“Declaro a extinção da Fundação José Berardo”. E é assim que com a assinatura do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, o Governo dá cumprimento ao que já tinha comunicado pretender fazer. A Fundação José Berardo é extinguida a mando do Governo, o que é a primeira vez que acontece com uma fundação privada.

Com este despacho, publicado esta terça-feira em Diário da República, a extinção prossegue, ficando a administração da Fundação “limitada à prática de atos meramente conservatórios do património fundacional e proibido de praticar atos que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens, participações sociais ou financeiras e, bem assim, a assunção de novas responsabilidades”.

Determina-se ainda que qualquer ato que “se revele essencial para assegurar a proteção do património fundacional ou o cumprimento de obrigações a que a Fundação José Berardo se encontre adstrita carece de autorização prévia da entidade competente para o reconhecimento.” Caso haja atos em violação desta determinação, “não vinculam a Fundação José Berardo perante terceiros”, além de que “os administradores respondem, pessoal e solidariamente, pelos atos que praticarem e pelos danos que deles advenham, em violação das regras anteriores”.

O procedimento de extinção por parte do Governo iniciou-se em janeiro, depois de um relatório da Inspeção-Geral das Finanças ter concluído que a entidade promovia atividades fora do seu âmbito de atuação legal, conforme avançou o Observador.

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Governo vai extinguir Fundação Berardo. É a primeira vez que o Estado acaba com uma fundação privada

Uma decisão do tribunal da Madeira suscitou dúvidas sobre a compatibilidade do objeto social da Fundação com o investimento “de risco” associado à aquisição de ações, tendo comprado, entre outros, títulos do BCP, através da contração de avultados créditos junto da Caixa Geral de Depósitos. Com base na decisão judicial, a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) realizou uma auditoria à entidade, no âmbito da qual “foram recolhidos elementos que indicam que o fim real da Fundação não coincide com o fim previsto no ato de instituição, o que constitui causa de extinção de fundações privadas por parte da entidade competente para o reconhecimento”. Junta-se a esta auditoria da IGF a apreciação feita pelo Ministério Público — Procuradoria da República da Comarca do Funchal aos estatutos da Fundação, a pedido do Governo, que acabou por ter conhecimento da auditoria das IGF nesse âmbito.

O que determinou o procedimento de extinção por parte do Governo, que agora é plasmada em Diário da República que assume também que “as atividades desenvolvidas pela Fundação José Berardo demonstram que o fim real não coincide com o fim previsto no ato de instituição.”

E perante o despacho, que tem data de 11 de julho, a administração da Fundação tem de entregar à secretaria-geral da PCM no prazo de 10 dias úteis “os livros e os documentos de prestação de contas, devidamente organizados, incluindo as contas relativas ao exercício de 2021, aprovadas nos termos da lei, bem como o relatório de gestão e as contas intercalares relativas ao exercício de 2022, reportadas ao período de 1 de janeiro até à data da extinção da Fundação José Berardo”. Além de se requerer a identificação dos trabalhadores da Fundação e a natureza dos respetivos contratos e remunerações e a identificação de “eventuais beneficiários” da Fundação.

Além disso exige-se ainda a entregue:

  • Do rol detalhado do ativo da Fundação José Berardo, nomeadamente de bens, móveis ou imóveis, participações sociais e financeiras (ou, de quaisquer instrumentos derivados ou equivalentes) e, bem assim, de todas as contas bancárias e de títulos, de que a Fundação José Berardo seja titular única ou em conta conjunta com outras entidades;
  • Rol detalhado do passivo, incluindo o passivo emergente dos contratos em que a Fundação José Berardo seja parte, nomeadamente, aqueles que impliquem responsabilidade financeira, indicando ainda as eventuais datas de vencimento das correspondentes obrigações;
  • Rol detalhado das garantias, reais ou pessoais, prestadas pela Fundação José Berardo a entidades que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo com a Fundação José Berardo, a membros ou ex-membros dos órgãos sociais da Fundação José Berardo ou dessas entidades, ou a quaisquer terceiros, com indicação dos beneficiários das garantias, da relação subjacente à prestação das garantias, bem como dos bens onerados com essas garantias;
  • Rol detalhado dos instrumentos de representação voluntária outorgados pela Fundação José Berardo, eficazes na presente data, com indicação do representante, do conteúdo e da duração dos poderes representativos;
  • Rol detalhado dos contratos com todas as entidades, nomeadamente instituições de crédito ou sociedades financeiras, em que a Fundação José Berardo seja parte;
  • Rol detalhado dos processos judiciais e procedimentos administrativos pendentes, em que a Fundação José Berardo seja parte ou interessada, com identificação do concreto processo ou procedimento, da fase processual em que se encontra, dos sujeitos processuais, dos litígios envolvidos e dos valores (estimados) das dívidas ou créditos litigiosos.

A Fundação Berardo já tinha declarado ao Observador, através do seu advogado, Paulo Saragoça da Matta, que o procedimento de início de extinção é “ilegal e injusto”, acrescentando mesmo haver uma perseguição a Joe Berardo. E que iria tentar contestar essa decisão.

Fundação Berardo notificada da intenção de extinção que diz ser injusta e ilegal

Depois do início do procedimento de extinção, o Governo teve de ouvir o Conselho Consultivo das Fundações que no parecer não vinculativo, segundo noticiou o Público, pediu ponderação nessa extinção. Segundo essa notícia o parecer dizia que “existe incerteza em relação aos efeitos de um acto administrativo de extinção, designadamente decorrente da liquidação do património da ‘FJB’ [Fundação José Berardo], assim como aos efeitos de eventual insolvência para os interesses do Estado, incluindo sobre a Colecção Berardo”. Também ao Público, e já depois de noticiado o parecer, Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, tinha garantido que a extinção era mesmo para avançar.

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