A Fundação José Berardo, do empresário madeirense com o mesmo nome, constava da lista das entidades que podiam receber dos contribuintes uma parte do IRS, no âmbito da consignação que permite entregar 0,5% do IRS que reverteria para o Estado a uma entidade religiosa ou de beneficência. A Fundação não informou a Autoridade Tributária (AT) que tinha perdido o estatuto de IPSS em 2019.

E, por isso, constava da primeira lista publicada para o IRS referente a 2021, cujas declarações começam a ser entregues a 1 de abril. Mas depois do contacto do Observador, questionando a inclusão na lista de uma entidade que perdeu o estatuto de IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social), o nome da Fundação José Berardo foi retirado e uma nova listagem foi publicada com data de 15 de março, o dia em que o Observador enviou as perguntas para o Governo.

A AT, que responde via Ministério das Finanças, garante que retirou a Fundação José Berardo da lista de 2021, tendo o mesmo sido feito em relação à listagem de 2019 e 2020. O Fisco diz que a Fundação não avisou a AT sobre a perda do estatuto de IPSS, e por isso ainda chegou a estar incluída na lista. Mas, depois das questões do Observador, a AT garante que confirmou “a declaração de cancelamento do registo da Fundação José Berardo como IPSS do âmbito da segurança social” e, como tal, “já procedeu à retirada da mesma da lista de 2021 e vai também retirá-la das listas de 2020 e 2019”.

Mais. O Fisco vai “promover à correção e regularização das situações de eventuais consignações de IRS verificadas nesses anos”, não tendo sido possível até ao momento apurar se a Fundação José Berardo recebeu algum dinheiro por via da consignação de IRS ou IVA.

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Esta retirada das listas acontece no mesmo dia que o Observador questionou o Governo sobre a razão de ainda constar a Fundação José Berardo da listagem, depois de, no final de 2019, o Instituto da Segurança Social da Madeira (ISSM) ter procedido ao cancelamento do registo como IPSS, por “falta de exercício, durante um período de três anos, de atividades necessárias à realização dos fins de segurança social”, conforme o Público noticiou.

Ora, com sede na Madeira, e tendo a Fundação comunicado à AT “a sua natureza da IPSS”, foi incluída na lista. O Fisco explica ao Observador que foi “comunicada à AT a sua natureza de IPSS” e foi “apresentado o pedido, com a prova dos respetivos requisitos, para integrar a lista das entidades beneficiárias para efeitos de consignação do IRS, tendo o pedido sido deferido”. Por ter sede na Madeira não consta da lista das IPSS divulgada pela Segurança Social do Continente.

De acordo com as regras, é a entidade que pretende beneficiar dessas consignações que tem de provar, junto da AT, o seu registo como IPSS e requerer o benefício. “Caso as entidades beneficiárias da consignação não reúnam em qualquer dos anos subsequentes ao requerimento inicial as condições exigidas para poderem beneficiar da consignação da coleta do IRS, devem comunicar esse facto à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) até 31 de dezembro do ano a que respeita a coleta a consignar”, o que, segundo o Fisco, “não se verificou no caso presente, não tendo a AT recebido qualquer comunicação nesse sentido”.

É por isso que, não tendo recebido essa informação por parte da Fundação, o Fisco retirou-a das listas dos três anos 2019, 2020 e 2021. E vai também, “paralelamente, promover à correção e regularização das situações de eventuais consignações de IRS verificadas nesses anos”.

Conforme noticiou o Observador, o Governo iniciou já o pedido de extinção da Fundação José Berardo, depois de um relatório da Inspeção-Geral das Finanças ter concluído que a entidade promovia atividades fora do seu âmbito de atuação legal. O procedimento administrativo com vista à extinção foi iniciado oficiosamente a 5 de janeiro de 2022.

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Já antes deste procedimento, a Fundação José Berardo — cujo património atual se desconhece — tinha perdido o estatuto de IPSS, em resultado da Inspeção-Geral das Finanças. O Instituto da Segurança Social da Madeira (ISSM) cancelou o registo como IPSS da entidade por “falta de exercício, durante um período de três anos, de atividades necessárias à realização dos fins de segurança social”. Em 2017, o valor afeto aos fins estatutários equivalia apenas a 0,1% dos ativos, ou seja, 599 mil euros, lê-se na síntese de resultados da auditoria da IGF que ainda identificou “despesas sem conexão com as finalidades de cariz social da fundação/IPSS e/ou em benefício direto de familiares do fundador (250 mil euros), sem enquadramento nos estatutos e na lei”.

A 31 de dezembro de 2017, segundo a mesma inspeção, “o ativo líquido da Fundação totalizava 481,8 milhões de euros, traduzindo uma redução de 255,8 milhões face a 2016 e de 757,3 milhões face a 2011, originado sobretudo pelo decréscimo do valor dos investimentos financeiros”. As atividades principais “desenvolvidas consistiram na realização de operações financeiras com risco de mercado elevado (isto é, aquisição de ações/participações de capital), com contração de empréstimos avultados (980 milhões em dívida no final de 2017), o que agravou o seu rácio de endividamento para 207%”. Conclui a IGF que “a Fundação não cumpriu algumas obrigações previstas no Estatuto das IPSS e na Lei-Quadro das Fundações”. E com base nisso o Governo avançou com o procedimento de extinção, não tendo ainda concluído o projeto de decisão final, disse a Presidência do Conselho de Ministros ao Observador. O advogado da Fundação, Paulo Saragoça da Matta, tinha afirmado ao Observador que esse é um procedimento ilegal e injusto.

Fundação Berardo notificada da intenção de extinção que diz ser injusta e ilegal

Esta foi a lista publicada a 24 de fevereiro de 2022 onde ainda consta o nome da Fundação José Berardo, como entidade que poderia receber a consignação do IRS (página 84).

Esta é a lista que está agora disponível, e que tem data de 15 de março de 2022, na qual já não consta a Fundação José Berardo.

Na listagem continua a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, uma parceria público-privada, que tem como incumbência a criação, gestão e organização do Museu Coleção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea, instalado no Centro Cultural de Belém. Mas esta não está sob processo de extinção nem perdeu o estatuto.

O Observador consultou as listas referentes aos anos de 2020 e 2019 que constam do Portal das Finanças e a Fundação José Berardo já não consta em qualquer delas.