Com tantas praias incríveis au Portugal, precisamos dos jornais estrangeiros para nos ajudar. Quando há uns meses o The Guardian elogiou a Praia das Bicas (que fica na zona do Meco, em Sesimbra) como uma das melhores da Europa, eu própria fiquei de pulga atrás da orelha. Nunca lá tinha ido, fiquei com ganas e nada melhor que um pretexto de trabalho para me forçar a arranjar um buraco na agenda.

Em geral, e se não estivermos nas Caraíbas ou a fazer posts nas Maldivas, as praias são um poema de Rui Reininho e conseguimos gozá-las melhor quando o percebemos, deixem-me que vos diga. É um dos grandes poetas portugueses e se não ainda não repararam, mais vale nunca mais crescer.

Chegamos à praia, seguido o GPS, embora existam placas a indicar o caminho. Por zonas de pinhal, num alcatrão estragado pelas raízes das árvores e mastigado pelo uso, subimos, descemos, e mal começamos a ver os pequenos bungalows do Campimeco à nossa direita, podemos começar a pensar estacionar o carro (gratuitamente).

Num dia quente fui lá passar a manhã. De sacola ao ombro, circulando pela poeira, vamos andando na direção do mar, porque a praia é lá em baixo, falta descer os 160 degraus (também podem ser 159 ou 161, não sei se contei com precisão) até ao areal, através de umas escadas de aspeto robusto e recente. Os degraus (que terão de ser subidos quando viermos embora) têm um lado dissuasor como é de esperar, mas prefiro pensar que é uma forma grátis de fazer exercício que aconselho toda a gente. Procurando não tropeçar com as minhas mules de ráfia compradas numa rua de Casablanca, olho para baixo e penso que é difícil perceber no imediato o que o The Guardian viu na Praia das Bicas. Leve levemente como quem chama por mim, há brinquedos na areia, marés que sobem, pássaros estúpidos a esvoaçar, pulgas nos cães e pequenas dunas que são como divãs. Não que visse algum defeito, mas porque as nossas praias são um caso evidente dessa grande máxima universal do “não sabemos a sorte que temos”.

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Na Praia das Bicas encontrei muitas pessoas com tatuagens, cães e um espaçoso areal até ao oceano. Como quase tudo é melhor com companhia, levei  um amigo que me andava a falar há meses num almoço inesquecível no restaurante que há por cima da praia, o Hangar do Peixe. E assim foi, chegamos bem cedo, largamos o carro junto ao parque de campismo e passamos no restaurante a caminho das escadas, que ainda estava fechado. Não foi uma questão, porque uma empregada que limpava, chamou outro, que chamou outro, que telefonou a outro e assim marcamos mesa para daí a umas horas.

Já com os pés na areia fina, foi só escolher o melhor local onde depositar as cadeiras que trazíamos, o que não faltava era espaço. A Praia das Bicas tende a ser abrigada do vento, como sabemos o inimigo número um do veraneante. Num dos lados é uma espécie de baía, com rochas gigantes a protegerem-nos o banho de demasiada rebentação. Do outro, a praia prossegue e o que o The Guardian não diz é que se formos andando para a direita, chegamos a uma zona da praia naturista e está tudo bem, para quem pratica.

Como em qualquer praia lusitana, na Praia das Bicas não há muito que fazer a não ser apanhar sol, tomar banho no mar e observar. Efetivamente escutei as conversas sem moralizar porque no fundo passamos o tempo olhando uns para os outros, tirando conclusões, embora sem o talento de Rui Reininho. Escondida por um enorme chapéu de palha com uma fita azul, comentei com o meu amigo que só os velhos e as crianças usam chapéu, ao que ele respondeu espirituosamente que talvez o chapéu seja sentido como uma fralda. Logo tratei de tirar o meu, horrorizada com a analogia e fui tomar um banho revigorante num mar forte e com personalidade. Ao longe, alguns surfistas faziam o que podiam, sem chatear ninguém. Quando voltei para a minha cadeira, uma família de sósias de Yannick Noah distraiu-se e viu o mar molhar-lhes as toalhas e sapatos, o que eles acolheram com um certo espírito divertido e me fez cantar entredentes “E vamos pá’ piscina, todos na piscina (pam-pará, pam-pará).”

