O motorista da Carris Metropolitana que viu o autocarro que conduzia ser incendiado, na madrugada desta quinta-feira, em Santo António dos Cavaleiros, na sequência da violência dos protestos pela morte pela PSP de um homem no bairro do Zambujal, ficou gravemente ferido e está internado na Unidade de Queimados do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Não corre, contudo, risco de vida. O homem foi atingido, já depois da 1h00 da manhã, quando um grupo de pessoas atirou cocktails molotov para dentro do veículo, que estava a terminar a viagem na zona da Cidade Nova.

Atingido pelas chamas — que acabaram por consumir o autocarro na totalidade (o quarto a ser incendiado, na terceira noite de protestos violentos) —, o motorista foi transportado para o Hospital de Santa Maria, a referência na zona de Lisboa para casos de queimados. Segundo fonte da Carris Metropolitana, sofreu “queimaduras graves na face, tórax e membros superiores”. Deu entrada no serviço de urgência, foi transportado para a Unidade de Medicina Intensiva e depois enviado para a Unidade de Queimados, confirmou a Unidade Local de Saúde de Santa Maria ao Observador. Apesar da gravidade das queimaduras, em várias zonas do corpo, o homem, na casa dos 40 anos, não corre perigo de vida, e está em “situação de estabilização”.

Tudo terá acontecido quando o motorista, que assegurava a última viagem da carreira 2769 — entre o Campo Grande e a Cidade Nova — imobilizou o autocarro na paragem terminal. Logo depois de os passageiros saírem, um grupo de várias pessoas (cerca de 15 a 20, segundo o presidente da Junta de Freguesia de Santo António dos Cavaleiros, Jorge Costa) atirou coktails molotov para dentro do autocarro, revelou ao Observador o presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão. O motorista terá permanecido algum tempo dentro do veículo, o que acabou por originar as queimaduras. O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Motoristas não sabe por que razão o motorista não saiu imediatamente do autocarro, como o restos dos passageiros, mas avança duas possíveis hipóteses. “Ou foi a tentar defender os seus pertences ou foi com o objetivo de defender o próprio autocarro”, disse Manuel Oliveira ao Observador.

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O Sindicato Nacional dos Motoristas repudia o ataque ao autocarro e ameaça mesmo boicotar as rotas mais problemáticas, se não estiver garantida a segurança de passageiros e motoristas. “Não nos opomos a que o serviço continue de forma regular e que sejam cumpridos os requisitos mínimos de segurança. Se isso não acontecer, vamos convidar os trabalhadores que operem naquelas carreiras a não iniciarem o serviço“, diz o responsável, dizendo esperar que a medida não seja necessária e que as forças de segurança coloquem fim aos distúrbios que têm assolado a zona de Lisboa nas últimas três noites e que já resultaram na destruição de quatro autocarros.

Na última noite, e para além do incidente em Santo António dos Cavaleiros, foi ainda incendiado um outro autocarro na Arrentela, no concelho do Seixal. No dia anterior, já tinham sido incendiados outros dois: um no Bairo do Zambujal, no concelho da Amadora, e outro na Portela de Carnaxide, já no concelho de Oeiras.

[Já saiu o quarto episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio, aqui o segundo e aqui o terceiro.]

“Esperamos que as nossas forças de segurança utilizem a força necessária (não me interessa se é muita ou pouca) para que a ordem pública seja mantida”, sublinha o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Motoristas, acrescentando que a suspensão temporária de rotas deve ser evitada. “Suprimir serviços já aconteceu mas é uma medida que pode ser perversa. Privaria do serviço algumas dezenas de milhares de pessoas e poderia dar o sinal errado, dizendo aos prevaricadores que os seus atos tiveram este impacto, potenciando novos ataques”, avisa Manuel Oliveira.

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O responsável considera os distúrbios que se têm registado na zona de Lisboa estão a ser levados a cabo por “pessoas cobardes”, que não estão a homenagear a memória de Odair Moniz. “A morte foi apenas uma desculpa para a destruição de propriedade alheia, de forma gratuita”, realça Manuel Oliveira, defendendo que as pessoas que estão a ser afetadas pelos desacatos (o que se deslocam de autocarro ou as que viram as suas viaturas destruídas ou danificadas) “não são responsáveis pelo que aconteceu” na madrugada de domingo para segunda-feira, referindo à morte de Odair Moniz, baleado pela PSP depois de uma perseguição. “Não é desta forma que se homenageia a memória de alguém, há formas mais dignas e civilizadas de se insurgirem contra o que acham que correu mal”, reforça.