O Governo está a preparar medidas para apoiar as empresas pelo fim das moratórias, marcado para setembro, mas as confederações patronais estão preocupadas que o pacote a anunciar só se aplique aos setores “mais afetados” pela pandemia (como o Governo tem sinalizado), esquecendo as empresas fora deles que ainda estão fortemente condicionadas.

Há uma questão que nos preocupa, que tem a ver com as moratórias“, realça João Vieira Lopes, em declarações ao Observador. Para o líder da Confederação do Comércio e Serviços (CCP), as medidas de apoio à economia que venham a ser desenhadas, nomeadamente para atenuar os efeitos do fim das moratórias, “devem ser transversais aos setores”. O critério de adesão deve ser, defende, o nível das perdas registadas. António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), acrescenta que há empresas fora do turismo ou da restauração, mas que deles dependem, que estão “igualmente afetadas”.

O fim da moratória pública está previsto para setembro deste ano, sendo que um eventual prolongamento estaria dependente da Autoridade Bancária Europeia (EBA, no acrónimo original) — que já deu sinais de não estar para aí virada. A possibilidade que está a ser estudada pelo Governo é a de permitir garantias públicas sobre uma parte do crédito que está em moratória, com a condição de o banco reestruturar o empréstimo. Na quinta-feira, numa conferência online promovida pelo Novo Banco, o ministro da Economia disse que o Executivo está a pensar no “turismo, restauração, algumas áreas do comércio a retalho, de alguns segmentos do transporte, alguns segmentos da indústria transformadora”.

A visão do Governo é que, para algumas empresas — aquelas “a quem o ano correu bem” —, as moratórias “foram uma ajuda muito grande para o reforço da sua caixa e para uma poupança empresarial muito significativa”, sendo que estão agora em condições de retomar os pagamentos. Mas, continuou, às empresas dos “setores mais afetados”, será dada “a oportunidade de discutirem [com os bancos] as condições de como podem proceder ao refinanciamento ou à reestruturação da sua dívida sob moratória”. As empresas podem “dar uma garantia sobre uma parte do crédito que está em moratória, para facilitar o esforço que os bancos vão ter de fazer”, explicou.

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O receio dos patrões é que isto signifique que só uma parte das empresas em dificuldades — as que estão nos setores “mais vulneráveis”, como o turismo — sejam abrangidas. “Há empresas que são fortemente atingidas e que estão noutros setores“, aponta João Vieira Lopes, referindo-se, por exemplo, ao comércio não alimentar e ao comércio das zonas turísticas, onde a falta de clientes não permitiu a retoma esperada.

A atividade das empresas que João Vieira Lopes representa não está necessariamente pior do que o ano passado, só que, enquanto que em 2020 “algumas ainda tinham alguma reserva”, agora “não têm nenhuma”. “Não é realista pensar que as empresas, em setembro, podem começar a pagar tudo de repente, mantendo o nível de retração atual”, afirma o líder da CCP. Também as restrições recentemente anunciadas pelo Governo, nomeadamente aos horários do comércio e à circulação, “vão atingir bastante a restauração e todos o comércio e serviços de porta aberta para a rua”.

António Saraiva aponta no mesmo sentido: “Deve haver um apoio à economia no seu todo, sendo que alguns setores específicos, e pela dimensão do efeito da crise pandémica, têm de ter uma ajuda mais focalizada e especial. Mas não nos pode fazer esquecer de outros setores profundamente prejudicados”. O líder da CIP exemplifica com os setores que “alimentam” o turismo, a restauração ou a hotelaria, como a agroindústria. “Um restaurante fornece refeições… precisa de carne, peixe, hortaliças. Toda esta cadeia de abastecimento destes setores afetados está ela igualmente afetada”, nota.

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O ministro da Economia já disse que conta, até “meio do mês de julho”, dar “aos bancos e às empresas o quadro claro” sobre como vai acontecer o fim das moratórias: ou seja, até essa data, serão anunciadas as medidas para as empresas. A CIP propôs ao Governo, entre outras medidas, o recurso a uma linha do Banco Europeu de Investimento (BEI) que facilite a reestruturação da dívida das empresas.

“Temos de encontrar com a banca — Governo, banca e empresas envolvidas —, a ultrapassagem deste problema. Sendo a banca um profundo conhecedor da situação de cada uma das empresas, tem que haver articulação entre Estado, banca e próprias empresas para se encontrarem soluções”, considera António Saraiva.

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A confederação que representa a indústria divulgou esta sexta-feira um documento com 10 propostas para dar um “abanão” à economia portuguesa. “Estamos na antecâmara da apresentação e discussão do Orçamento do Estado e estamos, esperamos nós, a sair de um tempo pandémico. Há que olhar para a economia pós-covid”, aponta António Saraiva ao Observador. Entre as prioridades elencadas pela CIP estão a capitalização e recapitalização das empresas e a qualificação profissional que promova “o reforço das competências digitais nas empresas”.

Apoio à retoma a 100% prolongado até final de agosto

“Atendendo à evolução da pandemia”, o Governo prolongou as atuais condições do apoio extraordinário à retoma progressiva, o sucedâneo do layoff simplificado, que permite reduzir o horário de trabalho (e receber um apoio da Segurança Social para pagar salários) consoante a quebra de faturação. Desta forma, as empresas com uma quebra de faturação igual ou superior a 75% podem reduzir o período normal de trabalho até 100% também durante os meses de julho e agosto.

Em junho, os empregadores com quebras de, pelo menos, 75% puderam reduzir os horários de trabalho a 100%, mas esse corte apenas podia ser aplicado a 75% dos trabalhadores. Em alternativa, as empresas podiam cortar os horários de todos os trabalhadores até 75%. Após a reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, veio esclarecer que a medida se manteria, durante julho e agosto, nos mesmos moldes de junho. Em agosto, haverá uma nova “reavaliação”.

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Há, porém, exceções ao limite de 75% de trabalhadores abrangidos. Também tal como já se aplicava em junho, “nas empresas dos setores de bares, discotecas, parques recreativos e fornecimento ou montagem de eventos, a redução de 100% do PNT [período normal de trabalho] pode abranger todos os trabalhadores”. Segundo a ministra, há atualmente cerca de 130 mil trabalhadores de 18 mil empresas abrangidos pelo apoio a retoma.

A este propósito, João Vieira Lopes defende que as medidas de apoio à economia, com o apoio à retoma progressiva, “não se podem desligar como se fossem um interruptor” — e até devem ser estendidas, “pelo menos até outubro”.

O Governo prolongou ainda, para julho e agosto, o apoio à redução de atividade dos trabalhadores independentes e sócios-gerentes — que vai dos 219 euros aos 665 euros —, mas só do turismo, da cultura e dos espetáculos, tal como acontecia em junho. O apoio só se aplica a outros setores se forem de atividades que “tenham sido suspensas ou encerradas por determinação legislativa ou administrativa de fonte governamental”.

Também o subsídio de doença Covid-19, pago a 100% do salário, foi prolongado até ao final de setembro, “atendendo às circunstâncias e à evolução da situação sanitária”.