A nova lei sobre crime de ódio na Escócia entrou em vigor há apenas dois dias e está a gerar uma grande controvérsia. As opiniões dividem-se sobre se a legislação vai tornar o país mais tolerante ou limitar a liberdade de expressão, uma tese defendida publicamente por figuras como a escritora J.K. Rowling e o empresário Elon Musk.
A lei foi provada por uma maioria de deputados no parlamento escocês em 2021 (82 votos a favor, 32 contra e 4 abstenções) e entrou em vigor esta semana, a 1 de abril. Cria um novo crime de “incitamento ao ódio” relacionado com a idade, deficiência, religião, orientação sexual, identidade transgénero ou variações nas características sexuais. As novas regras, segundo explica a Sky News, aplicam-se tanto dentro de portas como nos meios digitais. A pena máxima por incumprimento é uma pena de prisão de sete anos.
A nova legislação surge como uma resposta às recomendações de uma revisão independente às leis de crime de ódio no país e liderada pelo juiz Lorde Bracadale. Na ótica do governo escocês, assegura uma proteção mais “adequada ao século XXI”. “Estas disposições são um acréscimo à legislação de longa data sobre incitação de crimes de ódio racial, que estão em vigor em todo o Reino Unido desde 1986”, indicou o governo em comunicado.
Com a nova legislação, são introduzidos novos crimes, mas é também abolido um outro que não é julgado na Escócia há mais de 175 anos: a blasfémia. Uma das principais críticas é o facto de não constar na lei a questão de género e a misoginia. “A grande falha desta lei é que não protege as mulheres do ódio”, afirmou o ativista de direitos humanos Peter Tatchell em declarações à BBC Radio 4.
Este é um aspeto que também foi analisado durante a revisão independente que antecedeu a introdução da nova lei. “Estou convencido de que existem padrões de ofensa que se relacionam particularmente com o género da vítima e que devem ser considerados através da legislação e que pode estar enquadrados no âmbito dos crimes de ódio”, escreveu o juiz responsável pela análise. O governo escocês acabou por decidir uma abordagem separada para proteger as mulheres, notando na legislação que o género pode ser adicionado numa data posterior.
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Em declarações à BBC, um porta-voz do governo escocês sublinhou que as mulheres, como todos os cidadãos, já são protegidos dos comportamentos abusivos e ameaças através de outras disposições legais. Disse também, sem avançar detalhes, que os ministros estão a pensar ir mais longe e introduzir uma lei para combater a misoginia e que será “a primeira desse tipo em todo o mundo”.
A polícia escocesa já está a ser formada para fazer cumprir a nova legislação. No entanto, segundo a AFP, mais de um terço dos polícias ainda não completaram o curso online obrigatório sobre a nova lei. As autoridades já receberam, pelo menos, três mil queixas.
Os críticos e defensores
A escritora J.K. Rowling tem sido uma das críticas mais vocais da nova lei e desafiou a polícia a detê-la por comentários publicados sobre o assunto nas redes sociais. Numa série de publicações na rede social X (antigo Twitter), a autora da famosa saga Harry Potter disse que a legislação “está aberta a abusos por parte de ativistas que desejam silenciar aqueles que falam abertamente sobre os perigos de eliminar os espaços do mesmo sexo para mulheres e raparigas, o absurdo feito dos dados criminais se as agressões violentas e sexuais cometidas por homens forem registadas como crimes femininos, a injustiça grotesca de permitir que os homens compitam em desportos femininos, a injustiça dos empregos das mulheres, as honras e oportunidades a serem levadas por homens trans-identificados, e a realidade e imutabilidade do sexo biológico”.
As autoridades escocesas já responderam que as declarações de J.K. Rowling contra a lei não constituem um crime e que a escritora não será detida. Mas a autora está longe de ser a única voz crítica. Uma das responsáveis do grupo For Women Scotland disse à Sky News que a legislação é uma “confusão” e antecipa que “haverá muitos relatórios maliciosos”.
“Há muitas coisas vagas porque a incitação aos crimes parece basear-se na perceção de alguém de que uma pessoa está a incitar ao ódio contra ela e depois pode fazer uma queixa e a polícia diz que vai investigar tudo”, afirmou. Acrescentou que muitas pessoas têm uma “lista de alvos” e que veem estas mudanças como uma “oportunidade para acertar contas”.
Por seu lado, o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, garantiu que o seu partido vai sempre proteger a liberdade de expressão e alertou que ninguém deve ser punido por “constatar simples factos biológicos”. “Nós acreditamos na liberdade de expressão neste país e os Conservadores vão protegê-la sempre”, afirmou num comunicado ao Daily Telegraph.
Da parte do governo escocês, a garantia é de que há total confiança na capacidade de a polícia conduzir investigações adequadas quanto aos novos crimes e de que a liberdade de expressão não sairá prejudicada. Em declarações à Sky News, o primeiro-ministro Humza Yousaf lembrou que a lei contempla três medidas de segurança. O governante referia-se, nomeadamente, à cláusula que diz respeito precisamente à proteção da liberdade de expressão, mas também à possibilidade de defesa caso o comportamento do indivíduo acusado seja considerado “razoável” e o facto de a legislação ser compatível com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
“Ninguém na nossa sociedade deve viver com medo e estamos empenhados em construir comunidades mais seguras, livres de ódio e preconceitos”, disse também Siobhian Brown, ministra das Vítimas e Segurança Comunitária.