A praia tem espreguiçadeiras para alugar (que palavra maravilhosa, mon Dieu), um pequeno bar de madeira confuso, com minis e cocktails e nadadores salvadores (para quando um portmanteau, tipo “nadsal” ou “nadasalvas”?) de ar aborrecido por não terem, felizmente, ninguém para salvar.

Todos ignoramos os inúmeros cães que por ali há, porque são obedientes aos donos e sempre nos permitem uma certa distração, vendo-os a irem buscar bolas ao mar ou a sacudir a água do pelo. Homens baixotes com barriguinha conversam com mulheres de meia-idade com peso a mais e tatuagens desbotadas fazem a sororidade do bronzeado, enquanto pessoas enlameadas passam (acreditam que as lamas que há algures por ali têm poder terapêutico e quem sou eu para duvidar). Não estamos em Ibiza e ainda bem, como sublinha a música desinteressante e baixinha que sai do pequeno bar de madeira.

Perto da uma da tarde, subidos os 160 degraus, recuperamos fôlego sentados no Hangar do Peixe, no topo da falésia. O meu amigo é daqueles que conhece os empregados pelo nome, o que nos valeu uma mesa com vista total sobre o Atlântico (quase até à América!), juntinho à parte da encosta onde praticantes de parapente passam rumo ao sítio de onde saltam.

O Hangar do Peixe é agora explorado pela mesma equipa do Bar do Peixe, que fica noutra praia da zona e ardeu por completo no final do ano passado. Como todos os restaurantes especializados em peixe, no Hangar só há mesas, cadeiras, pratos, talheres e comida extraordinária, não havendo necessidade de estar com decorações ou efeitos especiais para animar as pessoas. Que tenha reparado, não vi quadros de ardósia a anunciar cocktail à la mode e bonequinhos cómicos desenhados a giz amarelo ou as cadeiras laranja da Aperol e não me fizeram falta porque tivemos um almoço simplesmente maravilhoso, sentados numas cadeiras que uma cervejeira com certeza ofereceu (fico sempre admirada como os restaurantes em Portugal se vendem por tão pouco, mas talvez seja da minha costela snob). A nossa haute cuisine é mesmo essa: poisson frais, o calor das brasas e algum azeite e pão. Abrimos o apetite com amêijoas enormes (19 euros) antes de nos dedicarmos a um peixe chamado cantaril que nunca tinha comido (e estava maravilhoso, 50 euros/kg), escoltados por dois jarros de sangria branca (a 20 euros cada). Fomos falando sobre a vida, enquanto o sítio enchia, metade portugueses, metades pessoas da Europa, alguns brasileiros pelo que ouvi. O meu amigo, que é do mundo das artes e conhece toda a gente nas televisões diz-me que a população ali é diferente da do Bar do Peixe original, mas por mim achei tudo encantador, até porque olhava para o oceano por uma espécie de vidraças anti vento que em boa hora foram colocadas na esplanada. Quem não gosta de peixe tem picanha do Uruguai (20 euros) ou um magnífico prego da vazia (18) e escrevo magnifico porque horas mais tarde, partilhamos um enquanto bebíamos um Mojito (a 7 euros) e roubávamos batata frita um aos outro. Sabendo que eu ia escrever sobre este dia, o meu amigo pede que diga aos leitores que é necessário marcar, consultem os contactos nas redes sociais.

No Hangar não há baldes de champagne em cada mesa, música insana, homens ruidosos, top models ou outras mulheres cheias de bling nem há uma certa agressividade eletrizante, mas esta calma e sentido familiar é bem capaz de ser das melhores coisas que há em Portugal.

Quando fomos embora, ia feliz por um dia magnifique, embora cansada, a pensar que já não vou para nova. Numa premonição, dei por mim a cantar,  “Aos dezasseis é só de uma vez, tens o desgosto de vestir como os dj’s, e com dezasseis, já falta pouco para sentir noventa e seis”.

Nota: esta não é uma praia de Instagram. Não que lhe falte beleza natural, mas na areia simplesmente a rede é fraca ou mesmo fraquíssima.

Um problema? Au contraire, mes amis, au contraire.

Patrícia Le Mans estudou Filosofia e Moda. Gosta de queijo, champagne e de ameîjoas à Bulhão Pato. Tem mãe portuguesa, pai francês, vai flutuando entre Lisbonne e Paris e escrevendo para o Experimentador Implacável.