Os interrogatórios de arguidos detidos devem ser sempre conduzidos pelos juízes titulares do inquérito, mas podem vir a ter um substituto designado à partida, segundo alterações em estudo, que terão ainda que ser aprovadas pelo Conselho Superior da Magistratura.

Fonte próxima do estudo adiantou à Lusa que a proposta de alteração da atribuição de inquéritos aos juízes começou a ser trabalhada há cerca de quatro meses – ainda antes do mediático caso que investiga suspeitas de corrupção ao nível do Governo Regional da Madeira.

A proposta pode estar pronta para ir a plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) em 05 de março, o que se não acontecer, remeterá a apreciação pelo órgão de gestão e disciplina dos juízes para o plenário de abril.

As alterações estavam a ser pensadas para rever a organização do regime de turnos nos tribunais, com o objetivo de uniformizar procedimentos, mas o processo da Madeira, em que os arguidos estiveram detidos 21 dias para serem interrogados, levou o CSM a incluir neste trabalho a revisão das regras de atribuição de inquéritos aos juízes de instrução criminal, como noticiou, esta sexta-feira, o jornal Expresso.

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Consensual e uma “ideia bastante sedimentada” é a de que se deve instituir que um inquérito é acompanhado até ao final pelo juiz que primeiro toma contacto com o processo, designado juiz titular, adiantou a fonte ouvida pela Lusa.

O que o CSM terá que decidir e aprovar em plenário, explicou a mesma fonte, é a forma como o juiz titular do inquérito pode e deve ser substituído no processo em caso de indisponibilidade.

A proposta pode vir a admitir três cenários que os magistrados terão que considerar: o substituto é sorteado entre os restantes juízes do tribunal; manter a situação atual em que o substituto é sorteado apenas entre os magistrados que estejam de turno no momento em que ocorre a indisponibilidade do titular; ou é designado um suplente à partida para cada processo.

No caso de o CSM considerar a designação à partida de um juiz suplente, isso não implicará necessariamente um sorteio, podendo ser definidas regras fixas de substituição no tribunal, por exemplo, definindo que o juiz A é sempre substituído pelo juiz B, criando uma norma de substituição para cada magistrado.

Se isto poderia ajudar o contacto e conhecimento prévio dos processos pelo juiz substituto, facilitando o andamento e celeridade do inquérito, pode também levantar questões relativamente ao princípio do juiz natural dos processos, que tem por base a ideia de um sorteio aleatório de juízes para evitar condicionamentos, admitiu a fonte ouvida pela Lusa.

Esta mudança, referiu, implicaria necessariamente alterações legislativas, uma vez que, ao contrário do que acontece em outros países europeus, a figura do juiz suplente não está prevista na lei portuguesa e o CSM não poderia impor uma solução sem enquadramento legal.

Tendo em conta a especificidade de Lisboa e do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), onde decorrem inquéritos dos processos de maior complexidade, o estudo ainda em curso pode levar a que a proposta a apresentar ao CSM defenda apenas alterações específicas para esta comarca, criando um regime de excecionalidade se se concluir que não é necessário alterar o funcionamento de outros tribunais, admitiu a mesma fonte.

No processo da Madeira o interrogatório prolongou-se por 21 dias, com a detenção de três arguidos durante esse período, até que o juiz de instrução Jorge Bernardes de Melo, que substituiu a juíza de instrução titular, terminasse de inquirir e decretasse medidas de coação aos detidos no processo, com o qual apenas teve o primeiro contacto no dia em que estes lhe foram apresentados para interrogatório, desconhecendo indícios, diligências e quaisquer elementos apresentados pelo Ministério Público até então.

A Constituição determina um prazo máximo de 48 horas para ouvir e decretar medidas de coação a arguidos detidos, mas em processos de maior complexidade tem sido recorrente que este limite seja ultrapassado, sobretudo quando existem vários detidos no âmbito do inquérito, algo que acontece sob o respaldo de dois acórdãos do Tribunal Constitucional, que admitiram que o prazo pudesse ser prolongado desde que houvesse uma decisão do tribunal “em tempo razoável”, referiu a fonte ouvida pela Lusa.

A mesma fonte entende que pode ser necessário rever estes prazos e adiantou que a proposta ao CSM pode vir a incluir a hipótese de os inquéritos terem vários juízes a conduzir interrogatórios em simultâneo, garantindo maior celeridade.