maligna ativa, hipertensão, obesidade e outras patologias a definir posteriormente.

Embora a Direção-Geral de Saúde tenha esta quarta-feira adiantado que as pessoas com Trissomia 21 passarão, tal como os professores, a ser consideradas prioritárias, “pelo risco acrescido de evolução para Covid-19 grave”, a carta vai mais longe, citando vários estudos para mostrar que as pessoas com deficiência (não exclusivamente Trissomia 21) apresentam sintomas mais graves, maior risco de hospitalização e quase o dobro da taxa de letalidade para indivíduos entre os 18 e os 74 anos. Nesta fase, “o conhecimento científico produzido e validado atesta que é imperioso que estas pessoas sejam consideradas prioritárias já nesta primeira fase de vacinação”, pode ler-se no texto.

As razões vão do elevado risco de uma pessoa deficiente ter outras patologias associadas à maior dificuldade em exprimir-se e assim alertar para os sintomas que a afetam, de tomar a medicação, de ter um quadro de “extrema vulnerabilidade em caso de infeção” — caso de pessoas com paralisia cerebral — e até o problema de não poderem ser acompanhados pelos seus cuidadores no hospital.

“A inclusão de pessoas com deficiência nos grupos prioritário de vacinação é justificada não só por critérios científicos, mas também por critérios éticos de equidade e respeito pelos mais vulneráveis”, assinam as três promotoras (Ana Camilo Martins, Maria de Assis Andermatt Brás de Oliveira Swinnerton e Paula Camello de Almeida). “A violação do princípio de proteção dos mais vulneráveis é um sinal flagrante da falência do Estado de Direito e uma negação dos valores que estiveram na fundação do Portugal democrático”, rematam.