O Tribunal da Relação confirmou ser nula a autorização de venda de 14 imóveis d’O Lar do Comércio, Matosinhos, avaliados em seis milhões de euros, considerando que a assembleia geral de setembro de 2021 excluiu 2.508 sócios de participar.

Na decisão a que a Lusa teve acesso esta quinta-feira, a Relação conclui que, na convocatória para a assembleia geral de 25 de setembro de 2021 realizada online, não foram observadas as formalidades impostas pelo Estatutos da Instituição de Solidariedade Social (IPSS), confirmando a decisão da primeira instância que, em junho, decretou a nulidade das decisões tomadas, considerando não ser aceitável que, num universo de cerca de 3.200 sócios, 2.508 tenham sido impossibilitados de votar.

Na ação, cujo julgamento teve início em 06 de junho, a autora, uma associada e ex-funcionária da instituição, alegava não ter sido avisada de que, por determinação das autoridades de saúde, a reunião magna seria realizada numa outra data e por meios telemáticos e à distância, impossibilitando a sua participação e a de outros sócios.

Naquela assembleia-geral, cujas decisões foram anuladas pelo tribunal, estiveram presentes 77 sócios, dos quais 44 fisicamente no local da reunião e 33 via “Zoom”, tendo a proposta de venda de património avaliado em seis milhões de euros sido aprovada por unanimidade.

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Em causa está um conjunto de 14 prédios situados nas freguesias do Bonfim, Campanhã, Lordelo do Ouro e Massarelos e União de freguesias do Centro Histórico, no Porto, e nas localidades de Rio Tinto, Valbom e Jovim, em Gondomar.

Para o Tribunal da Relação, a quem coube apreciar o recurso, não tendo a autora sido convocada, com antecedência de 15 dias e por via postal, para a assembleia geral realizada em formato online, no dia 25 de setembro, a deliberação tomada nessa assembleia é anulável à luz da legislação em vigor.

Na decisão de 19 de dezembro de 2023, a Relação sublinha que, como foi dado como provado em julgamento, O Lar do Comércio alterou o meio de realização da reunião magna no dia 22 de setembro de 2021, ou seja, três dias antes da sua realização, passando de formato presencial para online, não tendo esta alteração sido informada aos 2.508 associados cuja convocatória havia sido feita por carta.

É entendimento daquele tribunal que a assembleia geral visa a formação da vontade coletiva, pelo que a convocatória é de “extrema importância”, devendo a mesma ser “efetuada de modo a permitir a participação do maior número possível de associados, o que só sucederá se, com transparência, comunicar a todos, com a antecedência imposta nos estatutos, da data da sua realização, mas também do local e modo de realização”.

O tribunal rejeita ainda o argumento que a alteração de presencial para ‘online’ foi imposta pela Direção-geral da Saúde, e logo alheia à ré, e sublinha que a situação epidemiológica provocada pela covid-19 não foi uma novidade com a qual a instituição tivesse sido surpreendida.

Na primeira sessão de julgamento em 06 de junho, o presidente da direção, António Bessa, afirmou não ter havido “interesse” por parte do lar de impedir a participação dos associados na assembleia em que foi discutida e aprovada a alienação deste património.

Em março de 2023, a dias do início do julgamento que acabou por ser adiado, o Lar do Comércio publicou, no Jornal de Notícias de 24 de fevereiro, um edital publicitando a venda, pelo valor base de 365 mil euros, de um imóvel na Avenida da Boavista que integra a listagem de prédios constante da deliberação cuja anulação foi agora confirmada pela Relação.

A venda deste imóvel concretizou-se em 16 de junho de 2023, com abertura de propostas, ignorando os avisos de um grupo de associados que, presentes no local, alertaram para a “irresponsabilidade” de alienar um prédio cuja legitimidade de venda ainda estava a ser apreciada pelo tribunal.

À Lusa, em 22 de junho, aquando da leitura da decisão da primeira instância, o advogado da autora, Vítor Simões, questionado sobre a venda do imóvel constante da deliberação anulada pelo tribunal, explicou que pode haver dois caminhos: ou pedir a nulidade da mesma ou judicialmente assacar responsabilidade à direção sobre esta decisão.