Um debate sem interrupções entre Mariana Mortágua e Inês Sousa Real, onde a líder do Bloco de Esquerda tentou vincar que o PAN está longe da maioria de esquerda que coloca como “solução” para o país e a porta-voz do PAN a fazer tudo para provar a relevância do seu partido como influência na governação — qualquer que ela seja. Este flanco foi aproveitado por Mortágua para colar a Sousa Real o rótulo de “incoerente”.
A coordenadora do Bloco de Esquerda ia preparada para aproveitar ao máximo o apoio do PAN ao Governo da Madeira e a viabilização de orçamentos nos Açores. Por isso, no debate, mais do que ir pelas suas propostas entrou no ataque ao PAN e por onde mais pode ter fragilidades. “É complicado compreender como é que em nome do ambiente se apoia um Governo que é o pior que o PSD pode apresentar, que é o da Madeira”. “O Governo do PSD da Madeira é um exemplo de destruição ambiental, tal como o Governo dos Açores é de ataque à igualdade, que tem Gonçalo da Câmara Pereira, que tem o apoio do Chega. E foi a este Governo que o PAN viabilizou quando votou a favor do Orçamento”, argumentou.
Do outro lado, Sousa Real respondia que, na Madeira, o PAN apoiou o PSD e CDS para travar “populismo antidemocrático”, como garante que “tem feito a nível nacional” — numa tentativa de se colocar como uma rolha ao avanço da influência do Chega sobre a governação. E ainda aproveitou para tentar levar o debate para onde poderia estar mais confortável e, ao mesmo tempo, provar a influência do seu partido em medidas caras à esquerda. “Foi pela mão do PAN que se estão a financiar os passes sociais através da taxa de carbono”, disse Inês Sousa Real, que recordou ainda que foi o partido que acrescentou a mobilidade suave das bicicletas nesta gratuitidade. E ainda ao dizer que “mesmo nesta legislatura fizemos a rota da recuperação de salários e da dignidade das pessoas”.
Mas Mortágua voltou à Madeira e aos Açores para rematar o raciocínio que já tinha lançado, concluindo que o PAN “não tem coerência” e “não há confiança das pessoas no PAN,que tanto apoia um governo como apoia outro. E da pior direita que temos”. Numa estratégia de defesa, Inês Sousa Real garantiu ter “a confiança” do seu eleitorado “até porque o PAN tem sido precisamente o partido da oposição que mais tem feito avançar medidas.”
Tentou ainda virar para o BE a responsabilidade pela instabilidade política atual, apontando para a queda do Governo no final de 2021. “Estamos a pagar o preço pelas demissões, que resultam no crescimento de forças populistas”. E, mais uma vez sobre a Madeira: “A população não tem que estar refém de maiorias absolutas nem do crescimento da extrema-direita. Não acredito que a esquerda queira falhar este compromisso, quando dizia que vinha aí o papão da extrema-direita”, desafiou.
O peso desse momento ainda se sente no Bloco, que foi penalizado nas eleições que se seguiram e onde o PS conquistou a maioria absoluta (e o Chega passou de um para 12 deputados na Assembleia da República), por isso Mortágua defendeu-se atacando o PAN ao dizer que não vale tudo: “Quando o PAN viabiliza orçamentos da maioria, devemos perguntar para que contribuíram. Para agravar a crise na saúde e na habitação que tem a maior expressão na Madeira”, atirou mais uma vez.
Encontraram-se na necessidade de revogar o simplex ambiental e também no salário mínimo (que deve acompanhar a inflação). E até na taxa de carbono, mas aqui Mariana Mortágua preferiu aproveitar para discordar e apontar o dedo a um partido que defende a causa ambientalista. Já o tinha feito quanto à Madeira, mas aqui acusou o PAN de ter uma proposta que vai dar “uma borla” fiscal às grandes empresas, como a Galp.
Referia-se à proposta do PAN de baixar o IRC em quatro pontos percentuais (de 21% para 17%). “Quem paga o IRC são as empresas que têm enormes lucros, algumas delas responsáveis por atentados ambientais como a Galp que com a medida do PAN beneficiaria quase 260 milhões em quatro anos com esta proposta, ou a indústria da celulose ou a banca que teriam borlas fiscais”, enumerou a bloquista. Aqui, Sousa Real encostou-se ao discurso da direita para defender que o país tem de ser “atrativo” do ponto de vista fiscal, que a“descida do IRC incentiva o investimento” e a dizer ao Bloco para abandonar os “preconceitos ideológicos”.
