Enquanto subia a rampa da Praça de São Pedro, prestes a ser investido cardeal pelo Papa Francisco, Américo Aguiar trazia gravada uma imagem. O momento em que, três anos antes, o pontífice celebrava na mesma praça, completamente deserta, em contraste com a multidão que a preencheu este sábado, a benção extraordinária Urbi et Orbi, em plena pandemia de Covid-19. “Quando estava a subir aquela rampa lembrei-me daquele dia, daquela vigília do Papa sozinho naquele contexto da pandemia, do confinamento. Parece que senti a partilha desse peso, dessa caminhada“, reconheceu o novo cardeal, o 47.º na História de Portugal. O sentimento deu depois lugar a outro: “in manus tuas“. “A partir do momento em que nos entregamos nas mãos de Deus seja o que Ele quiser e assim aconteceu”.
Este sábado de manhã decorreu o consistório em que 21 membros do clero, entre eles Américo Aguiar, foram elevados a cardeais. Aos 49 anos, Américo Aguiar torna-se no segundo membro mais jovem do Colégio Cardinalício — o grupo dos mais próximos conselheiros do Papa –, sendo o missionário italiano Giorgio Marengo, que é atualmente o responsável máximo pela Igreja Católica na Mongólia, o mais novo.
Antes da cerimónia, aos jornalistas, Américo Aguiar disse que ser escolhido pelo Papa para esta missão “significa que quer que eu dê colaboração nestas circunstâncias, que são as minhas circunstâncias, e disso não me dispensarei de fazer, com limitações, mas também com aquilo que pode ser a diversidade da presença de mais velhos e mais novos, com mais experiência”. “O Papa pode ter pensado ou pode ter refletido naquilo que foi a preparação da Jornada e a Jornada Mundial da Juventude propriamente dita”, considerou, citado pela Renascença. Sobre a possibilidade de participar, no futuro, na eleição do próximo Papa, antecipou que será “uma experiência única.
Com a adição, há agora seis cardeais portugueses no ativo, sendo que quatro têm menos de 80 anos de idade e, por isso, direito de voto num conclave. Além de Américo Aguiar, o país está também representado por José Saraiva Martins, Manuel Monteiro de Castro, Manuel Clemente, António Marto e José Tolentino Mendonça no Colégio Cardinalício. Portugal torna-se, assim, num dos países do mundo mais bem representados no Colégio Cardinalício, sobretudo em comparação com o número de fiéis.
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Na cerimónia deste sábado D. Américo recebeu do Papa o anel e barrete cardinalícios, bem como a bula de criação. Como todos os cardeais, foi-lhe atribuída uma igreja titular em Roma: a Igreja de Santo António de Pádua, na Via Merulana. Dela chegaram a ser titulares o cardeal-patriarca de Lisboa D. António Ribeiro (entre 1973 e 1998) e o cardeal brasileiro D. Claudio Hummes (de 2001 a 2022 ), figura muito próxima do Papa Francisco que no conclave em que foi eleito sucessor de Bento XVI lhe sussurrou: “Não se esqueça dos pobres”.
A nomeação do presidente da Fundação da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 como cardeal foi anunciada a 9 de julho. Já a 21 de setembro o Papa confiou ao então bispo auxiliar de Lisboa uma nova missão: ser bispo da diocese de Setúbal.
“Diversidade é necessária e indispensável”. Papa desafia novos cardeais a ser “orquestra sinfónica” ao serviço da Igreja
Este foi o nono consistório para a criação de cardeais presidido pelo Papa Francisco, cujo pontificado começou em março de 2013, após a resignação do Papa Bento XVI (1927-2022). Até à data Francisco já tinha nomeado outros três portugueses como cardeais: Manuel Clemente (patriarca emérito de Lisboa), António Marto (bispo emérito da Diocese de Leiria-Fátima) e Tolentino Mendonça (prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação).
