O Chega foi afastado da comitiva de partidos que acompanha o presidente da Assembleia da República a Kiev, na Ucrânia, e substituído pelo Bloco de Esquerda. É a primeira vez que o partido liderado por André Ventura fica fora de uma viagem oficial após Augusto Santos Silva ter decidido sancionar o Chega devido à atitude dos deputados durante o discurso de Lula da Silva no Parlamento.
A nota enviada pelo gabinete do presidente da Assembleia da República dá conta de que a visita oficial, realizada a convite do presidente do Conselho Supremo da Ucrânia, acontece com uma delegação parlamentar composta por deputados de quatro grupos parlamentares representados: Eurico Brilhante Dias, do PS, Jorge Paulo de Oliveira, do PSD, João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, e Isabel Pires, do Bloco de Esquerda.
O Chega, mais precisamente André Ventura, não seguiu com a delegação escolhida por Santos Silva para ir para Kiev, mas a primeira previsão era outra: o partido estava na comitiva e foi o protesto contra Lula da Silva que levou a uma alteração de última hora — as novas sanções aplicadas ao Chega foram colocadas em vigor de imediato e o presidente do Parlamento inverteu as intenções e convidou o Bloco para substituir Ventura.
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O Observador apurou junto de deputados de vários partidos que, há cerca de um mês, na conferência de líderes em que foi abordado o tema da viagem à Ucrânia, foi comunicado que seriam PS, PSD, Chega e IL a acompanhar Santos Silva a Kiev. Aliás, esta decisão alterou o método informal utilizado pelo presidente da Assembleia da República para escolher quem o acompanha nas viagens oficiais: sempre um representante do PS e do PSD e, rotativamente, a presença de deputados dos restantes grupos parlamentares — Chega, IL, PCP e BE.
Nas últimas duas deslocações encabeçadas por Santos Silva tinha sido seguido o habitual critério: ao Japão foi uma comitiva composta por Jorge Gabriel Martins (PS), Afonso Oliveira (PSD), Alma Rivera (PCP) e Pedro Filipe Soares (BE) e à Suíça seguiu uma delegação com Paulo Pisco (PS), Tiago Moreira de Sá (PSD), Diogo Pacheco de Amorim (Chega) e Rodrigo Saraiva (IL).
Mas a viagem a Kiev tinha contornos específicos, nomeadamente a posição do PCP relativamente à guerra na Ucrânia, e Santos Silva decidiu desenhar uma comitiva com o Chega e a IL — uma decisão que acabou por cair após a ação do partido liderado por André Ventura durante o discurso de Lula da Silva e a consequente reprimenda do presidente do Parlamento, que terminou com o castigo ao Chega.
Após o sucedido, em comunicado, Santos Silva anunciou que o Chega fica afastado de viagens oficiais que “incluam contactos com chefes de Estado, chefes de Governo ou ministros dos Negócios Estrangeiros” pelo facto de, aos olhos do presidente da Assembleia da República, o partido ter demonstrado na sessão solene “não garantir, a 100%, que respeitam essas altas entidades e, em geral, as obrigações de respeito e cortesia que há muito caracterizam e distinguem a ação externa de Portugal”.
O Observador tentou contactar o gabinete do presidente da Assembleia da República mas, até ao momento da publicação desta notícia, não obteve resposta.
A “decisão ilegal” e a queixa na PGR
André Ventura, em conferência de imprensa, confirmou que o Chega tinha sido “convidado” para ir a Kiev e que, por se tratar de uma viagem “particularmente simbólica para o país e o Parlamento”, seria o próprio líder do partido a ir na comitiva.
Agora que o Bloco de Esquerda ficou com o lugar do Chega na delegação que foi a Kiev, o presidente do Chega recorda o telefonema que Santos Silva lhe fez a anunciar que iria aplicar “sanções” ao partido, mas enaltece que estava prevista uma conferência de líderes para dia 10 na qual o tema seria discutido e onde seriam tomadas decisões.
“Porém, o presidente da Assembleia da República decidiu, sem qualquer base jurídica e regimental, e sem qualquer decisão da conferência de líderes aplicar uma decisão que não tinha ainda nenhum fundamento ou respaldo e excluiu unilateralmente o Chega desta viagem”, apontou André Ventura, acusando Santos Silva de ter tomado uma “decisão ilegítima que configura o crime de abuso de poder“.
No seguimento da deliberação de Santos Silva que afastou o Chega dessas viagens, o partido apresentou uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República (PGR) por considerar que se trata de uma “decisão absolutamente arbitrária” e “manifestamente anti-democrática e inconstitucional”. Santos Silva “praticou um crime de abuso de poder”, aponta o Chega na argumentação.
André Ventura, “enquanto jurista”, “não tem dúvidas” de que a “decisão é ilegal” e explicou que pode apenas “haver dúvidas se configura um crime ou uma irregularidade administrativa ou constitucional”.