Chegar aos Jogos Olímpicos é uma tarefa ao alcance de poucos. Trabalhar durante quatro anos para marcar presença num dos maiores eventos desportivos da história não é fácil. É preciso muito sacrifício, várias horas diárias de dedicação e que as condições de treinos sejam as melhores. Não é o caso da ucraniana Yaroslava Mahuchikh, que teve de fugir do país depois da invasão russa.
Nascida e criada na cidade de Dnipro, no centro da Ucrânia, foi aí que Mahuchikh descobriu a paixão pelo atletismo. Chegou à modalidade com apenas sete anos e praticou todo o tipo de especialidades: obstáculos, saltos e lançamentos. Contudo, foi no salto em altura que descobriu a sua vocação. “Gostei da sensação de leveza. Depois do Mundial juvenil no Quénia, onde venci, percebi que esse era o meu trabalho, a minha paixão, e que queria um dia ganhar a medalha de ouro”, partilhou, citada pelo The Guardian.
You may be chill, but are you ???????????????????????? ???? ???????????? ???????????????????????? ???????????? ???????????????????????????? ???????????????????????? chill? pic.twitter.com/T9DQBIX4nc
— The Olympic Games (@Olympics) August 4, 2024
No dia em que a Rússia invadiu Dnipro, cidade que, outrora, superou o milhão de habitantes, Mahuchikh pegou em todos os pertences que conseguiu encontrar, colocou-os no carro e abandonou a cidade. Depois de chegar a uma aldeia nas proximidades, a federação ucraniana de atletismo encontrou uma rota para tirá-la do país. Deslocou-se para Belgrado, na Sérvia, numa viagem que demorou mais de três dias e teve desvios, bloqueios de estradas, explosões e o som das sirenes que alertam para os ataques aéreos.
Atualmente encontra-se a treinar em Portugal, mas também já residiu na Alemanha, Estónia e Bélgica ao longo dos últimos dois anos. Em Paris, chegou aos dois metros na final do salto em altura e sagrou-se campeã olímpica perante os 80 mil espectadores que têm preenchido o Stade de France. “Estou ansiosa para voltar para a minha cidade, ver a minha família e amigos e comemorar esta medalha de ouro com eles”, confidenciou, referindo que é através do WhatsApp que se mantém “ligada” à guerra, recebendo inúmeros vídeos de familiares e amigos.
At 22, Yaroslava Mahuchikh ???????? has completed the high jump!
???? Olympic champion
???? World champion
???? European champion
???? World indoor champion
???? European indoor championAnd she holds the world record at 2.10m!#Paris2024 #OlympicGames #athletics pic.twitter.com/aH7jEDze60
— European Athletics (@EuroAthletics) August 4, 2024
“Vivemos no século XXI. Temos tecnologia, temos liberdade, o mundo está a avançar. Devíamos estar a viajar e a trocar experiências, mas não podemos porque precisamos de lutar pelo nosso país. Todos os países deviam unir-se. A guerra começou em 2014, em Lugansk e Donetsk, e agora dizem que podemos parar a guerra se lhes dermos território. Não é possível. Devemos lutar até ao fim”, pediu.
[Já saiu o segundo episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro episódio. ]
Kharlan, a melhor atleta do país que “mostra ao mundo que a Ucrânia tem de vencer”
Outro dos casos envolve a esgrimista Olga Kharlan, a atleta mais bem sucedida da história do país. Em 2021 falhou a conquista de uma medalha em Tóquio. Contudo, poucos meses depois, a sua vida ficou virada do avesso. “Quando não fui bem sucedida em Tóquio, pensei que era a pior altura da minha vida. Depois, quando a guerra começou, disse que nada se comparava ao que estava a acontecer a todo o meu país. Esta é a nossa história neste momento. Tentamos viver com isso. Tentamos construir o futuro”, disse à CNN internacional.
???? Manon Apithy-Brunet ???????? @Noune_Brunette
???? Sara Balzer ???????? @BalzerSara
???? Olga Kharlan ???????? @olgakharlan1990Our beautiful women’s individual sabre podium at the @paris2024 Olympic Games ????@olympics #fencing #RoadToParis #OlympicGames #Olympics #Paris2024
???? © FIE… pic.twitter.com/2hNGyobRNv
— FIE (@FIE_fencing) July 29, 2024
Já em Paris, Olga conseguiu dar uma alegria ao povo ucraniano. Num dos primeiros dias da competição, conquistou a medalha de bronze na prova individual. Pouco depois, ajudou a Ucrânia a triunfar na prova de sabre por equipas diante da Coreia do Sul, numa vitória que valeu a medalha de ouro. Com essa conquista, Kharlan chegou aos seis ouros olímpicos e tornou-se na atleta ucraniana mais bem-sucedida.
“Isto é histórico para o meu país. Isto é histórico para o mundo inteiro e mostra ao mundo inteiro que somos capazes de o fazer. A Ucrânia é capaz de o fazer. E o desporto é uma das formas de dizer que a Ucrânia pode lutar e de dizer ao mundo inteiro que a Ucrânia tem de vencer. Neste momento, é como se fosse um filme com um final feliz, mas quando o nosso país está a ser bombardeado todos os dias, não é um final completamente feliz”, partilhou depois de se sagrar campeã olímpica.
Os treinos que dependem dos ataques e as mudanças de cidade (e de país)
A situação é parecida a quase todos os atletas de alta competição da Ucrânia. Anna Pysmenska, mergulhadora olímpica, nasceu no centro do país e começou a treinar em Lugansk. Contudo, em 2014, abandonou a região e estabeleceu-se em Kiev. Após o início da invasão, mudou-se para a Croácia, voltando à capital ucraniana no verão de 2022. Em entrevista à CNN internacional, revelou que os constantes ataques fazem com que a preparação e a concentração sejam um desafio.
“Treinamos todos os dias. Fisicamente, estamos prontos. Mas moralmente é bastante difícil. Eu estava histérica há alguns dias por causa dos constantes apagões, que aconteceram de forma incompreensível. Não se pode planear nada. As luzes nunca estão acesas. É a Idade da Pedra. É muito enervante”, partilhou ainda na entrevista.
#divingkyiv2017
15 June 2017 #Day04
W 3m #Springboard #podium
1. Anna Pysmenska
2. Michelle Heimberg
3. Anastasiia Nedobiga#poweredbywater pic.twitter.com/BvCCorwNXW— European Aquatics (@EuroAquatics) June 15, 2017
Já Danylo Konovalov, de 21 anos e que também compete no mergulho, nasceu em Mykolaiv, mas não pode treinar na cidade. Saiu da Ucrânia inicialmente, mas regressou a Kiev em abril de 2022. O seu dia está dependente dos ataques. Normalmente começa a treinar às 7 horas e faz duas sessões de treino. Caso haja um alerta de ataque aéreo, realiza exercício físicos enquanto espera que passem.
“Não leio as notícias. Sinto-me muito mais tranquilo assim. A minha mãe liga-me e conta-me como estão as coisas para que eu possa concentrar-me no desporto”, contou, revelando que os pais ficaram “para trás”, encontrando-se ainda em Mykolaiv.
Mesmo com as dificuldades nos treinos, a Ucrânia já tem, até ao momento, sete medalhas nos Jogos Olímpicos: duas de ouro, duas de prata e três de bronze.