Chegar aos Jogos Olímpicos é uma tarefa ao alcance de poucos. Trabalhar durante quatro anos para marcar presença num dos maiores eventos desportivos da história não é fácil. É preciso muito sacrifício, várias horas diárias de dedicação e que as condições de treinos sejam as melhores. Não é o caso da ucraniana Yaroslava Mahuchikh, que teve de fugir do país depois da invasão russa.

Nascida e criada na cidade de Dnipro, no centro da Ucrânia, foi aí que Mahuchikh descobriu a paixão pelo atletismo. Chegou à modalidade com apenas sete anos e praticou todo o tipo de especialidades: obstáculos, saltos e lançamentos. Contudo, foi no salto em altura que descobriu a sua vocação. “Gostei da sensação de leveza. Depois do Mundial juvenil no Quénia, onde venci, percebi que esse era o meu trabalho, a minha paixão, e que queria um dia ganhar a medalha de ouro”, partilhou, citada pelo The Guardian.

No dia em que a Rússia invadiu Dnipro, cidade que, outrora, superou o milhão de habitantes, Mahuchikh pegou em todos os pertences que conseguiu encontrar, colocou-os no carro e abandonou a cidade. Depois de chegar a uma aldeia nas proximidades, a federação ucraniana de atletismo encontrou uma rota para tirá-la do país. Deslocou-se para Belgrado, na Sérvia, numa viagem que demorou mais de três dias e teve desvios, bloqueios de estradas, explosões e o som das sirenes que alertam para os ataques aéreos.

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Atualmente encontra-se a treinar em Portugal, mas também já residiu na Alemanha, Estónia e Bélgica ao longo dos últimos dois anos. Em Paris, chegou aos dois metros na final do salto em altura e sagrou-se campeã olímpica perante os 80 mil espectadores que têm preenchido o Stade de France.  “Estou ansiosa para voltar para a minha cidade, ver a minha família e amigos e comemorar esta medalha de ouro com eles”, confidenciou, referindo que é através do WhatsApp que se mantém “ligada” à guerra, recebendo inúmeros vídeos de familiares e amigos.

“Vivemos no século XXI. Temos tecnologia, temos liberdade, o mundo está a avançar. Devíamos estar a viajar e a trocar experiências, mas não podemos porque precisamos de lutar pelo nosso país. Todos os países deviam unir-se. A guerra começou em 2014, em Lugansk e Donetsk, e agora dizem que podemos parar a guerra se lhes dermos território. Não é possível. Devemos lutar até ao fim”, pediu.

[Já saiu o segundo episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro episódio. ]

Kharlan, a melhor atleta do país que “mostra ao mundo que a Ucrânia tem de vencer”

Outro dos casos envolve a esgrimista Olga Kharlan, a atleta mais bem sucedida da história do país. Em 2021 falhou a conquista de uma medalha em Tóquio. Contudo, poucos meses depois, a sua vida ficou virada do avesso. “Quando não fui bem sucedida em Tóquio, pensei que era a pior altura da minha vida. Depois, quando a guerra começou, disse que nada se comparava ao que estava a acontecer a todo o meu país. Esta é a nossa história neste momento. Tentamos viver com isso. Tentamos construir o futuro”, disse à CNN internacional.

Já em Paris, Olga conseguiu dar uma alegria ao povo ucraniano. Num dos primeiros dias da competição, conquistou a medalha de bronze na prova individual. Pouco depois, ajudou a Ucrânia a triunfar na prova de sabre por equipas diante da Coreia do Sul, numa vitória que valeu a medalha de ouro. Com essa conquista, Kharlan chegou aos seis ouros olímpicos e tornou-se na atleta ucraniana mais bem-sucedida.

“Isto é histórico para o meu país. Isto é histórico para o mundo inteiro e mostra ao mundo inteiro que somos capazes de o fazer. A Ucrânia é capaz de o fazer. E o desporto é uma das formas de dizer que a Ucrânia pode lutar e de dizer ao mundo inteiro que a Ucrânia tem de vencer. Neste momento, é como se fosse um filme com um final feliz, mas quando o nosso país está a ser bombardeado todos os dias, não é um final completamente feliz”, partilhou depois de se sagrar campeã olímpica.

Os treinos que dependem dos ataques e as mudanças de cidade (e de país)

A situação é parecida a quase todos os atletas de alta competição da Ucrânia. Anna Pysmenska, mergulhadora olímpica, nasceu no centro do país e começou a treinar em Lugansk. Contudo, em 2014, abandonou a região e estabeleceu-se em Kiev. Após o início da invasão, mudou-se para a Croácia, voltando à capital ucraniana no verão de 2022. Em entrevista à CNN internacional, revelou que os constantes ataques fazem com que a preparação e a concentração sejam um desafio.

“Treinamos todos os dias. Fisicamente, estamos prontos. Mas moralmente é bastante difícil. Eu estava histérica há alguns dias por causa dos constantes apagões, que aconteceram de forma incompreensível. Não se pode planear nada. As luzes nunca estão acesas. É a Idade da Pedra. É muito enervante”, partilhou ainda na entrevista.

Já Danylo Konovalov, de 21 anos e que também compete no mergulho, nasceu em Mykolaiv, mas não pode treinar na cidade. Saiu da Ucrânia inicialmente, mas regressou a Kiev em abril de 2022. O seu dia está dependente dos ataques. Normalmente começa a treinar às 7 horas e faz duas sessões de treino. Caso haja um alerta de ataque aéreo, realiza exercício físicos enquanto espera que passem.

“Não leio as notícias. Sinto-me muito mais tranquilo assim. A minha mãe liga-me e conta-me como estão as coisas para que eu possa concentrar-me no desporto”, contou, revelando que os pais ficaram “para trás”, encontrando-se ainda em Mykolaiv.

Mesmo com as dificuldades nos treinos, a Ucrânia já tem, até ao momento, sete medalhas nos Jogos Olímpicos: duas de ouro, duas de prata e três de bronze.