A Autoridade Tributária (AT) já realizou mais de 150 liquidações de imposto municipal de imóveis (IMI) sobre barragens, num valor médio anual de cinco milhões de euros por ano. Mas até agora, a cobrança efetiva ainda só está em cerca de 2% deste valor, o correspondente a cerca de 125 a 130 mil euros. Estes números foram avançados pela diretora-geral de Impostos no Parlamento. Helena Borges indicou que para uma parte destas liquidações estão ainda a decorrer prazos, outra parte estão em processo de execução e há também várias impugnações.

As liquidações referidas por Helena Borges dizem respeito aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, o que representará pelos valores médios anuais referidos uma liquidação total de 20 milhões de euros. Os valores pagos, cerca de 500 mil euros em quatro anos, correspondem a mais de 40% do número de liquidações, mas dizem respeito aos montantes mais reduzidos. Os mais elevados foram, em regra, alvo de impugnação e encontram-se em litigío ou em execução.

A diretora-geral da Autoridade Tributária foi chamada pelo Bloco de Esquerda e pelo PSD para explicar, pela quarta vez, o atraso na liquidação do IMI sobre as barragens. Helena Borges revelou que pelo menos 10 municípios contestaram as avaliações feitas pelo fisco. Houve ainda impugnações de liquidações de imposto por parte de quatro a seis sujeitos passivos, as elétricas que exploram as barragens e têm de pagar o IMI.

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A AT indica que foram já identificados 366 aproveitamentos hidráulicos que estão sujeitos à cobrança deste imposto, mas o processo de avaliação prossegue e ainda há barragens que se encontram em fase de avaliação. Um dos exemplos avançados nesta audição foi o do Alqueva.

O IMI é uma receita das autarquias, mas não era cobrado nas barragens porque a AT considerava que estavam isentas por estarem inscritas no domínio público, tendo como base um parecer da Agência Portuguesa do Ambiente. Mas existia também um parecer da Procuradoria-Geral da República que apontava no sentido contrário. E foi esse parecer da PGR que levou o anterior Governo socialistas a mudar de posição.

Um despacho emitido pelo ex-secretário do Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, em fevereiro de 2022, deu instruções à AT para avançar com a cobrança. Foi uma evolução face à posição do anterior Governo de António Costa que aconteceu na sequência da polémica gerada à volta do não pagamento de impostos — IMI e imposto de Selo — sobre a venda de seis barragens da EDP ao consórcio da Engie.

A demora nos processos de avaliações por parte do Fisco e divergências sobre os critérios a utilizar para valorizar os equipamentos das barragens para efeitos de cálculo de imposto levantaram críticas por parte das autarquias. Vários municípios avançaram até com processos de impugnação dos valores inscritos pelos serviços da AT para calcular o IMI. E essas contestações ao valor antes de efetuar a liquidação trazem consigo o risco do imposto caducar, como já acontece nas liquidações que ficaram por fazer relativas ao ano de 2019.

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Antes de abandonar funções, Nuno Félix produziu um outro despacho a dar orientações à AT para aceitar as impugnações feitas pelas autarquias quando está em causa o critério de valorização.

Seguindo orientações emitidas pela AT, os avaliadores que estavam a valorizar os empreendimentos para os inscrever na matriz deixam de fora os equipamentos produtivos que geram o valor económico da barragem. Este critério resultou na redução do valor tributário atribuído aos empreendimentos e do eventual imposto a cobrar, abrindo uma nova frente na já longa guerra entre as autarquias e os serviços tributários por causa das barragens.

Os municípios, suportados pela sua associação (a ANMP) produziram um documento contra esta orientação do Fisco que, argumentaram, contraria a jurisprudência de decisões relativas ao IMI de outros equipamentos de energia renovável, nomeadamente parques eólicos. E alertaram para o risco de litigância por parte dos visados. Foi este apelo ao Governo que resultou na produção de mais um despacho, o terceiro em um ano, por parte do Nuno Félix.

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Segundo Helena Borges, a AT está à aplicar esta instrução, mas verificando primeiro se os fundamentos da impugnação correspondem à discordância no que toca ao critério da avaliação feita pelo fisco e que serviu de base ao cálculo do imposto a liquidar.

Diretora-geral  diz que tem “tudo documentado” e que enviou informação à PGR

Esta é a quarta vez que a diretora-geral da Autoridade Tributária é ouvida no Parlamento sobre o tema dos impostos sobre as barragens.

A responsável refutou acusações de que tenha havido protelamento da AT na cobrança do imposto ou que tenha mudado de opinião após uma reunião com uma das elétricas, a EDP. “Não mudamos de posição por termos reunido com quem quer. Nada foi decidido à margem de fundamentos jurídicos, há um percurso documentado desta evolução”.

Daí que a diretora-geral não se mostre incomodada com a nova investigação do Ministério Público à atuação do Fisco na cobrança do IMI das barragens envolvidas nessa transação. “Vimos com bons olhos este escrutínio, sabemos justificar todas as posições”. E revela que enviou toda a informação ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, mostrando-se disponível para prestar mais esclarecimentos.

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Sobre a demora no processo de inscrição das barragens na matriz tributária — o primeiro passo para a sua avaliação e liquidação de imposto — a diretora-geral argumentou que a AT tem de atuar “em realidades complexas e com o maior cuidado”. Helena Borges reconheceu que a imagem que fica desta cruzada (lançada pelos concelhos em que ficam situadas as barragens no Douro vendidas pela EDP), “nos incomoda a todos”, mas pediu cuidado na forma como o tema é tratado sob pena de abalar a confiança nas instituições.

Questionada sobre se tem condições para se manter no cargo, Helena Borges disse que cabe ao ministro e secretário de Estado da tutela avaliarem e insistiu que estes são atos da AT fundamentados na lei. “Não estou prisioneira de nada que fiz no passado. Estou aqui para assumir as responsabilidades.”

Helena Borges deixou ainda um aviso aos deputados sobre a eventual necessidade de clarificar a lei. “Não tememos o contencioso, mas sabemos que não é amigo da cobrança”. Só no final deste processo é que será possível avaliar se existe receita efetiva a transferir para os municípios. Cabe aos deputados avaliarem se o atual regime do IMI está adequado à cobrança do imposto sobre os equipamentos de energia renovável, lembrando que também nos parques eólicos se tem assistido a muito contenciosos com resultados divergentes.