A inspeção-geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS-OIG) dos Estados Unidos vai rever o processo de autorização acelerado da autoridade do medicamento (FDA, Food and Drug Administration) — o mesmo que levou à polémica aprovação do medicamento da Biogen para a doença de Alzheimer —, noticiou o STAT News. A própria comissária interina da FDA, Janet Woodcook, havia solicitado uma inspeção deste tipo.
Given the ongoing interest and questions, today I requested that @OIGatHHS conduct an independent review and assessment of interactions between representatives of Biogen and FDA during the process that led to the approval of Aduhelm. pic.twitter.com/iWJNxdZ5Cs
— Dr. Janet Woodcock (@DrWoodcockFDA) July 9, 2021
A revisão vai ser feita ao procedimento de autorização acelerado de forma geral, um mecanismo que deveria servir para facilitar a entrada no mercado de medicamentos contra doenças graves e que ainda não têm nenhum tratamento disponível — o que acontece, muitas vezes, nos tratamentos contra o cancro. A HHS-OIG vai analisar políticas e procedimentos, mas não a validade científica da decisão. O objetivo é verificar se estes procedimentos deixam margem para relações inapropriadas entre o regulador e as farmacêuticas.
O pedido de Janet Woodcook, por sua vez, foi feito especificamente por causa do medicamento Aduhelm, da Biogen, depois da reportagem do STAT News denunciar o esquema concertado da empresa para conseguir uma decisão favorável por parte da FDA e a ligação a, pelo menos, um contacto privilegiado dentro da agência.
Dados fracos, custos elevados. A polémica aprovação do medicamento para o Alzheimer
A aprovação do medicamento da Biogen foi inesperada e levou à demissão de, pelo menos, elementos do Comité Consultivo do Sistema Nervoso Periférico e Central da FDA porque não houve um único voto positivo no parecer entregue pelo comité à FDA.
Os pareceres não são vinculativos, mas são normalmente orientadores, especialmente com um tão declarado parecer negativo: nenhum dos especialistas considerou haver provas inequívocas de eficácia do medicamento no abrandamento do declínio cognitivo. Mais, os ensaios clínicos tinham sido interrompidos em 2019 porque o medicamento se mostrou “inútil”, ou seja, não estava a mostrar qualquer benefício.
No entanto, uma conversa informal (que pode vir a fazer parte da inspeção) entre Al Sandrock, da Biogen, e Billy Dunn, do gabinete de Neurociências da FDA, fez com que o segundo se tornasse um defensor do medicamento. Segundo o STAT News foi a própria FDA a propor que a farmacêutica tentasse uma aprovação acelerada, ou seja, ensinou à empresa que passos dar para levar o objetivo a bom porto.
O comité independente, no entanto, nem sequer fazia ideia que a possibilidade de autorização acelerada estava em cima da mesa ou que a redução na quantidade de proteína amiloide podia ser usada como alternativa a uma avaliação real da melhoria cognitiva prometida pela empresa, mas que os ensaios clínicos não conseguiram detetar. Segundo o STAT News, Billy Dunn terá dito exatamente o contrário ao comité: que essa medida alternativa não seria considerada.
Depois, não só a FDA aprovou o medicamento sem provas sólidas de que poderia trazer benefícios, como o aprovou para um conjunto alargado de doentes — todos os doentes com Alzheimer —, muito mais alargado do que tinha sido testado nos ensaios clínicos da empresa — pessoas com declínio cognitivo moderado. Cerca de um mês depois, a decisão foi revertida e o medicamento só está autorizado para este grupo mais restrito.
Claro que uma autorização acelerada não é a aprovação final e a empresa terá de completar um novo ensaio clínico onde comprove a eficácia do medicamento na melhoria do estado cognitivo dos doentes. Mas poderá demorar até nove anos a fazê-lo e, durante esse tempo, continuar a vender o produto mesmo que no fim se prove que não tem qualquer benefício para os doentes.
Mesmo a revisão da HHS-OIG levará o seu tempo e não estará completa antes de 2023. Entretanto, seguradoras e serviços de saúde debatem-se com o facto de a FDA ter aprovado um medicamento que não dá garantias de benefício e que custa 56 mil dólares (cerca de 46 mil euros) por ano — ainda que o Instituto de Revisão Clínica e Económica tenha dito que uma boa relação custo-benefício ficaria entre os 2.500 e 8.300 dólares por ano (cerca de 2.000 a 6.800 euros). Muitos profissionais de saúde e clínicas ouvidos pela Time dizem que não vão prescrever o medicamento até que a investigação termine.