Durante a cerimónia deste sábado, o pontífice aproveitou o momento da homilia para deixar uma mensagem aos novos cardeais, comparando o Colégio Cardinalício a uma “orquestra” ao serviço da Igreja. “É chamado a ser como uma orquestra sinfónica, que representa a sincronicidade da Igreja e a sinodalidade da Igreja. Sublinho a sinodalidade, porque parece-me que a metáfora da orquestra pode representar bem o carácter sinodal da Igreja. Uma sinfonia vive da erudita composição dos timbres de vários instrumentos”, afirmou, notando que se aproxima a primeira Assembleia do Sínodo que tem precisamente este tema.
Francisco destacou que os novos cardeais são todos de países e realidades diferentes, uma diversidade que deve ser valorizada, apontando que no seu conjunto devem correr para o mesmo sentido. “A diversidade é necessária, é indispensável, mas cada som deve concorrer para o resultado comum. E, para isso, é fundamental a escuta mútua, cada músico deve ouvir os outros”, afirmou. Sobre o dirigente da orquestra, este deve ouvir mais do que os outros: “Está ao serviço desta espécie de milagre que é sempre a execução de uma sinfonia (…) e a sua tarefa é ajudar cada um e a orquestra inteira a desenvolver ao máximo a fidelidade criativa, a fidelidade à obra que se está a executar.”
Uma sinfonia vive da sábia composição dos timbres dos diversos instrumentos, cada um dá o seu contributo, ora sozinho, ora combinado com outro, ora com todo o conjunto (…) Se alguém se ouvir apenas a si mesmo, por mais sublime que possa ser o seu som, não seria de proveito à sinfonia. O mesmo aconteceria por parte da orquestra não ouvisse as outras, mas tocasse como se estivesse sozinha, como se fosse o todo”, disse ainda.
Depois da intervenção, elencou o nome dos novos cardeais, interrompido por vezes pelos aplausos da multidão que assistia, e entregou-lhes as insígnias cardinalícias. D. Américo Aguiar foi o 17.º dos 21 novos cardeais, tendo abraçado o Papa antes de juntar aos restantes membros do Colégio Cardinalício.
Cardeal Américo Aguiar responde ao pedido do Papa: “Vamos dar música”
O momento de ser elevado cardeal foi muito breve, mas permitiu uma rápida troca de palavras entre o Papa Francisco e Américo Aguiar. Não faltaram brincadeiras e até uma referência a Setúbal, diocese para a qual foi nomeado.
“O Papa, em razão da minha Igreja titular, de Santo António de Pádua, na Via Merulana, disse umas piadas sobre isso, lá está outra vez [a história] de Lisboa ou de Pádua, um ‘agora entendam-se'”, revelou em declarações aos jornalistas. O responsável máximo da Igreja Católica falou também ao novo cardeal sobre a diocese que lhe foi confiada. “Tem Setúbal no seu coração e isso é particularmente bonito e inspirador”.
Questionado sobre a atribuição da Igreja de Santo António de Pádua, o cardeal admitiu ver uma mensagem forte.”Para mim é significativo que esta igreja tenha sido titular do cardeal António Ribeiro e também do cardeal Hummes, o culpado do nome Francisco, ‘não te esqueças dos pobres’. Tudo são sinais, recados e provocações que coloco no coração”, indicou.
Em resposta ao pedido de Francisco para que o Colégio Cardinalício seja como uma “orquestra”, admitiu que nunca foi muito bom a música, mas que, como um homem do Norte, “rapidamente se adapta a qualquer instrumento”. “Faço parte de uma orquestra sinfónica e sinodal e agora vamos dar música. É isso que é preciso”, sublinhou.
Sobre o abraço ao Papa, reconheceu que tem sempre para com ele este “gesto de simpatia e carinho. “[Um gesto] de avô e neto, de pai e filho, de sucessor de Pedro e de colaborador próximo. Sempre o fiz, porque não sei fazer de outra maneira”, afirmou. Também houve tempo para algumas palavras “especiais”, mas essas não quis revelar: “Faz parte da confiança que vamos construir”.