Shimon Peres morreu na madrugada desta quarta-feira aos 93 anos. O ex-presidente e primeiro-ministro de Israel estava internado no Hospital de Telavive há duas semanas, depois de ter sofrido um AVC, de acordo com a imprensa israelita. Peres foi distinguido com o Prémio Nobel da Paz em 1994, juntamente com o líder palestiniano Yasser Arafat e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, pelos Acordo de paz de Oslo que assinaram em 1993.
A cerimónia fúnebre de Shimon Peres está marcada para sexta-feira às 11 horas locais, 9h em Lisboa, e o presidente norte-americano Barack Obama já anunciou que vai estar presente.
Presidente de Israel entre 2007 e 2014, Peres foi considerado um dos pais do Estado judaico com uma carreira que passou por cerca de dez ministérios, incluindo o da Defesa e o dos Negócios Estrangeiros. A sua história é indissociável da de Israel, onde exerceu todo o tipo de cargos políticos ao longo de sete décadas. Mas era, também, um estadista de projeção mundial, reconhecido pelas suas qualidades diplomáticas.
Filho de migrantes polacos, Shimon Peres nasceu em Wiszniewo, Polónia (hoje esta povoação fica na Bielorrússia), em 1923, tendo chegado à Palestina ainda no tempo de mandato britânico com a família quando tinha 11 anos, lembra o The Jerusalem Post. Cresceu em Telavive, que hoje é a segunda maior cidade de Israel, e foi eleito, em 1943, secretário do movimento juvenil sionista trabalhista (ala esquerda dos sionistas, movimento que defendia o direito à existência de um Estado nacional judaico independente e soberano no território do antigo Reino de Israel).
Próximo daquele que se viria a tornar no primeiro primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion, foi ele o responsável pela compra de armamento para o movimento nacionalista e revolucionário Haganah, que combateu os ingleses e, depois, desempenhou o papel central na guerra da independência de 1948, em que Israel derrotou os exércitos dos países árabes vizinhos que não aceitaram a partição da Palestina, decidida pelas Nações Unidos, num estado judaico e noutro árabe.
Apesar de, ao contrário de muitos dos principais dirigentes de Israel desde 1948, nunca ter desempenhado cargos militares de relevo, a sua ação política foi fundamental para a consolidação das forças armadas israelitas, o IDF, nomeadamente no desenvolvimento do seu programa nuclear secreto.
A sua ascensão política começou ao lado de Ben Gurion e foi feita no Partido Trabalhista, que dominou a cena política nas primeiras décadas do novo Estado. Diretor-Geral do Ministério da Defesa em 1953 é nesse cargo que ajuda a fazer da França um dos primeiros aliados de Israel — assim como fornecedora do seu armamento mais sofisticado, como os caças Mirage III. Vice-ministro da Defesa em 1959, ano em que também foi eleito deputado, seria ministra Integração dos Imigrantes a partir de 1969, numa época em que Israel começou a construir os primeiros colonatos nos territórios palestinianos ocupados depois da Guerra dos Seis Dias.
Ocuparia depois muitas outros pastas ministeriais — Transportes, Comunicações, Finanças, Negócios Estrangeiros e Defesa — mas a sua ascensão política seria travada pela sua incapacidade de ganhar eleições como líder dos trabalhistas. A primeira vez que isso aconteceu foi em 1977, quando Peres perdeu para a direita de Menachem Begin, assim acabando a hegemonia do Labour. Begin, que tinha feito a sua carreira em movimentos sionistas mais extremistas, acabaria depois por fazer a paz com o Egito de Anwar Sadat, com os Acordos de Camp David patrocinados pelo então presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter.
Mas a derrota mais dramática e inesperada teria lugar nas eleições de 1996, convocadas em situação dramática depois do assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, com quem tinha acabado de partilhar o Prémio Nobel da Paz na sequência dos Acordos de Oslo. Partindo largamente favorito, Peres perderia para o Bibi Netanyahu, o líder do Likud, a principal força da direita. Ocupava na altura, pela segunda vez, o lugar de primeiro-ministro.
Sofreria mais derrotas políticas — em 2000 para a Presidência da República e em 2005 para a liderança do Partido Trabalhista — acabando por abandonar o seu partido de sempre para fundar, com Ariel Sharon, um “falcão” vindo da direita do Likud, um novo partido centrista, o Kadima, participando num governo que se empenhou num caminho diferente para a paz. Foi quando Israel saiu unilateralmente da Faixa de Gaza e desmantelou todos os colonatos aí existentes. Eleito Presidente em 2007, no Parlamento, cargo essencialmente cerimonial que manteria até 2014, não conseguiria prosseguir essa via pois entretanto Sharon já deixara de ser primeiro-ministro, em 2006, na sequência de uma grave doença.
Habilidoso, mestre nos jogos de bastidores, intriguista para uns, fino diplomata para muitos, foi muitas vezes apresentado como uma “pomba” e, noutras ocasiões, criticado por ser um “falcão”. A verdade é que, ao mesmo tempo que desempenhou papéis centrais na construção das forças de defesa de Israel e, como político e negociador, nas guerras em que Israel assegurou a sua sobrevivência, não deixou por isso de ser um dos nomes que mais se destacou na luta pela paz com os países vizinhos. Em 1997, depois da desilusão da derrota eleitoral de 1976, fez mesmo nascer o Centro Peres para a Paz, com o objetivo de criar alianças entre árabes e israelitas que lutassem pela paz.
Apesar de muitos israelitas não apoiarem a visão do ex-líder, cuja solução para a paz no território passava pelos dois Estados (Israel e Palestina), Shimon Peres disse em 2013 que “não havia outra solução”. “A paz em Israel não é uma escolha estratégica. É um apelo moral que decorre da profundidade da nossa herança histórica”, afirmou.
Num boa síntese dos sentimentos suscitados por Shimon Peres, Eric H. Yoffie, um rabi de New Jersey que escreveu no diário israelita Haaretz, notava que, como político, ele era inconsistente, “ocasionalmente brilhante mas frequentemente não”. Porém, ao fim de 75 anos de carreira política, “os israelitas começaram a amá-lo, acabou a sua carreira reverenciado pela direita e pela esquerda, um Presidente extraordinário que trouxe renovação e brilho não só à sua função, como a um país desencorajado e dividido”.
Peres e a mulher Sonia, que morreu em 2011, tiveram três filhos, oito netos e vários bisnetos.