A nova variante AY.4.2, uma sublinhagem da variante Delta, está na mira da Agência de Segurança Sanitária do Reino Unido (antiga Public Health England) devido à “trajetória ascendente” em Inglaterra. O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) também já detetou casos em Portugal desta variante que têm duas mutações adicionais em relação à sublinhagem de origem (AY.4).

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Qual é o motivo da preocupação?

Uma “sublinhagem da variante Delta, designada AY.4.2, está em expansão em Inglaterra”, informaram as autoridades num relatório onde se garante que estão a ser monitorizados os contágios para perceber se esta variante tem ou não características significativamente diferentes da forma original da Delta.

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A preocupação com esta nova variante surge numa altura em que os novos casos diários no Reino Unido atingiram valores que não se registavam desde julho — quase 50.000 novos casos no início da semana. O Reino Unido é o país europeu com maior número de novos casos diários.

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A 9 de outubro, foram associados à AY.4.2 cerca de 9% das amostras analisadas em Inglaterra2.411 sequências genéticas de AY.4.2 contra 24.605 da variante Delta (sem esta sublinhagem), no cumulativo das duas semanas anteriores. A linhagem-mãe, AY.4, representava 77% e 20.856 genomas analisados nesse período.

Apesar de estar a aumentar a frequência, a AY.4.2 não o está fazer de uma forma tão acelerada como aconteceu com a variante Delta [linha e sombra a verde no gráfico], quando invadiu o país e dominou sobre a variante Alpha [sombra azul].

Proporção da sublinhagem AY.4.2 em Inglaterra

A variante Alpha (azul), dominante no início do ano em Inglaterra, foi rapidamente substituída pela Delta (verde). A sublinhagem AY.4.2 da variante Delta (amarelo) surgiu no verão — Covid-19 Genomics UK consortium

Mais, apesar de estarem vigilantes, as autoridades ainda não classificaram a variante como estando “sob investigação” ou “variante de interesse” — as designações oficiais que denotam a preocupação —, destacou o jornal The Herald.

A nova variante é mais transmissível?

Neste momento, as características da AY.4.2 ainda estão a ser estudadas, mas os primeiros dados apontam que possa ser 10% mais transmissível do que a forma original do vírus identificada em Wuhan, na China. Longe dos 50 a 60% de aumento de transmissibilidade que assistimos com a variante Alpha e Delta.

O crescimento desta nova variante não explica o aumento significativo das novas infeções no Reino Unido, destaca Francois Balloux, diretor do Instituto de Genético da University College de Londres, ao jornal The Guardian. Tendo em conta os dados conhecidos, não explicaria mais do que 1% do aumento de casos em cada cinco dias.

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Ravi Gupta, professor de Microbiologia Clínica na Universidade de Cambridge, diz que as autoridades se deviam preocupar menos com as mutações e mais com o facto de haver uma transmissão descontrolada do vírus no país. A cobertura vacinal não é alta o suficiente, as crianças não estão vacinadas e voltaram à escola (levando depois o vírus para casa) e a variante Delta é conhecida por se conseguir escapar melhor à proteção conferida pelas vacinas.

O que tem de diferente a AY.4.2?

A AY.4.2 foi identificada no Reino Unido já em julho, pouco depois de a variante Delta (B.1.617.2) se tornar dominante no país. Alguns órgãos de comunicação social britânicos já a apelidaram de Delta Plus, mas esta designação é indiscriminadamente usada com as sublinhagens de Delta, incluindo com aquela que chegou a ser chamada de variante nepalesa — que mais não era que a variante Delta com uma mutação adicional, a K417N.

A nova variante distingue-se da sublinhagem original AY.4, a sublinhagem da variante Delta mais frequente no Reino Unido (também mais frequente em Portugal), graças à combinação de duas mutações adicionais: a Y145H e a A222V. Ainda não se sabe que impacto poderão ter estas mutações no desempenho do vírus, mas sabe-se que não estão localizadas no local onde o vírus se liga às células humanas ou onde os anticorpos (desencadeados pela vacina) se ligam ao vírus.

Na minha cabeça, estas não são realmente mutações significativas”, disse Ravi Gupta, da Universidade de Cambridge.

“A A222V já tinha sido vista noutras linhagens da Delta”, diz Ravi Gupta, professor na Universidade de Cambridge, ao jornal The Guardian. “Não tem um efeito realmente grande no vírus.”

Mutações semelhantes à Y145H já tinham sido encontradas noutras variantes, como a Alpha, e prevê-se que possam ter um efeito na forma como os anticorpos se ligam (ou não) ao coronavírus. Ravi Gupta diz que o efeito será, no máximo, modesto.

Ambas as mutações já tinham aparecido noutras variantes, mas com uma frequência baixa. A primeira vez que apareceram combinadas na mesma variante foi já em abril de 2020, diz Francois Balloux, da University College de Londres. “Nenhuma [destas mutações] foi encontrada nas Variantes de Preocupação”, acrescenta.

Que outras mutações estão a ser analisadas?

No relatório, a Agência de Segurança Sanitária do Reino Unido diz também estar a analisar a variante Delta com a mutação adicional E484Q (com 257 genomas analisados até 11 de outubro em Inglaterra e 1.072 nos Estados Unidos) e Delta com a mutação E484K (com 56 genomas analisados no Reino Unido e 454 a nível internacional).

A mutação E484K tornou-se conhecida por estar presente nas variantes Beta (da África do Sul) e Gamma (do Brasil), mas já tinha sido descrita como mutação adicional da Delta no Reino Unido. Ambas as mutações da proteína spike na posição 484 do genoma aumentam a possibilidade de o vírus se conseguir escapar aos anticorpos neutralizantes.

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O Reino Unido está também a monitorizar a evolução da variante Delta com a mutação adicional K417N (até 11 de outubro com 151 genomas analisados).

Existirem sublinhagens é razão de preocupação?

Só em Portugal já foram detetadas 32 sublinhagens da variante Delta, entre as quais se destaca uma que tem a mutação adicional K417N, agora chamada de AY.1, e que o Reino Unido chegou a usar como justificação para limitar as ligações aéreas com Portugal.

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Todas as sublinhagens da variante são definidas com base na proximidade genética (mutações semelhantes, por exemplo) ou epidemiológica (quando estão associadas a um mesmo surto, por exemplo) e são nomeadas com o código AY seguido de um código numérico.

O objetivo é facilitar a monitorização da dispersão do vírus e detetar precocemente as variantes de interesse — isto porque nem todas as mutações implicam uma mudança de função que torne o vírus mais bem adaptado a infetar as células humanas.

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A sublinhagem AY.1 é um bom exemplo disso. A mutação K417N tinha o potencial de aumentar a capacidade de infeção do vírus na presença de outras mutações, mas, recentemente, uma equipa de investigadores chineses verificou que a mutação tornava o vírus mais suscetível aos anticorpos desenvolvidos como resposta à vacina contra a Covid-19.

Em Portugal, foram analisadas 66 sequências genéticas que correspondiam a AY.1, mas desde meados de agosto que esta sublinhagem não é detetada na monitorização genética conduzida pelo Insa, segundo os relatórios divulgados pelo instituto.