A Fiscalia Anticorrupção, um órgão espanhol comparável ao Ministério Público, acusou uma filial da elétrica Iberdrola de ter manipulado o mercado ibérico de eletricidade para fazer subir os preços e obter um ganho extraordinário. A operação investigada ocorreu em 2013 e terá, nas contas do Ministério Público espanhol, provocado um prejuízo aos consumidores, empresas comercializadoras e seguradoras de mais de 100 milhões de euros.
De acordo com a acusação citada pelo jornal El Pais, a Iberdrola Generación, filial da Iberdola, operou um sistema para elevar o preço da energia que vendia e que deveria resultar da livre concorrência. A justiça espanhola defende a aplicação de uma multa de 85 milhões de euros à elétrica e a condenação a penas de prisão de dois anos para quatro diretores da empresa. Cabe agora à Audiência Nacional, um tribunal de instrução criminal, decidir se o caso vai para julgamento.
A acusação diz que o sistema, que esteve em vigor entre 30 de novembro e 23 de dezembro de 2013, colocava ofertas acima do preço do mercado diário, impedindo o casamento entre a procura e a oferta. Isto apesar dos preços grossistas no mercado spot permitirem vender essa energia a um preço marginal ótimo. “Esta situação determinou a retirada de programação das centrais hidroelétricas que suspenderam a produção de energia”, refere a divisão anticorrupção do ministério público espanhol.
Com a retirada das centrais hídricas que estavam a produzir a preços mais baixos, a Iberdrola ganhou mais dinheiro ao vender a energia mais cara das centrais de ciclo combinado (a gás natural). Para a justiça espanhola, esta operação foi um “artifício” com o objetivo de “alterar o preço”, prejudicando os consumidores e obtendo um ganho adicional de 21 milhões de euros.
Algumas das barragens visadas nesta investigação estão no território espanhol dos rios Douro e Tejo. A Iberdrola começou este ano a explorar o complexo hidroelétrico do Alto Tâmega em Portugal.
O mercado diário é o polo espanhol do Mibel (mercado ibérico da eletricidade) cujas transações e cotações servem também de referência para Portugal onde funciona o polo do mercado a prazo da eletricidade, pelo que esta prática terá também prejudicado consumidores nacionais. O Observador questionou os reguladores portugueses da energia e do mercado financeiro, a ERSE e a CMVM, que fazem parte dos reguladores do Mibel para saber se existe alguma investigação sobre este tema.
A gestão de ofertas atribuída pela justiça espanhola à Iberdrola remete para uma prática imputada à EDP entre 2009 e 2013. A elétrica portuguesa também foi investigada pela substituição da capacidade hídrica por centrais a gás, maximizando os ganhos obtidos com a venda de energia a preços de mercado por parte das suas centrais de ciclo combinado.
Auditoria confirma subida anormal das margens em centrais da EDP entre 2012 e 2013
Esta situação, denunciada pelos reguladores da energia e da concorrência em Portugal, incidia também sobre a oferta dos serviços de sistema, um mercado secundário em que as elétricas disponibilizam capacidade que fica de reserva para assegurar que existe um equilíbrio constante entre a oferta e a procura. Esta reserva é frequentemente oferecida pelas centrais hídricas que, no caso da EDP, estavam num regime contratual dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), o que limitava as receitas que podiam receber.
O caso em Portugal não foi tratado na justiça. Começou por ter uma intervenção política que limitou os preços do serviço de sistemas e mais tarde valeu uma condenação à EDP por abuso de posição dominante por parte da Autoridade da Concorrência à qual correspondeu uma multa de 48 milhões de euros em 2018. Houve também uma decisão administrativa, validada pelo Governo, de reter o pagamento de 82 milhões de euros à elétrica, ao abrigo dos CMEC, por pagamentos excessivos feitos no passado.
EDP condenada a multa de 48 milhões por abuso de posição dominante na produção de energia