A demarcação do espaço da esquerda, tentada por Mortágua, teve especial expressão na sua última palavra no debate, quando disse ter “a convicção de que as soluções e respostas para o país estão numa maioria e na esquerda e nas propostas que a esquerda tem apresentado para um futuro mais justo, do crescimento económico aos salários”. Onde não inclui o PAN que tentou mostrar não ter critério nos acordos políticos para viabilizar governos. Não pareceu ser um problema para Sousa Real, que aproveitou a crítica para ir avançando com as medidas que o PAN foi conseguindo introduzir a partir da bancada parlamentar. Deixaram-se sempre falar, sem interromper, e, por isso mesmo, sem travarem propriamente um diálogo.
O não-diálogo revelador
Mariana Mortágua: “Muitas vezes é dito que a esquerda económica não tem um modelo de crescimento para o país, quando o que a direita propõe é baixar o IRC, como se de repente tudo mudasse e houvesse crescimento económico. Há um modelo económico que se desenvolveu em Portugal, fruto das privatizações, um modelo rentista em que grandes empresas operam monopólios privados, que é também o modelo que se desenvolveu na Madeira, de especulação imobiliária, de portas-giratórias, favorecimento a interesses poderosos. Um modelo baseado no turismo desenfreado, na finança, na construção no betão e no extrativismo como vemos nas minas de lítio. É preciso travar este modelo, e isso quer dizer não aos projetos PIN e revogar essa lei, revogar o simplex ambiental, alterar as leis das minas, proteger o território e as populações. A maior parte dos projetos PIN são do turismo, resorts em áreas ambientalmente protegidas com mais campos de golfe e mais piscinas num país que atravessa um período de seca, não criam emprego qualificado e não respondem pela necessidade das gerações futuras em Portugal, que se pode especializar na produção de energia e na eficiência energética, através de solar descentralizado. É possível seguir os melhores exemplos da Europa e centralizar na produção de energia solar. São os transportes, a sua descarbonização, são a Saúde e os avanços que são precisos fazer na área do medicamento, a investigação científica e tecnológica, com alternativas de investimento. Como é que a indústria que ainda hoje é tão poluente pode utilizar novos recursos e novos meios para se adaptar às alterações climáticas. É nestas áreas que Portugal se deve focar, que deve orientar os seus recursos, para deixarmos de ter uma Economia dependente e que se especializou em setores de baixos salários e de pouco valor acrescentado e de enorme especulação, como é aliás o caso da Madeira que mereceu o apoio do PAN.
Inês Sousa Real: O PAN nesta legislatura fez avanços muito concretos em matéria ambiental e de justiça social. É pela mão do PAN que se estão a financiar os passes sociais através da taxa de carbono, que hoje já arrecadou mais de 90 milhões de euros desta mesma taxa sobre a aviação. Mas precisamos de ir mais longe, começámos uma rota já da descarbonização da mobilidade no que diz respeito aos transportes públicos alargando o passe dos sub-23 dos jovens não apenas ao ensino superior, mas também a quem está nos cursos profissionais e conseguimos também incluir as bicicletas que passaram a ser de uso gratuito a quem tem os passes sociais. Mas precisamos de ir mais longe, o PAN quer até ao fim da próxima legislatura e pensado já num futuro verde e descarbonizado garantir os passes gratuitos para toda a população. Esta é uma medida que tendo em conta o universo de pessoas que beneficiam e que circulam de transportes públicos, hoje sabemos que é de cerca de 1,6 milhões de pessoas, estimando que há um aumento da afluência para 2 milhões de pessoas, vamos precisar de 48 milhões de euros para financiar esta medida, que custa muito menos ao que está a ser destinado a borlas fiscais a quem mais polui e mais lucra. Precisamos também de revogar o simplex ambiental e urbanístico, porque o que o PS deu uma licença para devastar e destruir recursos naturais e nós não concordamos com estas medidas e pugnamos pela sua revogação para que haja justiça ambiental e social. Não posso deixar de dar a nota, a Mariana disse que nós na Madeira apoiámos aquelas medidas, o PAN não apoia essas medidas. O nosso compromisso, que achamos que é o mesmo de todas as forças democráticas, é o de que o populismo antidemocrático não ascenda ao poder e foi isso que o PAN fez de forma responsável, garantindo o avanço das suas medidas e das causas que representa como tem feito a nível nacional. Estamos na Assembleia, seja ela da República ou Regional, para garantir que a vida das pessoas, animais e natureza têm avanços efetivos e temo-lo feito de forma muito concreta.