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"Um Homem Por Inteiro": quem lhe dera ser "Succession"

"Um Homem Por Inteiro" é uma história de poder, injustiça racial, dinheiro e jogos de interesse, mas não consegue aprofundar nenhum dos seus arcos narrativos de forma realmente cativante. Na Netflix.

Estamos em Atlanta e a personagem principal é Charlie Croker (Jeff Daniels), um antigo prodígio de futebol americano universitário transformado em magnata do imobiliário
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Estamos em Atlanta e a personagem principal é Charlie Croker (Jeff Daniels), um antigo prodígio de futebol americano universitário transformado em magnata do imobiliário

Estamos em Atlanta e a personagem principal é Charlie Croker (Jeff Daniels), um antigo prodígio de futebol americano universitário transformado em magnata do imobiliário

Era uma vez um argumentista talentoso que criava sucessos de televisão uns atrás dos outros (Chicago HopeAlly McBealBoston Public). Era uma vez um argumentista que transformava livros em mais sucessos de televisão (Big Little LiesNine Perfect Strangers). Era uma vez um argumentista que tentou adaptar um livro que muitos julgavam inadaptável (e, pelos vistos, tinham razão).

David E. Kelley pegou na obra de mais de 700 páginas de Tom Wolfe e transformou Um Homem Por Inteiro numa minissérie de seis episódios que já está disponível na Netflix. Em teoria, com uma história boa e um elenco repleto de nomes de peso, tinha tudo para ser a sucessora de Succession que tinha sido anunciada de forma oficiosa. Na prática, acaba por ser uma espécie de estagiária que, ou precisa de um momento para assimilar tudo e apanhar o comboio até se tornar uma excelente profissional, ou simplesmente não foi feita para isto.

Estamos em Atlanta e a personagem principal é Charlie Croker (Jeff Daniels), um antigo prodígio de futebol americano universitário transformado em magnata do imobiliário. Um dia depois de celebrar 60 anos, rodeado de champanhe, smokings, amigos e conhecidos interesseiros, é chamado ao banco para aquilo que acha ser uma reunião para renegociar empréstimos. Problema: do outro lado está Harry Zale (Bill Camp), do departamento de gestão de ativos do banco, que quer tudo menos conversa fiada. Aliás, o que ele quer mesmo é sangue (ou todos os bens de Croker, dos aviões privados ao último cêntimo que ele tenha na carteira), já que as dívidas rondam qualquer coisa como mil milhões de dólares.

[o trailer de “Um Homem por Inteiro”:]

O primeiro acha-se intocável, o segundo já não aguenta ricalhaços com a mania. As cenas entre Croker e Zale são um pingue-pongue de veneno atirado de uma ponta à outra de uma gigantesca mesa e são estes os melhores momentos da minissérie. Jeff Daniels e Bill Camp são duas presenças tão imponentes no ecrã que até podiam estar a falar do preço da sardinha — a atenção do espectador seria a mesma, tendo em conta o entusiasmo e a veracidade que cada um coloca na respetiva interpretação. Porém, como em muitos aspetos de Um Homem Por Inteiro, a presença de Bill Camp promete muito para depois se perder no meio da narrativa, acabando por não fazer justiça nem à personagem, nem ao ator que a interpreta.

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Jeff Daniels é excecional, como sempre, mesmo carregando no sotaque sulista quando se enerva e com um cabelo pintado que denota o branco natural mal escondido por baixo de um castanho alaranjado, uma caricatura que é claramente propositada para fazer lembrar um certo magnata do imobiliário que virou presidente dos EUA. Croker tem um edifício com o próprio nome, o Concourse, que lhe acrescentou uns quantos zeros às dívidas, tem mansões, empresas e uma quinta para caçar onde se dá uma cena de acasalamento de cavalos que é demasiado estranha para ter sequer justificação no mundo de ilusão em que Charlie Croker vive. À sua volta tudo se desmorona, está à beira da bancarrota e tem desesperadamente de tentar salvar o império. Para isso conta com a ajuda de Roger White (Aml Ameen), o advogado, que acaba desviado para outro arco narrativo, passando também o protagonista para segundo plano em diversas ocasiões.

