O Banco de Portugal considera ainda que uma eventual retirada extemporânea das medidas de apoio “potencia a materialização do risco de crédito” — sobretudo porque Portugal ainda vive uma situação de endividamento elevado e de atividade ainda deprimida em alguns setores — mas o governador, Mário Centeno, avisa que Portugal vai ter de “enfrentar a saída das moratórias” bancárias que foram concedidas para mitigar a crise.

“Não podemos, nessa dimensão, ficar isolados da Europa. O resto da Europa já começou esse processo há algum tempo. Portugal também tem vindo a fazer, mas temos de preparar o momento pós-setembro, que marca o momento de saída das moratórias”, considera o governador do Banco de Portugal.

E ninguém pode ficar de fora. “Todos os setores económicos devem retomar o processo de redução do endividamento”, afirmou Mário Centeno na apresentação do relatório de Estabilidade Financeira, do Banco de Portugal, o primeiro de dois relatórios deste tipo que o supervisor entrega anualmente. “A resposta a crise envolveu estado, sociedades não financeiros, famílias e setor financeiro. Assim também deve ser na fase seguinte. Não é possível colocar todo o esforço do ajustamento apenas num destes setores“.

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Um processo que até já foi iniciado, de acordo com o governador do Banco de Portugal. “Neste momento, face aos números mais altos que tivemos de adesão as moratórias, já observámos mais de 12% em crédito a empresas serem retirados de moratória. São 3 mil milhões de euros” a menos, indica Mário Centeno.

E “no caso dos particulares, os números são maiores”, uma vez que “saíram de moratória quase 7 mil milhões de euros de empréstimos às famílias”, afirma o governador. Estão em causa “32% das moratórias que existiam em setembro”.

Ainda assim, o relatório indica que até abril de 2021, “12,1% dos empréstimos a particulares estavam em moratória, o que correspondia a 15,1 mil milhões de euros, 88% dos quais em empréstimos à habitação”.

O fim da moratória pública, previsto para setembro de 2021 (mas entretanto adiado no parlamento, ainda que pendente de uma autorização da EBA), “irá implicar a reposição do serviço de dívida dos particulares, sendo de esperar a materialização de incumprimento por parte de alguns mutuários, designadamente os que tenham tido quebras significativas no seu rendimento”, considera o Banco de Portugal.

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No entanto, o supervisor não se mostra muito pessimista quanto ao incumprimento porque o fim da moratória da Associação Portuguesa de Bancos (APB), em março de 2021, relativa ao crédito hipotecário, “traduziu-se na retoma dos planos de reembolsos para um volume de crédito de 3,7 mil milhões de euros (cerca de 4% do total do crédito à habitação)”.

O relatório nota que é demasiado cedo para perceber com detalhe o impacto destes números na “materialização do risco de crédito, limitação à qual acresce a particularidade de os mutuários terem tido, até dezembro de 2020, a possibilidade de transitar para a moratória pública”.

Mas, com os dados que tem até agora, tudo “aponta para um incremento muito residual” do incumprimento: “Apenas 0,5% do montante dos contratos de crédito hipotecário que foram abrangidos pela moratória da APB registou crédito vencido em pelo menos um mês entre a data de saída de moratória (que pode ser igual ou anterior à data de término) e final de abril de 2021”.

Outro risco identificado pelo Banco de Portugal está relacionado com o mercado imobiliário. O supervisor avisa que, tendo em conta o aumento do valor das casas durante a pandemia, “a relevância deste mercado recomenda o acompanhamento dos sinais de uma eventual sobrevalorização dos preços”.

Há ainda que contar com uma possível “sobrevalorização dos ativos financeiros, os receios em torno da inflação nos EUA e a nova subida das taxas de rendibilidade de títulos de dívida“, nomeadamente “em segmentos de mercado mais alavancados, com menor liquidez e mais expostos a ativos de menor qualidade creditícia”.

O Banco de Portugal está ainda atento à “deterioração da situação financeira das empresas“, que “potencia a materialização do risco de crédito”, bem como ao “elevado endividamento das administrações públicas e o aumento das responsabilidades contingentes, que constituem uma vulnerabilidade no caso da deterioração das condições de financiamento internacionais”.

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