Pelo banco dos réus do Tribunal Penal de Vaucluse, em Avignon, França, passaram homens carecas e de cabelo comprido, magros e gordos, altos e baixos, com e sem filhos, empregados e desempregados, com e sem antecedentes criminais. Mas há algo que os une: todos estão acusados de violar Gisèle Pelicot enquanto esta estava inconsciente. É por isso que a imprensa francesa os batizou de “Monsieur Tout-le-monde” — na tradução em português “Sr. Qualquer Um”.

A razão de ser da denominação é simples, como afirmado nas alegações finais do julgamento por Antoine Camus, um dos dois advogados de Gisèle Pelicot: “O perfil do violador não existe“. Os 50 co-arguidos do caso Pelicot são a prova disso. Todos foram à residência do ex-casal Pelicot, entre 2010 e 2020, para violar Giséle em conluio com Dominique Pelicot, que drogava a mulher, através de medicamentos que dissolvia na água e comida, até a deixar inconsciente.

Os homens — atualmente entre os entre os 27 e os 74 anos — recebiam instruções claras do marido de Gisèle Pelicot para não cheirarem a qualquer tipo de perfume ou a fumo de cigarro. A intenção era não deixarem vestígios que alertassem a mulher para as agressões sexuais que decorriam com muita frequência.

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Segundo o New York Times, em reportagem na cidade francesa de Avignon, apenas 14 dos homens não estavam empregados. As profissões — entre outras de carpinteiro, técnico de informática, guarda prisional e enfermeiro — refletem a classe média trabalhadora francesa.

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Cartaz de uma das manifestações de apoio a Gisèle Pelicot em Paris

Menos de metade desta meia centena de homens tinha antecedentes criminais antes da prática dos crimes contra Gisèle. Os que tinham cadastro, na sua maioria, já tinham sido sinalizados por violência doméstica. Só dois tinham sido acusados por violação.

Pouco mais de dois terços destes 50 homens têm filhos. No entanto, um dos perfins revelados é de um militar de apenas 22 anos — o mais novo dos co-arguidos ao tempo dos factos — que, segundo os investigadores, no final de 2019 terá faltado ao nascimento da própria filha para, nessa noite, ir violar Gisèle Pelicot.

No julgamento, devido à linha de defesa de muitos dos co-arguidos, foi revelado que 18 dos co-arguidos sofriam de dependência de álcool ou drogas e que cerca de uma dúzia alega ter sido vítima de abusos sexuais em criança. Muitos advogados de defesa dos acusados argumentaram também que os seus clientes se deslocaram à casa dos Pelicot com base no pressuposto de que estavam a participar na “fantasia de um casal de swingers”, defendendo que achavam que Gisèle tinha dado o seu consentimento.

França. Homem que planeou e executou violações em série à mulher sofre de “cisão” de personalidade

Os advogados de Dominique Pelicot formaram grande parte da linha da defesa do principal arguido do caso com base na infância e juventude disfuncional que o homem, atualmente com 71 anos, viveu e que resultou numa “cisão” da sua personalidade. Ao ponto de ser visto pela família enquanto um pai e marido carinhoso e, ao mesmo tempo, às escondidas dos que lhe eram mais próximos, operar um esquema complexo de violação em série da mulher com quem partilhava os anos de reforma na cidade francesa de Mazan.

Procuradores franceses pediram dez anos de prisão para maioria dos co-arguidos

Nas últimas sessões do julgamento do caso Pelicot a acusação pronunciou-se a favor de uma pena de dezassete anos de prisão contra Jean-Pierre M., o único co-arguido, de um total de 50, a não ser acusado de agressão sexual contra Gisèle Pelicot, mas sim contra a própria esposa.

Segundo a acusação, foi encorajado pelo principal arguido a usar o mesmo método e as mesmas drogas para deixar a mulher inconsciente, através do fórum online em que Pelicot recrutava agressores sexuais para violar Gisèle Pelicot. Tanto Jean-Pierre M., como Dominique Pelicot — que enfrenta um pedido de 20 anos de pena de prisão — violaram esta segunda vítima.

Na semana passada, os representantes do Ministério Público começaram a revelar os pedidos de condenação para vários outros co-arguidos. Segundo o Le Monde, Joseph C., de 69 anos, será o único arguido a não ser condenado por violação, uma vez que não conseguiu consumar o ato. Os procuradores franceses pedem, neste caso, quatro anos de prisão.

Para vários arguidos, incluindo Didier S., de 68 anos, Hugues M., de 39 anos e Saifeddine G., de 36 anos, foi pedida uma pena de prisão de dez anos.