Aml Ameen é Roger White, Diane Lane é Martha: o advogado e a ex-mulher do protagonista

Conrad Hensley (Jon Michael Hill) trabalha numa das fábricas de distribuição de alimentos da Croker e acaba numa prisão de alta segurança após uma simples infração de estacionamento se transformar numa detenção e agressão a um polícia. Conrad é marido de Jill (Chanté Adams), que é a secretária de Charlie Croker. Charlie gosta dela, já que gosta de se “rodear de pessoas honestas” e, por isso, fará tudo para resolver o assunto. White, com zero experiência em direito criminal, está determinado em provar a injustiça racial de que Conrad foi alvo e passa os seis episódios em tribunal ou na prisão. Também arranja um tempo para se encontrar com Wes Jordan (William Jackson Harper), o carismático presidente da câmara de quem é amigo desde a faculdade. Jordan procura a reeleição mas tem como oponente um típico “velho, branco e poderoso”, Norman Bagovitch (John Lacy). Jordan sabe que Charlie Croker tem detalhes sobre um alegado abuso sexual de Bagovitch, já que os dois jogaram futebol americano juntos. Jordan está disposto a mexer uns cordelinhos para travar o arresto dos bens de Croker, mas Croker tem de denunciar o antigo amigo e, ouro sobre azul, convencer a vítima a falar.

A suposta vítima é Joyce (Lucy Liu), uma bem-sucedida empresária no mundo da cosmética. Quanto tempo é que tem na série? Tudo somadinho, uns míseros dez minutos talvez. Se é relevante? No início, promete (mais uma vez), depois esquecemo-nos que ela existe sequer. O talento desperdiçado de Lucy Liu não está sozinho. Tem como companhia outro talento que mal chega a aquecer o lugar: Diane Lane é Martha, ex-mulher de Charlie Croker, uma dona de casa milionária que compra produtos biológicos e faz aulas de aeróbica onde mal consegue acompanhar as jovens atléticas que podiam ser filhas dela. Também a nova mulher do ex, Serena (Sarah Jones) tem metade da idade dela. As primeiras cenas indicam que é uma espécie de Barbie troféu, ou pelo menos é isso que todos pensam dela. No entanto, é mais ponderada e inteligente do que muitos à sua volta. Mas (mais uma vez, até cansa dizer) não é minimamente aproveitada. Um Homem Por Inteiro acena-nos com um lote gigantesco de talento, mas é mesmo só ao longe, nem lhe chegamos a tocar, o que é uma verdadeira frustração.

Jeff Daniels é excecional, mesmo carregando no sotaque sulista, e fazendo referência a um certo magnata feito presidente dos EUA

E depois há o outro lado: personagens que têm tempo de antena e que se revelam uma caricatura exagerada. Raymond Peepgrass (Tom Pelphrey) é o funcionário do banco que fazia a ponte com Charlie Croker para assegurar mais e mais empréstimos. Parece um totó desajustado, com óculos demasiado grandes e complexos de inferioridade, que se deixa espezinhar por Croker até ter, finalmente, a oportunidade de o ver cair — e, mais, de contribuir para isso. Só que a sua satisfação perante a humilhação do homem que odeia e admira na mesma proporção é espelhada na cara e nas reações físicas como se estivéssemos num sketch de humor de segunda categoria. Juntemos-lhe o facto de Peepgrass ter engravidado uma sueca que agora pretende ficar-lhe com o dinheiro que ele não tem e com uma aproximação nada natural a Martha, um casal que não chegamos a perceber se tem realmente algum interesse amoroso ou só uma sede comum de derrubar Charlie Croker.

Um Homem Por Inteiro é uma história de poder, injustiça racial, classe social, dinheiro e jogos de interesse, mas não consegue aprofundar nenhum dos seus arcos narrativos de forma realmente cativante. Nem Charlie Croker, que devia ser o maior trunfo de David E. Kelley, é realmente uma pessoa horrível ao estilo da família Roy de Succession. Importa-se com as pessoas à sua volta (mesmo que, de certa forma, por interesse) e acaba por tomar uma decisão que lhe restaura a honra q.b.

A realização dos episódios é partilhada por Thomas Schlamme (produtor de Os Homens do Presidente) e Regina King (atriz de Watchmen e Ray), mais dois nomes que não precisam de apresentação, mais dois nomes perdidos num projeto que nunca alcança aquilo que promete, ficando-se apenas por uma competição entre homens que querem mostrar quem usa as calças lá em casa (ou na vida). Se fosse preciso resumir Um Homem Por Inteiro numa frase, podíamos usar uma de Harry Zale: “Parte de ser homem é conseguir dar uma sova a outro homem”.

 
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