As vantagens de vacinar crianças contra a Covid-19 ainda estão por apurar, dividindo os especialistas entre a prudência e a confiança, que se unem na expectativa de uma recomendação das autoridades de saúde sobre a matéria.
Em declarações à Lusa, Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, da Ordem dos Médicos, considera que, atualmente, “não é uma emergência vacinar as crianças”, porque “a população que está em maior risco é a população adulta”. E, portanto, aconselha “prudência” antes de se recomendar a vacinação universal.
O colégio reclama “evidência sólida” que garanta “que as vacinas são eficazes” e “inteiramente seguras”. Foi isso que deixou expresso o seu representante no grupo de trabalho que já entregou um “documento provisório” para “avaliação e aprovação” das autoridades competentes, no qual verteu as “preocupações” do colégio, “que devem ser consideradas e ponderadas na recomendação que a Direção-Geral da Saúde [DGS] vier a fazer” sobre o assunto.
“Desconhecemos se vai ser aprovado no formato em que está e quando. Mas seguramente que a DGS tem em atenção a urgência de tomar posições claras sobre estes assuntos”, acredita o especialista. Questionada pela Lusa sobre a aguardada recomendação, uma assessora da DGS disse apenas: “Não consigo adiantar nada quanto a timings, temos de aguardar.”
Amil Dias descarta a ideia de se “desatar a recomendar vacinações por uma questão de pânico ou por uma questão de achismo pessoal, sem que haja evidência de que isso traga efetivamente benefícios populacionais”. No mesmo sentido vai José Gonçalo Marques, coordenador da Unidade de Infecciologia e Imunodeficiências do Hospital de Santa Maria e membro da comissão técnica de vacinação da DGS, que respondeu à Lusa por escrito.
“A vacinação de crianças e adolescentes saudáveis deve ser clara nos seus objetivos e ter por base a sua razoabilidade e a proporcionalidade dos custos e riscos de vacinar”, frisa. José Gonçalo Marques recorda que, “no panorama nacional dos internamentos hospitalares por SARS-CoV-2, os menores de 18 anos representam uma ínfima parte“.
Acresce que “a avaliação não está finalizada e surgiram alertas de possíveis complicações cardíacas da vacinação, também muito raras, mas que nos devem fazer aguardar”, avisa. No entender do médico pediatra, a vacinação em menores deve ser feita quando se pode prever que “o benefício esperado excederia em muito os potenciais riscos”.
Além disso, são necessários “mais dados para confiar” na “eficácia duradoura” de vacinar crianças para proteger os adultos, sublinha. “Se a eficácia da vacina for duradoura, cada vaga será cada vez menos expressiva, a não ser que surja uma estirpe totalmente nova — e aí o benefício de ter as crianças e adolescentes imunizados é nulo”, observa.
Se a eficácia da vacina não for duradoura, o esforço de vacinação terá que continuar a ser focado na população em maior risco. Não será possível, nem vantajoso vacinar toda a população, todos os anos”, ressalva.
O médico aborda ainda a dimensão ética da decisão de vacinar ou não as crianças, “sobretudo nesta situação em que o benefício direto pode não ser significativamente superior aos riscos da vacinação, e o benefício indireto ser ainda questionável”. Já o pediatra e epidemiologista Mário Cordeiro considera que “não é bem uma questão ética“, ainda que concordando que “é preciso estudar mais” o assunto.
“O bem ou mal não são chamados para aqui: a questão é se é pertinente, se se justifica, se é adequada e se é segura”, enumera, frisando que não temos, “nem poderíamos ter”, respostas para essas quatro questões, porque tudo “começou há muito pouco tempo”.
Em declarações à Lusa, o pediatra antecipa que as farmacêuticas “não vão brincar em serviço”, acrescentando: “Ainda não há nenhuma empresa que diga podem vacinar a partir do nascimento, mas, por exemplo, já se está a perceber que isto vai assim, às apalpadelas, que se podem vacinar grávidas, mulheres que estejam a dar de mamar…”.
Lembrando que “as vacinas são, no geral, (…) utilizadas em qualquer idade, especialmente na infância”, Mário Cordeiro observa que este vírus, “quando não encontra um grupo etário suscetível, vira a agulha para outro”. Estando os mais velhos já vacinados, “pode-se fantasiar que a seguir a este grupo, dos 20-30, que é agora o grupo-alvo maior, se estes estiverem vacinados, o vírus se volte para os mais novos”, alerta.
Também Paula Leiria Pinto, imunoalergologista no Hospital D. Estefânia, considera que “a vacina deve ser administrada nas crianças de qualquer idade, desde que se tenha comprovado a sua eficácia”. No seu entender, “é o caso” das vacinas contra a Covid-19 e, por isso, “deve-se avançar com a campanha de vacinação nos grupos etários pediátricos“.
Para Paula Leiria Pinto, os benefícios da vacinação dos mais novos são muitos: “Os surtos estão a ocorrer nas escolas e em ambientes em que há a socialização de jovens, o que é natural, e, portanto, se eles estiverem protegidos, há menor risco de transmissão” à população em geral.