Uma panela de água a ferver foi considerada ameaça suficiente para Sean Grayson, um agente da polícia norte-americano branco, atirar fatalmente contra Sonya Massey, uma mulher negra de 36 anos que chamou as autoridades por suspeitar de um intruso a rondar o exterior da sua casa no estado de Illinois, nos EUA.

A polícia estadual divulgou esta segunda-feira, através do YouTube (violência das imagens é susceptivel de chocar), o vídeo da bodycam do agente, captado na manhã de 6 de julho, que mostra Grayson a disparar contra a mulher três vezes. Massey, que a família confirmou sofrer de esquizofrenia, chamou a polícia porque pensava que alguém estava a tentar entrar em sua casa, mas segundo o relato de uma vizinha ao The Guardian, na chegada à residência os dois polícias não bateram de imediato à porta e em vez disso começaram a revistar o perímetro apontando lanternas à casa. Depois de baterem, Massey demorou três minutos a abrir a porta e as primeiras palavras que proferiu foram: “Não me magoem.”

Mais à frente no vídeo, assiste-se a uma conversa inicial entre os dois agentes e a moradora, no alpendre da casa, em que estes lhe asseguram que não encontraram ninguém a rondar a habitação e lhe pedem a carta de condução para que se identifique. Nas imagens seguintes, já no interior da habitação, os polícias veem uma panela com água a ferver no fogão e Grayson ordena à mulher que a retire para evitar um incêndio. Ao fazê-lo, Massey pergunta aos agentes, que se distanciam dela quando vai mexer na panela, porque é que se afastaram.

“Onde é que vão?”, pergunta-lhes. “Para longe da água quente e fumegante”, responde Grayson com uma gargalhada. Massey responde: “Para longe da água a ferver? Oh, vou repreender-vos em nome de Jesus“. A frase causa espanto aos dois agentes que questionam o que quer dizer com isso. A mulher repete a expressão e é ameaçada pelo agente que usa a bodycam — Sean Grayson. “É melhor não, juro por Deus que te dou um tiro mesmo na cara”, afirma.

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Já depois de a mulher de 36 anos se ter ajoelhado atrás do balcão da cozinha, ainda a segurar a panela no ar, e de pedir desculpa, Grayson ordena-lhe que largue a panela e dispara três tiros, atingindo-a com uma bala abaixo do olho.

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Nos momentos que se seguem aos disparos, Grayson diz ao colega que vai buscar o kit médico para prestar socorro à mulher e tenta justificar-se: “Não vou levar com água quente a ferver na cara.”

O parceiro de Grayson presta socorro a Massey e, a certa altura, diz que “ela ainda está a arfar” e pergunta porque é que o colega está a demorar tanto tempo com o kit médico. Quando os paramédicos e outros agentes chegam, um deles questiona onde está a arma que justificou a alegada autodefesa. Grayson responde que Massey tinha uma panela de água a ferver e que ameaçou “repreendê-lo em nome de Jesus”. A mulher de 36 anos foi transportada para o hospital mais próximo onde foi declarado o óbito.

Sean Grayson foi detido e acusado de três crimes de homicídio em primeiro grau e está detido sem caução até ao início do julgamento. De acordo com a CNN, os procuradores responsáveis pelo caso afirmaram que um perito em “uso da força” analisou as imagens da câmara corporal e concluiu que o uso da força letal não se justificava. “O perito comparou o cenário a um agente que se coloca intencional e desnecessariamente à frente de um veículo em movimento e que justifica o uso da força por medo de ser atingido”, escreveram os procuradores.

Joe Biden afirma que morte de Sonya Massey recorda urgência em aprovar lei George Floyd

O Presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou esta segunda-feira que a família da mulher de 36 anos que foi mortalmente alvejada pela polícia “merece justiça”. “Sonya Massey, uma querida mãe, amiga, filha e jovem mulher negra, deveria estar viva hoje. Sonya chamou a polícia porque estava preocupada com um potencial intruso. Quando pedimos ajuda, todos nós, americanos — independentemente de quem somos ou de onde vivemos — devemos poder fazê-lo sem temer pelas nossas vidas”, afirmou Biden num comunicado divulgado pela Casa Branca.

“A morte de Sonya às mãos de um agente da polícia recorda-nos que, com demasiada frequência, os negros americanos temem pela sua segurança de uma forma que muitos de nós não tememos. A família de Sonya merece justiça”, acrescentou.

Biden saúda as rápidas ações tomadas pelo gabinete do procurador-geral de Springfield e diz que “o Congresso tem de aprovar já a lei George Floyd sobre a Justiça no policiamento”, apelou. Em 2020, os deputados democratas apresentaram um projeto de lei que visa acabar com o uso excessivo de força por parte da polícia e identificar e julgar os autores das más práticas policiais. Este projeto de lei surgiu na sequência da morte de George Floyd, em maio de 2020, e de outros afro-americanos às mãos da polícia.

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Numa conferência de imprensa sobre o caso que vitimou Sonya Massey, o seu pai referiu que o agente que atirou a matar tem antecedentes criminais e questiona como é possível continuar a ser polícia depois de ter sido condenado duas vezes pelo crime de condução sob influência de substâncias. “É um embaraço”, repetiu várias vezes.