Nasceu em Campinas, São Paulo, queria ser crítico de cinema, mas acabou por enveredar pelo jornalismo. Depois de passar por várias publicações da editora brasileira Abril, onde assinou artigos sobre ciência, comportamento humano e até ciclos da menstruação para adolescentes. Foi como editor da revista “Vida Simples” que Rafael Tonon escreveu sobre comida pela primeira vez. “A revista tinha uma secção de comida que ninguém queria fazer, nem sempre era fácil conseguirmos colaboradores, muitas vez fui eu que a fiz”, começa por dizer em entrevista ao Observador.

Ocupou o cargo durante dois anos e, assim, descobriu uma paixão escondida. “Já gostava de cozinhar, de sair para comer e quando viajava adorava experimentar restaurantes, mas naquela altura descobri uma paixão que até então ainda não tinha tido consciência.” As suas reportagens de capa sobre a produção nas fazendas ou o regresso da fermentação deram nas vistas e, em 2008, já como freelancer, começa a colaborar no Paladar, o caderno de gastronomia do jornal Estadão, e na Folha de S. Paulo. “O jornalismo gastronómico no Brasil estava a apurar-se, foi o começo de um boom em que os chefs se tornaram autênticas celebridades. Sempre gostei de entender as tendências, para mim, a gastronomia e a comida estão relacionadas com o nossos comportamentos, eles explicam porque comemos o que comemos.

Ao longo do seu percurso, Rafael Tonon dedicou-se a estudar a parte mais científica da culinária, pesquisando tendências, entrevistando especialistas, contextualizando modas e refletindo sobre o comportamento humano à mesa. Ainda assim, admite que o ramo que escolheu continua a ser visto como algo secundário. “As pessoas pensam que o jornalismo gastronómico é uma coisa menor, supérflua, consideram que o grande profissional é aquele que cobre as eleições presidenciais, uma guerra ou a cimeira da ONU. Acredito que o que escrevo tem um impacto diário na vida das pessoas, pois comemos pelo menos três vezes por dia.

Passámos uma manhã com o jornalista brasileiro no Mercado Temporário do Bolhão, no Porto

Em 2015, ao publicar a sua primeira reportagem no Eater, o maior portal de gastronomia dos Estados Unidos da América, Rafael apostou numa carreira internacional. “Percebi que podia escrever sobre outros países, então comecei a viajar muito pela Europa, América Latina e Estados Unidos.” Três anos depois, à boleia de uma oferta de emprego da mulher, instala-se em Portugal, mais precisamente no Porto. “Não foi uma escolha, nem estava nos meus planos, mas Portugal é mesmo uma esquina perfeita no mundo, tem uma localização maravilhosa.”

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“Portugal não é só bacalhau e pastéis de nata”

Chegou ao território nacional em plena explosão gastronómica, em que jantar fora não era um programa exclusivo dos fins de semana e os pratos internacionais já não eram olhados de lado e com desconfiança. “Em Portugal, ao contrário do Brasil, há uma paixão pela receita da bisavó que continua a ser replicada de forma genuína. Todos acham que é uma cozinha simples, mas na realidade não é.” No Porto, surpreendeu-se com a quantidade de comida servida nos restaurantes, ingredientes como miúdos, tripas ou fígados e uma diversidade muito enraizada na tradição. “Mesmo nos grandes restaurantes, há uma referência à comida mais tradicional, como a francesinha no The Yeatman ou as bifanas no Euskalduna. Existe a intenção de olhar para o que é mais cultural e popular e dar-lhe um valor de alta cozinha, é muito interessante.

Para o jornalista brasileiro, o conceito de cozinha portuguesa no mundo é muito diferente do que ela realmente representa. “Toda a gente pensa que a comida portuguesa é simples, reduzida e limitada, muito focada no bacalhau e no pastel de natal. Há um longo caminho a fazer na comunicação disso mesmo. Antes da pandemia, penso que a imagem internacional do país estava a crescer, mas levou um balde de água fria. Na minha cabeça é quase como um avião que estava a descolar, mas teve de voltar à pista porque estava mau tempo.

Rafael debruça-se em matérias de investigação na gastronomia, cruzando a história dos produtos e as últimas tendências

No último ano, Rafael viu de perto as consequências da pandemia nos restaurantes, onde a adaptação aos serviços de take away e delivery e as limitações na criatividade imperaram. “Em tempos de sobrevivência, não é preciso ser criativo, é preciso pagar as contas. A preocupação é outra.” Com a ausência do turismo, muitos negócios foram obrigados a conquistar o público local, conhecendo as suas necessidades e preferências. “Quando o turismo regressar, chegará também um novo desafio: equilibrar estes dois públicos com perceções tão diferentes.”

O especialista antecipa que os hábitos de consumo à mesa podem mudar, deixando de fazer sentido as mesas comunitárias ou a partilha de pratos, por exemplo. “Durante a pandemia, as pessoas perceberam que podiam comer muito bem em casa, penso que agora valorizam muito mais a ida a um restaurante e dão mais importância a um bom serviço. No futuro, vão escolher melhor o sítio, vão optar por experiências que não possam reproduzir em casa.” O poder económico também deverá sofrer alterações e para isso, defende o jornalista, os restaurantes terão que se adaptar. “Ter um menu de 250 euros pode ser um disparate nesta fase.”

Um livro onde a comida é pretexto para falar sobre história, política e ciência

Depois de em 2017 ter sido co-autor de um livro sobre os restaurantes mais antigos de S. Paulo, Rafael Tonon aventura-se agora numa obra a solo. “As Revolução da Comida – o impacto das nossas escolhas à mesa” é uma verdadeira viagem pelas transformações no universo da alimentação e da culinária nas últimas cinco décadas, onde a intenção é ajudar a entender o mundo a partir daquilo que consumimos. “Este é um livro para quem gosta de comer e do assunto comida, não é um livro para chefs ou especialistas em gastronomia”, sublinha o autor.

O novo livro do jornalista brasileiro está à venda online e numa livraria em Lisboa. Em breve, terá também um ponto de venda no Porto

Durante quatro anos, Rafael compilou conteúdos de alguns dos seus trabalhos de investigação como jornalista, fez entrevistas novas e organizou as suas ideias por capítulos, que tocam em temas tão variados como história, política, ciência ou psicologia. “Falo de como surgiram os restaurantes na revolução francesa, de uma hamburgueria na Califórnia que tem robôs em vez de funcionários, dos hábitos de fast food de Donald Trump durante a campanha eleitoral e do fenómeno do foodismo. É engraçado as pessoas irem hoje a Nova Iorque e já não voltarem a falar dos museus que viram, mas sim dos restaurantes que conheceram.

O novo livro de Rafael Tonon está à venda online e, a partir de junho, na Livraria da Travessa, em Lisboa.