O desporto é feito de adversidades. A vida é feita de adversidades. Adversidade podia ser a palavra que melhor caracteriza o desporto paralímpico ucraniano. Há ano e meio, a invasão russa teve claros impactos na vida quotidiana do país. E o desporto não foi exceção. A preparação para os Jogos Paralímpicos de Paris foi claramente afetada por esta nova realidade, obrigando os atletas a mudarem de cidade e, nalguns casos, até de país.

Um desses caso é o de Mykhailo Serbin, nadador de 20 anos que, em Tóquio-2020, conquistou o ouro nos 100m costas S11, categoria para atletas cegos. Natural de Kharkiv, Serbin teve de deixar a sua cidade depois de os bombardeamentos russo terem destruído a piscina local. Atualmente vive e treina em Kamianske, cidade-dormitório da região de Dnipro. “Não tínhamos esperanças, nem expectativas. Íamos receber um salário? Os nossos prémios seriam pagos? Era tudo desconhecido. Vivíamos um dia de cada vez e simplesmente treinávamos. Não dava para saber o que ia acontecer amanhã”, partilhou o nadador com o The Guardian.

Perante toda a instabilidade que ainda se vive na Ucrânia, Mykhailo Serbin vai estar em ação em Paris nos próximos dias, procurando revalidar o título olímpico dos 100m costas de S11 e conquistar o ouro nos 200m estilos individuais de S11. Com apenas 20 anos, o ucraniano é um dos atletas paralímpicos mais promissores, tendo já no seu palmarés dois títulos de campeão do mundo, conquistado na Madeira em 2022 e em Manchester-2023. Em Paris, o objetivo passa por “provar a si mesmo que não trabalhou em vão nos últimos anos”. “O próximo é garantir que as pessoas não se esqueçam dos ucranianos, que são pessoas muito fortes”, acrescentou.

Outro dos casos é o de Anton Kol, atleta que conquistou quatro medalhas paralímpicas de costas na classe S1, para atletas com uso mínimo de braços ou pernas. Ao The Guardian, Kol confidenciou que, no início de abril deste ano, um míssil caiu a 60 metros da sua casa, nos arredores de Dnipro. “As janelas partiram-se”, partilhou, acrescentando que se encontrava a passear com o filho num jardim à frente da sua habitação. Para além do impacto na sua casa, o nadador viu a piscina onde treinava ficar danificada.

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Menos de três semanas depois do ataque, Anton estava a competir no Campeonato da Europa, que decorreu na Madeira, e conquistou o ouro nos 100m. “Tivemos de adaptar-nos às condições. Quando os mísseis atingiram áreas residenciais, as pessoas ficaram muito unidas. Esta cidade está sempre a florescer”, afirmou. As dificuldades de Kol, atualmente com 34 anos, começaram em tenra idade. Assim que nasceu, o ucraniano foi abandonado pela mãe e cresceu num orfanato. Seguiu-se uma depressão, que superou devido ao desporto. Atualmente dedica-se ainda a iniciativas sociais que passam pela reconstrução de casas e a cuidar da sua família.

Na natação ucraniana existe ainda a história de Veronika Korzhova, jovem de 16 anos que perdeu as duas pernas quando era criança. Com o início da invasão russa, Korzhova teve de abandonar a região de Donetsk, de onde é natural, e embarcou para Kamianske em abril de 2022. Soledar, a terra onde cresceu, ficou praticamente destruída. “Esse foi o momento mais difícil. Mudar de cidade e vir para aqui treinar com novos treinadores e uma nova equipa”, sublinhou ao The Guardian. “Eu assisti a Tóquio-2020 e tive um desejo tão grande dentro de mim de chegar aos meus primeiros Paralímpicos este ano”.

É indiscutível que a maior vitória para os atletas ucranianos é marcarem presença em Paris-2024. Há dois anos e meio, o apoio estatal ao desporto paralímpico sofreu um corte, com o Estado a desviar o financiamento para o Exército. Com essa ação, a incerteza tomou conta dos desportistas que, em Tóquio-2020, conquistaram 95 medalhas e conseguiram o quinto lugar na lista de países. Para estes Jogos Paralímpicos, os recursos foram esticados ao limite, ainda que, em 2023, o orçamento tenha sido restaurado praticamente na totalidade. O desporto paralímpico também serve para a Ucrânia mostrar a sua força e união.